Quis o destino que na idade-limite (oito anos?), quando chegou a minha vez, em Moçambique deixou de ser obrigatório aos jovens terem que ingressar na Mocidade Portuguesa, uma iniciativa de raízes digamos que …nazis, mas que em Moçambique, pelos anos 60, era aparentemente um valiosa ferramenta desportiva e de formação e convívio para os jovens. Mas para mim tudo o que envolvia ter que andar fardado simplesmente não convencia. Já sofrera o suficiente com a farda verde obrigatória (e, admita-se, equalizadora) da Escola General Machado. E eu já tinha convívio e desporto que dava e sobrava no Desportivo.
Infelizmente, o meu irmão Fernando, na imagem em baixo, não escapou. Teve que entrar na organização e um dia a Mãe Melo lá se sentou em frente à sua máquina de costurar duma marca italiana (Bernina? Nechhia?), e fez uma farda com um pano de khakh para elei (sim, tirando as t-shirts, naquela altura ou se fazia a roupa em casa ou ia-se à costureira. As madames com mais taco iam às boutiques). Durante uns tempos, ele teve que orientar os colegas à saída da Rebelo da Silva, com uns paus pintados de branco e vermelho. Não fossem eles atropelados na Pinheiro Chagas.
Nos anos 60 todas as ruas tinham miúdos e regra geral todos se conheciam e brincavam nessa rua. Eu era da Rua dos Aviadores e conhecia os da minha idade todos. A Fernandes Piedade ficava ali por perto mas já era outro mundo. Se o Exmo. Leitor conhecer aqui os jovens, envie uma nota para aqui.
A primeira imagem foi retocada e colorida, estava nos arquivos pessoais do então Governador-Geral de Moçambique, José Tristão de Bettencourt (açoriano), copiada dos arquivos da Fundação Mário Soares.
Imagens retocadas e coloridas, a primeira da colecção de Alfredo Pereira de Lima.
A baía excepcional, única entre Nacala e o Cabo, e a sua proximidade ao Transvaal, especialmente depois da fundação das repúblicas Boer e a descoberta do enorme filão de ouro no Witwatersrand (num canto do Transvaal), tornaram Lourenço Marques num lugar muito apetecível e previsivelmente lucrativo. Mas os investimentos eram enormes e levou tempo a construir-se uma linha de caminho de ferro para Pretória e ainda mais a construir um cais onde os navios podiam acostar e descarregar e carregar passageiros e mercadoria de forma mais eficiente. O Cais Gorjão só seria inaugurado nos primeiros anos de 1900. Até lá, é o que se vê nas duas primeiras imagens em baixo: os navios paravam na parte da Baía em frente a Lourenço Marques, e literalmente tudo o que havia para carregar e descarregar (mercadoria, pessoas, água, carvão, comida, etc) tinha que ser carregado à mão, e às costas, dos navios para barcaças ou barcos pequenos, e trazido até à praia, onde em seguida tinha tudo que ser acartado à mão para uma linha de terreno mesmo ao lado da Rua Araújo. Mais tarde foram sendo feitos pequenos cais de madeira, onde as barcaças e os barcos pequenos atracavam. Era um pesadelo.
Não sendo grande militarista (basicamente considero forças militares um mal muito caro e necessário- mas muito necessário quando é necessário) acho que só vi uma parada militar em Lourenço Marques, aquela em que apareceu o Rôxo, que era considerado uma espécie de Rambo português. Mas gosto de ver desfiles, especialmente com bandas miltares e tenho pena de estarem fora de moda. Para além do desfile na abertura dos Jogos Olímpicos em 1976, desfilei uma vez, como convidado de honra, no desfile mais antigo que celebra a independência dos Estados Unidos. Foi divertido.
Lourenço Marques tinha uma longa tradição de festas e de desfiles. Desde o início, quase tudo servia como desculpa para um desfile e uma festa rija. As visitas do Príncipe Filipe em 1907, do Marechal Carmona em 1939 e do General Craveiro Lopes, ficaram para a História. Mas muitos outros houve.
Aliás, até os tipos lá na Câmara escaqueirarem aquilo tudo a começar nos anos 40, a Praça 7 de Março e a Rua Araújo eram uma espécie de Feira Popular da Cidade.
Depois de 75 a Frelimo ainda se meteu nisso mas durou pouco. Alguém se lembra do desfile na 25 de Setembro (a previamente Av da República) quando os chefes da Frelimo se lembraram de meter no desfile aqueles tanques de guerra obsoletos e pesados(mas lindos, se bem que não serviam para nada) que os amigos comunas lhes deram, e as lagartas do tanques destruiram completamente o piso de alcatrão, e a Avenida durante séculos ficou uma lástima? pois. Os portugueses não tinham tanques em Lourenço Marques e os desfiles militares eram a pé. Era mais barato e sapato não estraga o alcatrão.
Sendo a guerra no Norte (onde voltou com requintes de malvadez estes dias), presumo que estas tropas, compostas por valentes desgraçados arrancados às suas famílias lá em Portugal. estavam de passagem. Maioritariamente pobres e mal alfabetizados, ficavam positivamente deslumbrados com a Cidade e percebiam que aquilo não era bem o Portugal que conheciam. A seguir, iam para o Norte, onde a coisa era mais primária.
O Coronel Edward Macmurdo, o algo polémico investidor norte-americano (ainda por cima de Kentucky) que ganhou a concessão para a construção e exploração da linha férrea entre Lourenço Marques e Ressano Garcia, é um mistério, quer pelo que se sabe dele, quer pelo que não se sabe. Não é o meu objectivo aqui falar nisso, apenas aludir.
Por exemplo, como ele ganhou a concessão, que fez de um delapidado presídio numa baía cobiçada num buraco infecto no meio de lado nenhum a capital de Moçambique. Do pouco que li, apenas é dito que ele foi a Lisboa em 1883 e…zás, concessão atribuída. Assim, sem mais nem menos, para a que era considerada a linha férrea mais cobiçada do Planeta Terra.
Depois fez uma sequência de canganhiças seguidas mais ou menos bem documentadas para sacar dinheiro dos seus investidores em Londres e tirar a concessão do controlo português (desprezível e irrelevante mas uma condição prévia). Só mesmo quando já estava com as costas contra a parede é que lá contratou um inglês que fez a linha, aparentemente à pressa e mal pois logo nas primeiras chuvadas a linha ficou intransitável.
Mais grave, “enganou-se” – ou foi enganado, o debate perpetuou-se – e quando completou o trabalho foi informado que “afenal” ali no KM 81.97 não era a fronteira com o Transvaal, a fronteira era em Ressano Garcia, a oito quilómetros de distância, no KM 89.97 . O contrato dizia que a linha tinha que acabar na fronteira, ele tinha um prazo a cumprir e estava-se em plena estação das chuvas, Mucmurdo não tinha material localmente para estender a linha nem para as pontes etc, que tinha que vir de fora. Os portugueses, que tinham adiado a conclusão do projecto “n” vezes, desta vez não extenderam o prazo e, não estando o contrato de concessão cumprido na data-limite (para aí em 30 de Junho de 1889) confiscaram tudo. Mucmurdo entretanto tem um ataque de coração e morre. Os ingleses mandam-se ao ar com o confisco e rosnam. Eu estou convicto de que o “Ultimato” de 1890 foi em parte resultante deste episódio que os britânicos devem ter achado um puro atrevimento por parte dos políticos portugueses, motivando uma breve interrupção na tal aliança com 600 anos.
Mas voltando ao Macmurdo (ainda não se conhece uma foto da criatura e não é por falta de se procurar), havia algo ainda mais curioso que ele fez, mostrando uma dose de iniciativa e lata verdadeiramente impressionantes. Deve ser porque em tempos Macmurdo esteve envolvido com jornais em Londres e até esteve metido num escândalo que foi mais ou menos abafado na altura. Mas pouco depois de ganhar a Concessão ferroviária de Lourenço Marques, ele, de que não se conhecem grandes antecedentes omo escritor, historiador e muito menos académico…. escreveu e publicou (1888) um espesso livro sobre a História de Portugal que mais tarde se tornou “na” referência no mundo anglófono sobre Portugal. Quem na altura só falasse inglês e basicamente queria conhecer a história de Portugal tinha que ler o livro dele. Na altura em que me apercebi disto tive que ir confirmar pois eu não conseguia reconciliar a pessoa que andou nos esquemas da Concessão com a iniciativa de publicar um livro de história. Mas era mesmo ele. Ainda hoje existem inúmeras cópias do livro dele nas bibliotecas em todo o mundo.
Presumo que o livro fizesse parte da campanha de charme dele relacionada com as maroscas que ele fazia com os assuntos da Concessão.
Outra acção de charme foi a que se vê em baixo.
Em 1887, Portugal era uma monarquia constitucional e o rei era Sua Majestade D. Luiz I. Casado com a italiana Maria Pia e cujo herdeiro era D: Carlos, o Príncipe Real que pouco antes casou com a lindíssima e brasonadíssima Amélie de Orléàns, uma francesa. Luiz vivia no meio inacabado palácio na Ajuda e Carlos vivia com a sua Amélie num palacetezinho perto das ruinas então recentemente reconstruídos do Mosteiro dos Jerónimos, em Belém. Que hoje é o palácio presidencial onde Marcelo Rebelo de Sousa reside oficial e temporariamente.
Foi nesse mesmo pequeno palacete que, às 9 horas da noite de 21 de março de 1887 nasceu o seu primogénito, a quem imediatamente foi dado o título de Príncipe da Beira. Os seus padrinhos foram o seu avô paterno, o Rei D. Luís I e a sua avó materna, a Condessa de Paris. O seu baptizado foi a 14 de abril de 1887 na Capela do Palácio de Belém pelo Cardeal Patriarca de Lisboa, D. José Sebastião Neto. E foi entregue à responsabilidade da ama Carlota de Campos e da Dama D.Isabel Saldanha de Gama da Casa da Ponte.
O seu nome completo era Luís Filipe Maria Carlos Amélio Fernando Victor Manuel António Lourenço Miguel Rafael Gabriel Gonzaga Xavier Francisco de Assis Bento.
A dez mil quilómentros de distância em Lourenço Marques, os homens de Macmurdo prosseguiam com a tourada de fazer a linha de caminho de ferro para o Transvaal. Mas, em mais uma dose de charme, um dia pararam tudo, pegaram numa locomotiva a que, numa cerimónia solene, deram o nome do futuro herdeiro da coroa (viria a sê-lo dois anos mais tarde, no dia 19 de Outubro de 1889, quando o seu Avô o Rei D Luiz faleceu na Cidadela de Cascais e o seu Pai tornou-se rei).
Que foi publicada, em mais uma acção de charme, num lindo album de fotografias que mandou imprimir.
A aeronave em baixo é um Lockeed Lodestar da DETA (que depois mudaram o nome para LAM). O magistral sítio Voando em Moçambique contém quase tudo o que se pode querer ver e saber sobre pilotos e aviões de Moçambique mas … eis o mistério:
na imagem que aqui se vê, vê-se um Lockheed com a matrícula que se pode ler – CR-AD;
e o nome da aeronave à frente é “Zambeze”;
mas o único CR-AD” do nosso blogue aeronáutico é o Lockheed 18-08 Lodestar CR-ADJ, que se chamava “Save”;
e o único “Zambeze” que vi nesta classe é o CR-AAV, um Lockheed 14-H2 Super Electra 1508.
Enviei esta imagem à Sra Luísa Hingá, Chairwoman do Comité de Análise e Verificações do Voando em Moçambique, para verem o que se passa. O Exmo. Sr. Comandante José Vilhena, que sabe tudo, explicou:
“Exisitram dois aviões baptizados Zambeze na frota da DETA, o CS-AAX Lockheed 14-H2 Super Electra, que foi destruído em Inhambane em 14 de Novembro de 1941 (Piloto Borges Delgado) e o CR-ADJ Lockheed 18-08 Lodestar, adquirido em 1951. O “Save” era o CR-AEP, Lockheed 18-08 Lodestar que foi vendido para o Katanga em 1962.”
Leonor Maia, pseudónimo de Maria da Conceição de Vasconcelos (Lourenço Marques, 8 de Dezembro de 1921 — Estoril, Portugal, 3 de Abril de 2010) foi uma atriz do cinema Português na década de 1940, mais lembrada pelo seu papel em O Pai Tirano, onde interpretou Tatão. Retirou-se do cinema em 1953. Maria da Conceição de Vasconcelos, nasceu em 1921 em Lourenço Marques. Em 1940, o realizador português António Lopes Ribeiro durante as filmagens do filme Feitiço do Império, realizado em África, conheceu esta jovem, ficando impressionado com a sua beleza e simpatia (ah ah) . Pensou imediatamente em dar-lhe o papel de Fay Gordon, que acabou por ser desempenhado por Madalena Sotto. Em seguida convidou-a a ir para a Metrópole para tentar a sorte no mundo do cinema. Maria da Conceição aceita o convite e viaja até Lisboa para prestar provas para o filme O Pai Tirano, o que agrada imediatamente. Adopta então o nome artístico de Leonor Maia, mas o nome com que ficará para sempre conhecida será o nome de Tatão, papel que interpretaria em O Pai Tirano. Protagonizou inúmeros filmes da década de quarenta, obtendo rasgados elogios da crítica e do público, sendo o seu nome num cartaz sinónimo de sucesso de bilheteira. Em 1948, ganhou o prémio do SNI para a melhor actriz pelo seu papel no filme Serra Brava. Em 1953 entra num filme americano que iria ser filmado em Lisboa, Kill or Be Killed, realizado por Max Nosseck. No mesmo ano retira-se da vida artística e casa com o coronel da força aérea americana James B. Pritchard, de quem teve dois filhos, Michael e Paul. Viveu na Holanda, em Paris e Londres, voltando a Portugal em 1971, passando a residir no Estoril, onde faleceu aos 88 anos, em 2010.
O seu nome faz parte das toponímias de Almada (Freguesia da Charneca de Caparica) e Sintra (Freguesia de Rio de Mouro).
A primeira imagem, retocada e colorida, é da colecção de Alfredo Pereira de Lima. A segunda imagem foi copiada da Wikipédia.
Segundo Alfredo Pereira de Lima, confirmado por mim independentemente, John Weston fez um vôo de exibição em Lourenço Marques em 1911, como parte de uma série de vôos de demonstração em Johannesburgo, Bloemfontein, Cidade do Cabo, Kenilworth, East London, King Williams Town e Queenstown.
O que penso (sujeito a confirmação pela Senhora Comandanta Luisa Hingá) que significa que foi a primeira pessoa a operar um meio aéreo em solo moçambicano.
A biografia de John Weston, um sul-africano que viveu entre 1873 e 1950, é quase estonteante mas vale a pena ler. A Wikipédia tem um esboço na língua da Rainha Elizabeth II e que pode ser lida aqui.
Eu vi este filme no Cinema Dicca em Lourenço Marques, pouco depois da sua pomposa estreia no dia 27 de Julho de 1971. Tinha 11 anos portanto e só fui porque aquilo foi-me vendido como uma comédia tipo filme do Cantinflas, mas feito localmente. Claro que fui mais do que enganado. Apesar da tenra idade, eu não era exactamente mentecapto e se bem que não estava dentro das tricas todas da guerra lá no Norte de Moçambique – que nem sequer era bem descrita como tal lá em casa e à minha volta (era mais uns turras que inexplicavelmente andavam a chatear não sabia bem porquê) – até um mentecapto encartado perceberia logo a peça de pseudo propaganda barata que aquilo era, uma espécie de acção psico-social em versão cinematográfica para enganar patego, disfarçada de comédia. Não sei quem é que em Lourenço Marques não percebeu a chachada que aquilo era. E que nem sequer achei assim tão engraçada como isso, os meus padrões então já elevados estratosfericamente por filmes como Trinitá, Cantinflas. Franco Franci e Tchitchio Engracia, Charlot, a Pantera Cor de Rosa, Pamplinas, etc etc etc. Para não falar de 2001 Uma Odisseia no Espaço.
Só menciono isto porque outro dia – aí sim – ri-me discreta mas vigorosamente, a ler um longo e insípido texto académico de um idiota qualquer que é professor doutorado e pesquisador de assuntos de história africana duma universidade qualquer pouco sonante, um desses que nunca conheceu nem sequer suspeita o que foi era colonial mas que por ser daquela esquerda politicamente correcta, de ter tirado uns cursozitos e lido uns livritos e depois ter ido passar três meses a Maputo, e engolido a versão “libertadora” dos factos, acha que sabe mais do que nós todos juntos. No seu paper, ele disseca e analisa detalhadamente o filme, no contexto do colonialismo português, da guerra, da opressão, da libertação e do raio que o parta. A análise pareceu-me tão senão mais ridícula, mas certamente bem mais divertida, que as cenas do Zé do Burro e o Cacilhas, a tentar vender a “missão civilizadora” e a converter um “turra” num parolo português.
Imagens retocadas e coloridas, muito gentilmente cedidas por Emmanuel Petrakakis, filho de Gerassimus (ou Gerry) Petrakakis, membro da pequena e influente comunidade de origem grega que vivia em Lourenço Marques e que me informou estar a preparar para publicar um livro ilustrado sobre o Restaurante da Costa do Sol e a Família Petrakakis e que deverá chamar-se “Memórias de um Restaurante”.
Tantas vacinas e comprimidos que eu apanhei enquanto vivi em Moçambique, faria o que apanhei na Pandemia um piquenique. De notar que em 1973 Moçambique já não era uma província, era um “estado”.
Imagem de Maria Helena, do excelente blogue Mozíndico, retocada.
Escreveu a Maria Helena sobre a Escola Comercial:
“Eram sempre turmas grandes, entre 35 a 40 alunas cada turma. e nunca ninguém reclamava, as turmas eram designadas pelo alfabeto e durante os três anos que lá andei fiquei sempre na turma I. A meio da manhã num dos intervalos das aulas ou íamos ao bar da escola comer uma arrufada ou rissol de camarão com coca-cola, ou pedíamos autorização ao Sr. Fontes (que era o encarregado) para irmos à Pastelaria Cristal, saíamos por um portão ao lado da porta principal da Escola e era só atravessar a Avenida 24 de Julho e regressávamos pelo mesmo portão. Havia outro portão bastante mais largo mais ou menos frente ao Museu Álvaro de Castro, que não permitia a entrada ou saída de pessoas, era para outros fins, bombeiros ou emergência médica. E vivíamos todos felizes.”
A Pastelaria Princesa era uma das pastelarias/restaurantes de referência de Lourenço Marques e existiu na esquina da Avenida 24 de Julho e a Rua Princesa Patrícia.
Imagem retocada e colorida copiada da página do Liceu no Feicebuke.
Apesar de viver apenas a um quarteirão do Liceu Salazar, a seguir à Rebelo da Silva e à General Machado, por as escolas estarem a abarrotar de estudantes, fui parar ao Liceu António Ennes no ano 1973-4, turno da tarde, e onde fiz apenas o primeiro ano do liceu (na altura, o 3º ano). Foi uma verdadeira aventura ir a correr para lá todos os dias – para mim o Alto-Maé parecia ficar literalmente no outro lado do mundo, onde só ia ao Cinema Infante na Pinheiro Chagas e mesmo assim – e depois ir a correr para a piscina do Desportivo na Baixa para os meus treinos de natação sob a tutela espartana do Sr. Eurico Perdigão.
Ter estado lá foi uma experiência assaz estranha. Pela primeira vez tive aulas numa turma mista, onde um dia vi a chefe de turma disparar subitamente para fora da sala, pingos de sangue a cair no chão, por causa do período, o que foi uma novidade que me foi explicada em detalhe clínico pelos meus colegas mais experientes. Tive o Professor João Boaventura na ginástica, onde, generoso, ele me dispensava dos exercícios físicos mas obrigava-me a ficar o tempo da aula a … jogar xadrez com ele. A Professora de inglês (foi o primeiro ano que tive aulas de inglês) estava a arrebentar de grávida e quando finalmente teve o bebé, a turma comprou rosas e fomos todos vê-la ao Dispensário de Santa Filomena num sábado de manhã. A Professora de português deu-me a única falta disciplinar que tive na vida, por, um dia, ao ela ter comentado, algo extemporaneamente, durante uma aula, que basicamente nós “em África” éramos todos uma cambada de incivilizados indisciplinados, eu ter dito à sôtôra que, se ela não gostava de estar em Moçambique, que sempre havia vôos diários da TAP para Lisboa. Fui logo para a rua com a tal de falta disciplinar. Pai Melo quando soube da história riu, perdoou e disse que fiz muito bem. A falta foi para a gaveta pois não queriam discutir com ele o que ela tinha dito e eu recusei-me a pedir desculpa à madame. Mais importante, ia chumbando a matemática (a única vez que tal me aconteceu na vida, por mero bloqueio mental, pois eu sempre fora craque a matemática e aritmética) e culpava a professora, que suspeitava que, para além de não explicar porra nenhuma durante as aulas e de ser feia com buço e de fumar nas aulas, fosse lésbica e odiava homens em geral e a mim em particular. Enfim, era a minha impressão. Mas – ao menos isso – fui salvo pelo golpe militar do 25 de Abril e toda aquela confusão que se seguiu. Assim, enquanto que Moçambique lá teve a sua independênciazita a martelo, eu alegremente passei de ano “administrativamente”, cortado a matemática. No ano seguinte, já em Coimbra, recuperei rapidamente e fui dos melhores do Liceu Infanta Dona Maria na mesma matéria.
E esta é a parte mencionável da minha experiência do Liceu António Ennes em Lourenço Marques em 1973.
Ia-me esquecendo de referir que logo a seguir ao Liceu, na parte de baixo, havia uma pastelaria numa esquina que vendia as melhores e mais frescas arrufadas do Planeta Terra. Custavam uma quinhenta cada uma.