THE DELAGOA BAY WORLD

27/11/2023

O MISTÉRIO DO BUSTO DE JOÃO DE SOUSA LOBO, MÉDICO OFTALMOLOGISTA EM LOURENÇO MARQUES

Quem me chamou a atenção para este assunto foi o Rui Nogueira, filho do Dr. Rui Nogueira de Lourenço Marques, que era primo de João de Sousa Lobo e que hoje vive em esplêndido exílio na Ilha da Madeira.

Busto com a figura do Dr. Sousa Lobo. Mais sobre ele em baixo.

João Baptista de Sousa Lobo foi um conhecido médico oftalmologista (doenças dos olhos) em Lourenço Marques. Originário da Cidade do Porto, em 1937 já era conhecido pelo seu trabalho em Moçambique e trabalhou uns 13 anos no Hospital Central Miguel Bombarda como Director da sua área de Oftalmologia, até se reformar em 1970 e, para além da sua prática, foi uma espécie de activista no combate à cegueira curável em Moçambique, no que parece que chateou toda a gente d’aquém e além mar para ajudar, desde obter subsídios da Fundação Calouste Gulbenkian até exortar as entidades do então governo metropolitano para se mexerem. À população africana no mato e nas cidades, atendia gratuitamente, enviava brigadas pela província toda a identificar pessoas com problemas de visão, para os tratar.

Isso em parte granjeou-lhe o respeito e admiração de todos, especialmente por parte dos seus pacientes, muitos dos quais puderam ver bem outra vez ou pela primeira vez, graças ao seu trabalho, activismo e voluntarismo.

Num livrinho chamado Oftalmologistas portugueses no Mundo, da autoria de Fernando Henrique de Sousa Bivar Weinholtz, lê-se o seguinte, relacionado com o Dr. Sousa Lobo:

Claro que tudo isto contraria a habitual narrativa pós-1974 lá em Moçambique de que tudo e a única coisa que os portugueses fizeram em Moçambique foi andar à paulada aos nativos durante 500 anos seguidos.

Veja-se uma interpelação feita por Fernando Frade, Deputado da Nação, em 24 de Fevereiro de 1964 na Assembleia Nacional em Lisboa, em que Sousa Lobo é mencionado:

Adicionalmente, se o Exmo. Leitor premir AQUI, poderá escutar, para além de uma introdução com uma deliciosa peça de propaganda do governo de Marcelo Caetano de então (que recorda assustadoramente a actual propaganda do PS do António Costa, tirando aquela menção inicial da missão civilizadora e de paz portuguesa em África etc e tal), uma entrevista que o jornalista Carlos Proença da Emissora Nacional fez ao Dr. Sousa Lobo no dia 29 de Junho de 1972.

Não sei muito mais sobre ele, nem tenho sequer uma foto, se bem que o Rui me diz que ele deixou descendência (filhos? uma neta em Roma? não sei), talvez um dia um deles me dê mais dados.

Parece que com a Debandada de 74 ele foi recambiado para o Porto, onde deve ter falecido.

O mistério é este: toda a gente sabe que assim que puderam e chegaram a Lourenço Marques para a entrega daquilo aos novos donos, e até hoje, os Frelimos têm andado extremamente ocupados a apear estátuas, mudar nomes às ruas, recontar as histórias, deitar coisas fora, etc. Tipo a limpar o pó do colonialismo das narinas. O que por mim é para o lado que durmo melhor e no fundo é o que os senhores dantes faziam mas no sentido contrário. Andam nisto há cinquenta anos,

E não muda quase nada, a não ser a percepção (não ter que ver a cara do Salazar quando se vai para a escola todos os dias, por exemplo) e criar a ilusão de que as coisas agora é que estão bem (nunca estão).

Mas até agora só conhecia, como excepção à regra da depuração freudiana freliminana, o monumento em frente à estação dos caminhos de ferro da Cidade, aquele da senhora entroncada com cara de má e com uma cobra ao lado, que, de qualquer maneira, foi, ainda assim, mutilada e já está mais ou menos nas últimas.

Pois descobri mais um, certamente mais discreto mas certamente colonial.

Numa ala interior da oftalmologia no antigo Hospital Central Miguel Bombarda, agora (mas claro) rebaptizado com o nome mais paleativo de Hospital Central de Maputo, mais ou menos no meio de um corredor, ainda hoje há um monumento – em honra do Dr. João Sousa Lobo. Sobre uma base que me parece ser coberta de mármore, pode-se ver um busto que o representa.

O objecto diz quase nada – o seu apelido e as datas “1957-1970”. Que presumo foi quando ele esteve lá.

O monumento em honra de Sousa Lobo na Oftalmologia do Hospital Central de Maputo, há uma semana. Foto tirada por um dos meus agentes em Moçambique.

Ora, presumo que não foi distracção ou esquecimento, pois que nestas coisas os tipos da Frelimo não brincam em serviço.

O que aparentemente corre na família Sousa Lobo é que o busto ficou na ala do hospital por ordem directa de não menos que Samora Moisés Machel, presidente da Frelimo e primeiro presidente de Moçambique, que antes de se juntar à Frelimo trabalhou ali durante uns tempos como ajudante de enfermeiro e que conheceria ou saberia do Dr. Sousa Lobo.

Samora Moisés Machel, aqui com 24 anos de idade, ajudante de enfermeiro, a trabalhar no posto médico da Ilha da Inhaca, 1957. Posteriormente, foi trabalhar para Lourenço Marques e de seguida juntou-se à Frelimo, preferindo ir para a secção da guerra em vez de se manter na saúde. O mesmo sucederia com Joaquim Chissano, sucessor de Machel na presidência em 1986, que entrara em medicina (em Lisboa partilhava um quarto com….o Alberto João Jardim da Madeira, donde se deduz de onde vem o discurso colonialista da Madeira, que de facto era mais ou menos uma colónia na altura) mas que não tirou o curso, juntando-se à Frelimo e seguindo outros caminhos.

Se é verdade, Samora deve ter pensado, correctamente, que este era um dos bons.

Eu penso que era.

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