THE DELAGOA BAY WORLD

16/07/2020

O MAESTRO BELO MARQUES EM LOURENÇO MARQUES, 1938-1941

Imagem retocada.

Belo Marques, num postal do Rádio Clube de Moçambique.

 

A Wikipédia dá um relato detalhado do percurso desta figura que passou brevemente pelo Rádio Clube de Moçambique (e por Moçambique) mas que deixou uma impressão.

(texto ligeiramente editado por mim):

José Ramos Belo Costa Marques du Boutac (Leiria, 25 de Janeiro de 1898 — Sobral de Monte Agraço, 27 de Março de 1987) foi um violoncelista, compositor e orquestrador português.

Com nove anos de idade, iniciou em Leiria os seus estudos musicais, com o Professor Joaquim Silva, aprendendo a lidação de vários instrumentos, e participando em vários agrupamentos musicais, prosseguindo-os depois em Lisboa. Na altura era considerado um “menino prodígio” por dominar já vários instrumentos aos treze anos, após apenas quatro anos de estudo, dado a que não teve uma formação musical convencional.

Em 1914, com 16 anos de idade, foi contratado para tocar no Casino Mondego, na Figueira da Foz, onde conheceu o violoncelista João Passos, que virá a ser o seu mentor na escolha desse instrumento.

Tornou-se músico profissional em 1918, actuando em paquetes que ligavam a Europa e a América do Sul, percorrendo vários países da Europa e da América, entretanto aprofundando os seus conhecimentos musicais.

Em 1924, regressou a Portugal para cumprir o serviço militar. Em 1926, foi para Santarém, onde fundou e dirigiu o Orfeão Scalabitano. Em 1929, viajou até aos Açores e a Madeira, dirigindo em Funchal uma orquestra privativa de 35 elementos, à qual imprimiu um estilo de grande qualidade, e que durou até ao final da sua carreira.

Regressou a Lisboa para fazer parte da Orquestra Sinfónica Portuguesa do Teatro de São Carlos, dirigida por Pedro Blanch, e da Orquestra Sinfónica de Lisboa, dirigida por David de Sousa e, entre 1932 e 1935, começou a trabalhar regularmente no Casino do Estoril. Em 1935, ingressou nos quadros da Emissora Nacional, onde permaneceu três anos como primeiro violoncelista da Orquestra Sinfónica da Emissora Nacional, então dirigida por Pedro de Freitas Branco.

Durante a sua estadia na Emissora Nacional, Belo Marques orientou o quarteto vocal de Motta Pereira, Paulo Amorim, Guilherme Kjolner e Fernando Pereira, fundando também a Orquestra de Salão, e remodelando a Orquestra Típica Portuguesa, à altura dirigida por Raúl de Campos.

Moçambique, 1938-1941

Em 1938, saiu da Emissora Nacional e viajou até Lourenço Marques para desempenhar o cargo de Director do Rádio Clube de Moçambique, onde fundou o seu Coro Feminino e as suas Orquestras Típica e de Salão.

Durante a sua relativamente curta mas frutífera estada em Moçambique, estudou o folclore indígena, fez uma recolha etno-musicológica das regiões de Tonga, Machangane, Zavala e Inharrime, do qual resultou o livro Música Negra. Estudos do Folclore Tonga, editado pela Agência Geral das Colónias, em 1943.

Em 1940, compôs a “Marcha Triunfal a Mousinho”, nas festas dedicadas a Mouzinho de Albuquerque, no Teatro Gil Vicente, em Lourenço Marques (actual Maputo), um evento que viria a reunir os vários orfeões participantes – o orfeão do Instituto Portugal, Escola Chinesa, Escola de Artes e Ofícios da Moamba e o grupo coral Indo-Português, compondo em simultâneo a “Marcha à Mocidade Portuguesa de Inhambane”.

Em 1941, compôs o poema sinfónico “Bartolomeu Dias” e a fantasia “Masseça”, fantasia composta “sobre motivos indígenas”, tendo como base a canção que é cantada em tôda a região de Masseça com a mesma popularidade do «Vira» em Portugal. Ambas as peças foram incluídas na sua “Fantasia Negra”, fantasia em seis andamentos para coro e orquestra, onde o próprio conseguiu, com muita dificuldade, executar a técnica da Escala Nicrocromática do Quarto de Tom, recolhido pelo próprio em Moçambique, durante as suas investigações em Zavala, e aprovado por um Congresso Internacional em Viena.

Fantasia Negra viria a estrear em 19 de Outubro de 1944, no Teatro de São Carlos em Lisboa, com a Orquestra Sinfónica da Emissora Nacional, dirigida por si.

Em Portugal, Outra Vez

Regressou à Emissora Nacional, em 1941, em plena II Guerra Mundial, onde se dedicou totalmente à canção popular e ligeira, sómente por motivos economico-financeiros, regressando à Orquestra Sinfónica da Emissora Nacional como violoncelista e regente de ensaios, sendo responsável pela criação de quatro orquestras novas na estação pública: a Orquestra Ligeira, dirigida por Fernando de Carvalho e Tavares Belo, a Orquestra de Variedades, dirigida por António Melo e Fernando de Carvalho, a Orquestra Típica Portuguesa, refundada sob a sua direcção, e a Orquestra de Salão, em parceria com René Bohet, entre 1942 e 1945, e depois como titular entre 1948 e 1954.

Na Emissora Nacional, criou o Centro de Preparação de Artistas, que contribuiu para o lançamento de novas estrelas da rádio como os cançonetistas Francisco José, Júlia Barroso, Tony de Matos, Simone de Oliveira, Madalena Iglésias e Maria de Fátima Bravo, entre outros.

No Festival da Canção Latina, representou Portugal com Maria de Lourdes Resende e Guilherme Kjolner, sendo-lhes concedidos os dois primeiros prémios.

Dirigiu durante as décadas de 40 e 50, em simultâneo, a Orquestra Típica Portuguesa, até à sua extinção em 1954, a Orquestra de Salão da Emissora Nacional e o Coro Feminino da Emissora Nacional.

Com a extinção das mesmas, Belo Marques reformula a sua orquestra privativa de estúdio, e com os elementos da Orquestra Típica Portuguesa, fundou a sua própria orquestra típica, e ambas ficariam em constante actividade, gravando muitos discos até 1960.

Em 1956, viria a ser um dos ajudantes na fundação da Orquestra Típica e Coral de Alcobaça, que teria uma projecção e popularidade surpreendentes na década de 60 do Séc. XX, quando foi dirigida por Alves Coelho Filho.

Em 1958, foi demitido da Emissora Nacional, em virtude de se ter atrevido a votar no General Humberto Delgado (candidato da Oposição, que concorreu contra Américo Tomás, o candidato de Salazar e da União Nacional) e retirou-se na década de 1960, com o relançamento das gravações oficiais do “Fandango da Suite Alentejana” de Luís de Freitas Branco, e da “Rapsódia Alentejana” de Sousa Morais.

A seguir ao golpe militar de 25 de Abril de 1974, Belo Marques foi nomeado Consultor de Programas Musicais da Emissora Nacional, cargo que desempenhou até 1981, quando, já com 83 anos de idade, foi reformado. Nesse mesmo ano, Belo Marques foi homenageado por Raúl Solnado, Carlos Cruz e Fialho Gouveia no primeiro programa da série E o Resto São Cantigas, sendo ainda nomeado como director dos programas da então nova televisão de Moçambique.

Faleceu em 1987, na sua casa em Sobral do Monte Agraço, perto de Lisboa, onde hoje existe uma rua com o seu nome.

 

Uma genial recolha de Miguel Catarino,  que escreveu o seguite:  “esta gravação de “Mulowa” data de 1974, foi efectuada no Estúdio do Rádio Clube de Moçambique, em Lourenço Marques, num programa de Música Popular pelo Coro Feminino e Orquestra Típica da estação radiofónica moçambicana, sob a regência do maestro António Gavino, que se realizava habitualmente às 6ªs feiras. Aqui, escutamos uma interpretação impressionante de um tema popular do Folclore Tonga oriundo da Vila de João Belo (aka Xai-Xai), Chibuto, Zavala, Manjacaze e Inharrime, recolhido pelo maestro Belo Marques e que se tornou célebre nos anos 60 graças ao Duo Ouro Negro.
Eis as considerações que Belo Marques teceu a respeito do povo de Zavala: «O preto de Zavala não aprendeu música, apreendeu-a! A música do preto de Zavala veio-lhe das suas árvores, do seu solo, dos seus rios, das suas fontes, e ele, sem mais trabalho que interpretá-la, nasceu a cantar. Por isso a alma desta gente é boa, canta e canta sempre! (…) Na música negra, há uma grande beleza e muito que observar, porque tôda ela tem um princípio e uma base natural. Há em tôda a música um mando único; uma forma única que êles sentem mas não podem explicar por palavras. A música negra é como uma bela pintura sôbre a tela da natureza!».
Nessas investigações, realizadas em Zavala e Inharrine, Belo Marques encontrou um povo muito musical, e que é o único povo no mundo que concebeu o “quarto de tom”. E o maestro, por coisas que eles cantaram, conseguiu inventar um sistema de composição musical definitivo para o Compasso Quaternário, dado a que ainda não se tinha assentado nenhum sistema para a Escala Micro-Cromática. A introdução do novo sistema concretizou-se em 1939, ano em que foi concebida a “Fantasia Negra em Seis Andamentos”, fantasia vocal sinfónica para Solista Feminina, Coro e Orquestra Sinfónicos do maestro Belo Marques, parcialmente estreado em 31 de Julho de 1942, pela Orquestra Sinfónica Nacional, dirigida por Pedro de Freitas Branco, com a execução da “Valsa das Febres” e a “Dança Guerreira do Gugunhana”, e totalmente estreada em 29 de Outubro de 1944, no Teatro Nacional de São Carlos, num concerto patrocinado pelo Secretariado Nacional da Informação e pela Agência Geral das Colónias, e em que foram solistas Raquel Bastos (soprano) e Paulo Manso (violino), acompanhados pela Orquestra Sinfónica Nacional e pelo Orfeão Scalabitano, dirigidos pelo compositor. No entanto, e ainda hoje, a obra não foi muito bem acolhida, tanto pela resistência dos músicos a respeito da Escala Micro-Cromática, como por causa dos peritos considerarem esta obra como demonstrativa da incapacidade do Belo Marques em se afastar de uma concepção ocidentalizada da música. Em contrapartida e em contraponto, a Escala inventada por Belo Marques foi aprovada por unanimidade num Congresso da Filarmónica de Viena, e desde essa altura que existem instrumentos adoptados para executarem o “quarto de tom”, principalmente as harpas. Esta foi uma das músicas que Belo Marques recolheu do Folclore Tonga, e que instrumentou para o Coro Feminino e Orquestra Típica Portuguesa da Emissora Nacional. ”

 

Dados adicionais:

https://digitarq.adlra.arquivos.pt/details?id=1081123

http://rpm-ns.pt/index.php/rpm/article/download/125/128

http://ric.slhi.pt/Seara_Nova/visualizador/?id=09913.037.011&pag=16  (Fernando Lopes Graça “destrói” A Fantasia Negra, sem o dizer – para variar)

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