Imagem retocada, do espólio de Alfredo Pereira de Lima.
Não foi a primeira visita de Marcelo Caetano a Lourenço Marques. Mas foi a primeira visita de um Presidente do Conselho português a Moçambique, cargo que despenhava pouco depois do AVC que invalidou Salazar. Engendrada por Baltazar Rebelo de Sousa, que na altura (e por cerca de dois anos) Governador-Geral da Província, a visita foi talvez demasiadamente apoteótica e enganou quase toda a gente, especialmente os brancos, que erroneamente pensaram que estava tudo bem e que havia tempo e futuro – o que depois se provou não ser correcto. Acima de todos enganou o próprio Marcelo.
Marcelo Caetano, à direita, é cumprimentado pelo Engenheiro Fernando Seixas, Director dos Serviços dos Portos, Caminhos de Ferro e Transportes de Moçambique, no Salão Nobre da Câmara Municipal de Lourenço Marques, sexta-feira, 18 de Abril de 1969.
Vista parcial da primeira mesquita de Lourenço Marques, anos 60. De cada lado da sua entrada, havia pequenas lojas, aqui a Ourivesaria Portugal e a Casa dos Brinquedos.
O machimbombo Nº1 dos Serviços Municipalizados de Viação de Lourenço Marques, que fazia a ligação entre a estação dos Caminhos de Ferro de Lourenço Marques (Praça Mac-Mahon) e a Costa do Sol, estacionado em frente ao Restaurante da Costa do Sol, anos 60. Em primeiro plano, dois amigos de Manuel Gomes, um dele (não sei qual) o Dr. José Maria Vieira. O cenário que aqui se vê agora mudou radicalmente.
Com o Manuel (Manolis) Petrakakis no Restaurante da Costa do Sol em Maputo, 22 de Fevereiro de 2004, numa das (várias) vezes em que vivi na Cidade. Ambos netos de ilhéus (eu, Açores, ele, Creta) e criados na Cidade. Na altura o restaurante havia sido esplendidamente ressuscitado pelo grande Jorge e a mulher (que agora gerem o não menos mítico Zambi). O Manuel foi o último do Clã Petrakakis a deter o restaurante, que vendeu o espaço e os terrenos à volta pouco antes da verdadeira vassourada imobiliária que alterou completamente a zona (que daqui a 50 anos vai estar toda debaixo de água mas enfim). Dava-me muito bem com o Manny: sempre que eu ia lá almoçar ou jantar ao Restaurante da Costa do Sol, tipo inside joke, ele colocava no sistema de som do restaurante um CD do Frank Sinatra que começava com o New York, New York. O efeito era mágico. Consta-me que ele está bem e que anda cá e lá. África nunca sairá dele.
Imagem de Constance Stuart Larrabee, norte-americana, tirada no Porto de Lourenço Marques cerca de 1946 e retocada por mim.
Algum do carvão com que se carregavam os navios que paravam em Lourenço Marques (o carvão vinha de perto de Johannesburgo) tinha que ser carregado à mão, por estes trabalhadores.
“Moleque”, tal como o termo inglês “boy”, quando aplicados a um homem africano negro, são hoje (creio) termos com um cunho pejorativo. Mas aqui surgem placidamente num postal de o que presumo ser um (usando a terminologia mais politicamente correcta destes dias) empregado doméstico, servindo numa casa de europeus, em dia de folga. Imagino que tenha sido um choque de culturas digno de Fukuyama. No início do Séc. XX, Chinde era um ténue buraco português na infecta foz do Zambeze, a paredes meias com a sua homónima britânica (que nos termos do acordo de 1891 foi território britânico até 1922).
No fim do Século XIX e início do Século XX,, exceptuando os (muito) poucos centros urbanos coloniais mais estabelecidos, como a Ilha de Moçambique, o Ibo, a Beira e Lourenço Marques, praticamente não havia estradas em Moçambique, no sentido em que se entende o termo actualmente. Quando muito, havia uns caminhos de areia, conquistados ao mato à pazada e com enxadas. Comboios, só as duas linhas Lourenço Marques- Transvaal e Beira-Rodésia do Sul.
A maioria dos futuros moçambicanos, cerca de 3 milhões de almas, vivia no mato e nas costas, da agricultura, pastoreio, caça e pesca.
A ausência de estradas significava que, para o resto da nova colónia, que era quase tudo o resto, as pessoas e os bens moviam-se essencialmente de barco (quando na costa), a pé, com carregadores, e, de burro e, mais raramente, em carroças de bois, e isto só nas zonas em que não havia a mosca tsé-tsé. E quando tocava a atravessar cursos de água, as pessoas tinham que entrar na água e molhar-se – ou, alternativamente, recorriam aos serviços de machileiros, comuns nas deslocações dos poucos europeus que se venturavam para além da costa e que raramente tinham estaleca para aguentar as doenças, os intermináveis percursos e o clima inclemente (a taxa de mortalidade dos europeus em Moçambique era assustadora face aos padrões actuais).
O postal de Spanos e Tsitsias.
Na imagem em cima, se o Exmo. Leitor prestar atenção, à frente há dois homens com chapéus contendo a sigla “CL”, significando a Companhia do Luabo. Luabo era uma localidade situada a sudeste de Quelimane e durante muitos anos foi um prazo. Por esta altura a CL era uma empresa privada.
Mas o que é que se passava nesta região da Zambézia por estas alturas? Sem dinheiro mas tendo que fazer alguma coisa para “colonizar”, o governo de Portugal alugava a maior parte da sua colónia a estrangeiros.
O processo de ocupação e exploração económica, no período da colonização, era uma forma de implantação da soberania portuguesa em pontos onde o seu domínio era apenas nominal. Desse modo, a clara ameaça britânica, através do seu representante Cecil Rhodes (1890), em ocupar certas regiões com potenciais riquezas mineiras e agrícolas, tornava-se injustificada, a não ser que fosse pela força.
No centro do país, os complexos de açúcar surgiram em 1890 com a criação da Companhia de Açúcar de Moçambique, fundada em Mopeia por John Peter Hormung. O seu primeiro trabalho consistiria em transformar a produção de ópio, detida pela Mozambique Opium Cultivating and Trading Company (1877), em plantações de açúcar.
Com a ampliação do território da Companhia, em 1900, funda-se a Sociedade Açucareira da África Oriental Portuguesa, empresa constituída por capitais franceses e da qual nasceria a primeira fábrica açucareira em Marromeu, que, posteriormente, expandiria as actividades para Caia.
A Companhia do Búzi (originalmente Companhia Colonial do Búzi) teria sido fundada em 1898, por contrato entre a firma portuguesa Arriaga em Comandita e a Companhia de Moçambique que, na altura, tinha poderes majestáticos sobre o território de Manica e Sofala. Para além da agro-indústria do açúcar, a Companhia do Búzi tinha interesses nas áreas da agro-indústria, do algodão, da pecuária, da exploração madeireira, da construção naval e do fabrico de sal, conforme estipulado no artigo 10 da sua carta constitutiva.
Em 1904 surgiu a Sena Sugar Factory e, em 1905, o processo de expansão daquela, inicia-se com a expropriação dos camponeses. Em 1909, John Hornung assumiu o controle da Companhia do Luabo com todas as suas terras, tendo assinado um acordo com Paiva de Andrada, como subarrendatário dos prazos Luabo, Marral e da Companhia Assucareira de Marromeu.
A estes juntar-se-iam os prazos de Maganja d’Aquém Chire e Charre, e em 1913, o prazo Angónia como região de abastecimento de força de trabalho.
Em 1920 procede-se à fusão de todas as terras da antiga Companhia do Luabo, da Sena Sugar Factory, da Companhia de Assucar de Moçambique e da Companhia Assucareira de Marromeu. Deste alargamento surge, a Sena Sugar Estates, Ltd, com as suas plantações e instalações fabris em Luabo e em Marromeu.
(…)
A produção do açúcar da fábrica de Marromeu aumentou regularmente até à década de 70. Foi com base nas tecnologias introduzidas que, em 1972, a Sena Sugar Estates alcançou a sua maior produção de sempre, na ordem das 153.000 toneladas de açúcar, das quais, 77.850 foram produzidas pela fábrica de Marromeu e 75.150 pela fábrica de Luabo.
(…)
Em 10 de Agosto de 1978, a Sena Sugar Estates é nacionalizada, quando tinha um efectivo de 12.000 trabalhadores na fábrica de Luabo e 13.000 na de Marromeu.
Em 1985 deu-se a paralisação das duas fábricas da Sena Sugar Estates, devido ao efeito alargado da guerra civil, que afectava, não só, a estrutura social do distrito de Marromeu e Luabo, como, também, não permitia o escoamento do produto da fábrica para outras províncias e para o exterior.
O Rio Revué nasce a Leste da Serra do Vumba, junto à fronteira com o Zimbabué (a antiga Rodésia do Sul) e, a seguir à monumental barragem e central hidroeléctrica da Chicamba Real (que fica a 30 kms a Oeste de Chimoio, ou a antiga Vila Pery), desce Manica numa direcção sudeste até entrar em Sofala, altura em que segue em direcção Leste até desaguar no Canal de Moçambique, mesmo a Sul da Baía a norte da qual se situa a Beira . As suas águas dão de beber a vários municípios na região por onde passa e ainda à Beira.
Ao longo da administração portuguesa de Moçambique, o rio foi alvo de vários estudos técnico-científicos. Mais recentemente, as actuais autoridades confrontam-se com desafios sérios relacionados com a poluição química do rio pelos chamados garimpeiros de ouro informais e ainda por parte de várias empresas mineradoras, que ameaçam o fornecimento de água para a agricultura, água potável para os habitantes da região e estão a dar cabo daquilo tudo.
Construída nos estaleiros da Yarrow & Co. em 1918, a lancha-canhoeira Tete entrou ao serviço no Chinde em 1920 e cruzou o Rio Zambeze até 1971. Guarnecida por seis elementos, tinha 22 metros de comprimento, 6 metros de boca e 0.7 metros de calado, movida por um motor de 70 HP que accionava uma roda de pás situada na ré, a uma velocidade máxima de 6 nós. Para defesa, estava munida com duas peças de 47 milímetros e duas metralhadoras.
Descansando na Praça Mac-Mahon, entre o monumento em memória dos mortos na I Guerra Mundial (inaugurado em 1935) e a fachada da estação ferroviária de Lourenço Marques, início dos anos 60. Do lado direito, vê-se o início da Rua Araújo.
A Praça Mac-Mahon (hoje Praça dos Trabalhadores), início dos anos 70. A seguir ao prédio da esquerda (Prédio Abreu Santos e Rocha, desenhado por Pancho Guedes) tem início a Rua Consiglieri Pedroso.
Penso que lá nos tempos a Câmara tinha um caixote cheio destas chaves pois cada vez que aparecia alguém a visitar a Cidade oficialmente, levava uma. Nunca falhava.
O brasão de armas de Tete, aqui designada “Vila de São Tiago de Tete”. Parte da colecção de sêlos dos brasões das cidades e vilas de Moçambique, anos 60. Este de cinco escudos.
Tenho as melhores memórias das aulas que tive em educação musical e dos professores e penitencio-me por não ter levado mais a sério essas aulas, talvez por distracção e porque tinha uma voz quiçá menos adequada. Porque, aos 61 anos de idade e retrospectivamente, a música comprovou ser dos raros, únicos, verdadeiros e duradouros prazeres que levarei desta vida. Inesquecível foi o dia em que me sentei numa aula, num auditório do liceu Salazar, no final de 1973, e inesperadamente escutei uma colega minha e outro colega, com tonalidades perfeitas, a cantarem esta canção do musical “Jesus Christ Superstar” (que a censura tinha deixado passar em Moçambique), em inglês. Foi uma coisa do outro mundo:
Everything will be fine, do musical Jesus Christ Superstar. Esta música ajudou muito nos anos que se seguiram a 1974.
José Queirós, que acho que não conheci, foi um professor de educação musical no Liceu Salazar em Lourenço Marques que logrou permanecer em Moçambique até uns anos após 1975, já o estabelecimento se passara a chamar Escola Secundária Josina Machel (por uns meses na chamada Transição se designou Liceu 5 de Outubro, para não ferir as espécies). A jovem Mónica foi então sua aluna na 6ª classe em 1975-76, e teve algumas aulas particulares de piano em casa dele, por pouco tempo, em 1976-77. Durante alguns meses a jovem tentou aprender a tocar piano com o prof Queirós mas atendendo à sua falta de jeito e pouca dedicação, um dia, simpaticamente, ele aconselhou-a a desistir do esforço, assim “poupando dinheiro ao pai” e ofereceu-lhe num papel a música em baixo como despedida. Talvez a música seja de 1977. Ele morreu pouco tempo depois.
Pauta da valsa escrita pelo Professor José Queirós para a sua jovem aluna de piano. Como não sei ler pautas, não sei como soa.
Este documento indicia algo que eu não sabia. O Liceu Salazar que todos conhecem (hoje Escola Secundária Josina Machel) foi inaugurado em 1952. Antes disso, o liceu antigo da Cidade ficava situado directamente atrás deste liceu e durante muitos anos se chamava Liceu 5 de Outubro (ver em baixo). Mas pelos vistos já em 1947 ele se designava Salazar.
Capa e contracapa do Bilhete de Identidade de estudante do Liceu Salazar em Lourenço Marques. Na capa, o brasão da Colónia de Moçambique, cuja designação seria actualizada novamente para Província aquando da revisão constitucional de 1951.
Interior do BI.
O Liceu 5 de Outubro na 24 de Julho, onde o jovem Manuel Portela estudou. Sabemos agora que nos anos 40 já lhe chamavam Liceu Salazar. Quando “o” Liceu Salazar foi inaugurado, em 1952, aqui passou a funcionar a Escola Comercial Azevedo e Silva. O edifício seria (estupidamente) demolido para no seu lugar serem edificados novos edifícios, funcionais mas horríveis, que ainda lá estão.
A zona na Polana onde estavam os liceus e escolas: 1) Liceu Salazar, inaugurado em 1952, edificado onde antes estava a Estação Telegráfica Eastern; 2) Escola Preparatória General Joaquim José Machado; e 3) Escola Comercial Azevedo e Silva, anteriormente Liceu 5 de Outubro – e pelos vistos também se chamou Liceu Salazar nos anos 40.
Bilhete de ingresso para uma tourada na Praça de Touros A Monumental em Lourenço Marques, 1961. 120 escudos na altura era uma pipa de massa. Por comparação, um bilhete de cinema custava para aí 4 escudos. Só fui a uma tourada uma vez na vida e jurei nunca mais. Mas era algo de peculiar na Cidade, que tinha os seus aficionados ferrenhos e bastante popular com os turistas bifes.
Carregadores na Angónia, região ao Norte de Tete, Não sei bem o que estão a segurar. A Angónia tem este nome por ser o local para onde muitos colonos Ngunis foram viver durante o Século XIX, quando inavdiram o que hoje é Moçambique, vindos da actual África do Sul, pois nestas terras altas podiam fazer o pastoreio.
A folha em inglês da Wikipédia contém esta verdadeira pérola sobre a Angónia, que me dei à maçada de traduzir (e que inexiste na versão em língua portuguesa, o que é um mistério):
“O nome Angónia significa “Terra dos Angóni”. Angoni é o plural de Ngoni/Nguni, povos da África do Sul que após a desintegração do Império Zulu no século XIX invadiram [violentamente]a região. A língua falada no distrito é Chichewa, embora outros a chamem de Chingoni. Chichewa parece mais provável porque quando os Nguni chegaram à região já havia pessoas lá chamadas Achewa. Os Nguni mataram os homens Achewa e “casaram-se” com as mulheres Achewa. Como os seus filhos passavam a maior parte do tempo com as mães, acabaram por aprender a língua das suas mães (Chichewa) e não a língua dos seus pais, uma vez que os pais estavam fora a caçar ou a lutar.”
Durou décadas e décadas e era uma maneira rudimentar e rasca de forçar os cidadãos a pagarem mais um impostozinho e se colocarem de cócoras perante as instituições públicas. Para se pedir um BI, um passaporte ou interpelar um qualquer organismo público, a forma de o fazer era, obrigatoriamente, comprar um destes papéis numa tabacaria ou papelaria, e nele redigir, da forma mais formal, servil e ridícula possível (havia minutas para tudo), ao que se vinha e o que se pretendia, terminando, invariavelmente, com um humilde e solícito”pede deferimento”. Que talvez até fôsse deferido. Frequentemente, tinha ainda que se comprar, colar e assinar por cima de sêlos fiscais. Se se cometesse o lesa-pátria de escrever fora das linhas, não servia e tinha que se fazer tudo de novo. Isto era a vida portuguesa, copiada à risca em Moçambique.
O chamado papel azul de 25 linhas, início do Século XX. Aqui tem mais que 25 linhas por erro meu.