THE DELAGOA BAY WORLD

02/12/2023

SEXO NA CIDADE EM LOURENÇO MARQUES

Imagens retocadas, duas da autoria do R Rangel.

Nada, mas nada, inspirou mais a imaginação e a ira revolucionária puritanista da elite da Frelimo em 1975 quando chegaram a Lourenço Marques que os bares, restaurantes, botequins e cabarets da Rua Araújo.

Ainda hoje, apesar de Moçambique ter recedido para as mais escuras trevas da degradação humana (benvindos ao clube), certamente entre elas a prostituição a céu aberto, ainda há hoje por lá quem aponte para a perseguição do negócios da Rua Araújo como uma conquista do que se pensava primeiro que iria ser a mera inauguração da independência nacional, mas que acabou por ser o começo de um longuíssimo e opressivo pesadelo marxista-leninista, partes do qual perduram.

No dia 25 de Junho de 2016, 41 anos ao dia após, na Machava, o primeiro-ministro comuna do Portugal do PREC, Vasco Gonçalves, ter piscado o olho cumplicemente a Samora no Estádio Salazar enquanto este mandava hastear a bandeira da Frente e solenemente avisava a maralha local que afinal a luta não acabara, nem por sombras, um tal Kandyane celebrou a efeméride com um texto, publicado no jornal Domingo de Maputo (o eterno Pravda dos regimes), onde postulou demoradamente não sobre as injustiças do racismo ou da opressão colonial, mas – ei-la -sobre a Rua Araújo: “funcionavam nesta cidade, algumas “casas ou clubes nocturnos”, quais, os mais famosos localizavam-se na baixa da cidade, concretamente na Rua Araújo, (hoje Rua de Bagamoyo). O “Topázio”, teria sido a maior de todas, de tal sorte que sobreviveu cerca de dez anos após a nossa Independência. A fama desses “Clubes”, provinha da peculiaridade dos espectáculos que lá se realizavam, por terem características das exibidas nos “bordéis”.

Mas depois no fim o K lamenta-se que as meninas de Maputo em 2016 agiam como putas. Enfim.

Bilhete de entrada no Topázio, um dos cabarets da Rua Araújo, 1974. Imagem feita a partir de uma imagem partiilhada pelo Luis Miguel Reis. Cem paus em 74 era maningue taco mesmo. Naquela altura um bilhete de cinema em LM quando muito custava cerca de 15 paus – sem desconto de estudante.

Talvez a alguma falta de perspectiva e a comprovada falta da noção dos negócios tenha escapado aos Libertadores, em entender que o mercado-alvo destes estabelecimentos não eram (a quase totalidade) dos residentes da Cidade, que eram maioritariamente daquela vertente portuga católica vulgar mas turistas estrangeiros, marinheiros (o porto mesmo ao lado nos anos 60 e 70 era um corropio constante) e jovens militares lá da guerra no Norte de passagem para Lisboa ou para Nampula. Aquilo só atiçava aos fins de semana e mesmo assim passar lá era um passeio quase inocente, tirando os berrantes e movimentados anúncios em néon que iluminavam a noite.

Afinal, Lourenço Marques era uma cidade cosmopolita e um dos principais centros turísticos, ferroviários e portuários da costa oriental de África. Ainda por cima mesmo ao pé da África do Sul, que para além do apartheid, era um dos regimes mais puritanos que se podia conceber. Onde (diziam-me os meus irmãos) ser-se apanhado com uma edição da revista Playboy dava cadeia. Uma das razões do sucesso da LM Radio era que passava música pop e rock 24/24 horas, algo que na África do Sul era proibido nos anos 60, pois os boers achavam que essa música era degenerada, especialmente aos domingos, onde, lá, não se podia vender bebidas alcoólicas (ah ah).

Em Lourenço Marques nos anos 60 e 70 havia dois tipos de “passeios dos tristes”. Um era ir de carro na estrada Marginal aos fins de semana até ao Clube Marítimo ou, para os mais aventurados, até à Costa do Sol. O outro era aos sábados à noite, depois do jantar (os meus pais levavam-nos de vez em quando comer chinês no Restaurante Hong Kong na Baixa) dar-se um longo passeio a pé e ver as montras das lojas. Nós lá em casa chamávamos a isso “ir ver as montras”. E às vezes o circuito incluía percorrer a Rua Araújo desde a entrada (ou saída) na Praça Mac-Mahon até ao Hotel Central, quando virávamos para a Consiglieri Pedroso.

E do que me recordo é de ver os anúncios a néon, das fotografias das meninas meio descascadas na entrada dos botequins, da música aos berros a sair dos bares e de algumas pessoas a andarem por ali. Nada demais.

Rua Araújo à noite,. Foto do Rangel. Topázio à esquerda.

De dia, a Rua Araújo transvertia-se numa vulgaríssima rua do comércio local, com inúmeros escritórios e lojas.

A Rua Araújo durante o dia. Ao fundo, a Praça 7 de Março (agora 25 de Junho).

Mas até hoje ficou fixada nalgumas mentes de Moçambique esta noção “colonial-sexualizada”, especialmente o quase fétiche do branco dominante a explorar sexualmente a mulher negra como parte do esquema colonial, devida e surrealmente explorada pelo Ricardo Rangel (um fotógrafo local) quando ele escolheu, antes de morrer, publicar um livro de fotos sobre o assunto, que ele tinha tirado nos anos 60-70, ilustrando a “depravação” prontamente erradicada pela Frelimo em 75 (nunca ninguém percebeu a suprema ironia de que ele tirou as fotos não por “indignação revolucionária” mas porque ele, que era amigo do meu pai, era um frequentador frequente daquelas paragens).

Penso que a verdade era muitíssimo mais banal: por com algumas excepções, o apartheid económico e social na Cidade essencialmente extendia-se ao sexo. Não que eu tenha algum preconceito em relação ao assunto. Mas creio que era assim. No entanto, a mania perdura em alguns. Numa que foi efectivamente uma entrevista de emprego que tive em Maputo em 2014, com um alto quadro da Nomenclatura local, às tantas ele perguntou-me – literalmente – se eu alguma vez tinha ido para a cama com uma mulher negra (para o Exmo Leitor saber a resposta, terá que ler este blog por mais dez anos).

Mais uma foto do Topázio e do nosso Rangel. Aquilo na parede são montras com fotos das “estrelas” semi-nuas que ali faziam exibições. É para as ver que onde os marinheiros se dirigem.

29/07/2022

A BRIGADA DO CAFÉ SCALA EM LOURENÇO MARQUES, ANOS 60

Imagem retocada e colorida.

Sentados numa mesa do Café Scala na Baixa de Lourenço Marques, anos 60. Da esquerda: Ricardo Rangel, Malangatana Valente Ngweya, Teodomiro Leite de Vasconcelos e Rui Nogar. Eram curiosamente populares na Cidade e, ao mesmo tempo, uma espécie de “brigada de resistência” contra o regime vigente. Ver mais um pouco em baixo.

Ricardo Achilles Rangel

Fotógrafo. Mulato filho de um grego e de uma senhora mista, o que justifica a credencial, exaustivamente repetida, de ter sido o primeiro fotógrafo não branco a ser contratado pelos racistas inveterados do Notícias – perdão, do BNU. Nasceu em LM em 15 de Fevereiro de 1924 e cresceu no eixo Alto Maé-Malhangalene-Mafalala. Trabalhou nos jornais da Cidade e na Beira e no final dos anos 60 co-fundou a revista Tempo, publicação mais ou menos rebelde mas que, após a independência, se tornou. com o Notícias (agora do Banco de Moçambique), uma publicação oficiosa do regime, com verdadeiras aulas de marxismo-leninismo e cantando as miríades virtudes do comunismo. Com o Kok Nam, eram os decanos da fotografia pós-1975, se bem que eu continuo convicto de que, sem desfazer neles que eram bons rapazes, o Carlos Alberto Vieira era de longe o melhor de todos. Mas o Carlos Alberto era branco, estava conotado com a Outra Senhora e isso pelos vistos é sempre uma chatice. Fundou uma escola de fotografia e assistiu ao horror da morte da fotografia química e a mudança para a fotografia digital. Morreu em Maputo em 11 de Junho de 2009. Com a Béatrice, foi meu vizinho em Maputo durante quase seis anos. Era amigo do meu Pai, o que valia o que valia.

Malangatana

De longe o pintor mais conhecido de Moçambique, antes e depois de 1975. Um senhor. Nascido na mais do que obscura Matalana em 6 de Junho de 1936, cedo foi padrinhado por elementos da clique intelectual-artística de LM, passou uns tempos no Núcleo de Arte na Rua dos Aviadores antes do tempo do Jorge e da Zéca Mealha (onde o conhecia) e desenvolveu aquele estilo inconfundível das pinturas com os miúdinhos esfomeados miseráveis chorosos que eu pensava que com a independência iria mudar mas não mudou. Nacionalista, deu o apoio que pôde ao novo regime freliminiano e ia-se lixando. Felizmente mais tarde deixaram-no em paz e ficou rico a vender os seus quadros em todo o mundo. Morreu em Matosinhos, ao pé do Porto, em 5 de Janeiro de 2011. Os portugueses deram-lhe honras de Estado colocando o seu corpo em câmara ardente no Mosteiro dos Jerónimos em Lisboa, onde, excepcionalmente, eu estava e fui. Depois foi de avião para Moçambique.

Leite de Vasconcelos

O Teodomiro nasceu na muito portuguesa Arcos de Valdevez em 4 de Agosto de 1944 mas com um ano de idade foi levado para Moçambique, que não só sempre considerou a sua terra como fez o formalismo da nacionalidade após 1975. Foi um jornalista e um escritor. Cresceu na Beira, onde trabalhou na Rádio do Aeroclube da Beira e estudou ciências sociais em LM. Mais tarde, chegou a director do Rádio Clube, mas em 1972 foi para a (então) Metrópole, trabalhar na Rádio Renascença. Na madrugada do dia 25 de abril de 1974, Leite de Vasconcelos era o locutor da emissão do programa Limite, quando a canção Grândola, Vila Morena do Zeca Afonso foi transmitida às 00:20 horas, sinal que marcou o início da Operação Militar Especial em Portugal, coordenada pelo “compatriota” Otelo Saraiva de Carvalho e que concluiria poucas horas depois com o derrube da ditadura. Vivia em Maputo e morreu em Joanesburgo em 29 de Janeiro de 1997. Em vida, publicou um livrinho de poemas.

Rui Nogar

Nom de Guerre de Francisco Rui Moniz Barreto, o Rui era Coca-Cola vintage, nascido em LM em 2 de Fevereiro de 1932 (metade dos textos na internet, que emprenham pelos ouvidos, asseguram que foi em 1935) de pais imigrados de Goa, e onde cresceu, tendo trabalhado em firmas de contabilidade e de publicidade locais. Era um intelectual e membro encartado da brigada da resistência que conspirava no Scala. Tornou-se militante da Frelimo em 1964 e consequentemente foi logo preso pela PIDE e arreliado, que era mais ou menos o que a SNASP portuguesa fazia naquela altura aos simpatizantes dos Libertadores e que aliás lhe deu credenciais impecáveis para mais tarde. Tanto assim que após 1975 foi deputado da Assembleia Popular, Diretor do Museu da Revolução (no antigo 1º de Maio, que agora é propriedade privada da Frelimo), Diretor Nacional da Cultura e Secretário-Geral da Associação dos Escritores Moçambicanos. Publicou obra variada. e sobre isso ver nas fontes o elogio rasgado que o Nelson Saúte lhe fez. Morreu em Lisboa em 11 de Março de 1993 (metade da internet diz que foi em 1994).

Fontes

https://www.whoispopulartoday.com/Teodomiro-Leite-de-Vasconcelos/tt

https://pt.wikipedia.org/wiki/Teodomiro_Leite_de_Vasconcelos

https://pt.wikipedia.org/wiki/Malangatana

https://www.infopedia.pt/apoio/artigos/$rui-nogar

https://opais.co.mz/viva-rui-nogar/

https://pt.wikipedia.org/wiki/Ricardo_Rangel

06/07/2022

GARRAFAS DE LEITE PASTEURIZADO DA COOPERATIVA DOS CRIADORES DE GADO DE LOURENÇO MARQUES, ANOS 60

Imagem retocada.

A Cooperativa de Criadores de Gado foi criada em 1956 pela Sociedade Pecuária A. Neves e Cia. e pelos criadores de gado Marinho da Silva, Padre Vicente, Sousa Costa e Ismael Costa, todos na região a Sul do rio Save.

Os machambeiros a Sul do Save – entre os quais se incluía Manuel Alves Cardiga, que tinha uma extensa exploração para os lados de Goba e Changalane – eram um pequeno grupo altamente especializado, dinâmico, influente, com algum dinheiro e iniciativa, apoiados pelo Estado e os seus serviços e laboratórios de veterinária e agricultura, com o fim de aumentar a productividade e uma melhor adequação aos terrenos e ao clima.

Garrafas de litro da Cooperativa de Criadores de Gado. O leite pasteurizado (simples e chocoleite) era um dos produtos da Cooperativa, que, para além da criação e comercialização de gado carne de várias origens e processamento dos mesmos, tinha pelo menos uma fábrica de lacticíneos e salsicharia na Matola, vários talhos, dois “salões de chá” em Lourenço Marques (na Av. Alvares Cabral, agora Zedequias Manganhela, e na Av. António Ennes, agora Dr. Julius Nyerere). Para além do leite, produziam manteiga, natas, queijinhos, masse, iogurte, sorvete em cubas e ainda o lendário Quibom, um meu favorito. Na realidade há uma história por detrás esta fotografia: em 1971, a revista Tempo, menina rebelde da então censurada imprensa moçambicana, gerida por uma espécie de “brigada da resistência” que posteriormente se revelou pró-frelimista e que incluía o Kok Nam, o Ricardo Rangel, Areosa Pena, Augusto Cabral e outros, “descobriu” que o leite pasteurizado da Cooperativa na realidade não era pasteurizado, e literalmente dançou em cima dos seus responsáveis por causa disso. Como o assunto não era político, a censura achou muito bem e não fez nada. Elementos da Cooperativa aparentemente tentaram depois silenciar e comprar a revista para abafar o assunto, do que resultou uma escandaleira. Após a independência, a Tempo tornou-se, com o Notícias, numa espécie de pravdas da Frelimo. Penso que a Tempo já desapareceu mas o Notícias mantém-se alegremente alinhado com a nomenclatura local.

Fontes:
Livro de Ouro de Moçambique

Revista Tempo de 17 de Janeiro de 1971

06/08/2020

MULHER NA AVENIDA DA REPÚBLICA EM LOURENÇO MARQUES, ANOS 60

Imagem de Ricardo Rangel, retocada, agora parte de uma exposição em Maputo dedicada à mulher moçambicana.

 

Uma senhora, levando um bebé atrás, atravessa a Avenida da República em Lourenço Marques, levando consigo uma ovelha (acho eu), cedo de manhã, anos 60. Presumo que estivesse a caminho da Catembe. Atrás à direita, na esquina da Praça Vasco da Gama, onde se situa o Bazar, vê-se o Kiosk Olimpia, o último da Cidade, inacreditável e criminosamente demolido no final da década de 60 para ali implantar a sede do BCCI, que nunca foi inaugurada por causa da reviravolta com a independência (vinte anos mais tarde, viria a ser a sede do Banco Comercial de Moçambique e depois do Banco Internacional de Moçambique).

25/01/2020

A INAUGURAÇÃO DO CINEMA 700 NA MATOLA, ABRIL DE 1974

Por cortesia dos senhores do Arquivo da RTP, eis dois minutos da inauguração do então novo Cinema 700 na Matola, no dia….20 de Abril de 1974. Dado o que aconteceu na quinta-feira seguinte, esta deve ter sido das iniciativas mais infrutíferas na história dos negócios em Moçambique no final da era de administração portuguesa. Noto a presença, na audiência, do Ricardo Rangel, o posteriormente celebrado, putativo “pai da fotografia moçambicana”.

Ver o vídeo premindo aqui.

A fachada do Cinema 700 na Matola, no dia 20 de Abril de 1974. Previamente um poeirento e distante subúrbio de Lourenço Marques, a Matola de então, patética e brevemente rebaptizada como “Cidade Salazar” depois da morte do Dr. Salazar (mas ninguém lhe chamava isso) estava em franco crescimento.

24/05/2019

VELHOS COLONOS NA BAIXA DE LOURENÇO MARQUES, 1963

Imagens retocadas, a partir de um original, colhido por Ricardo Rangel.

 

Na esquina das Avenidas da República e Dom Luiz, na Baixa de Lourenço Marques, 1963. À esquerda, um ardina a vender uma edição do Notícias. À frente dos dois homens, do outro lado da rua, podem-se ver o stand da Rifa Anual da Associação dos Velhos Colonos, a sede do Banco Standard e parte dos edifícios da Casa Coimbra e ao fundo a futura sede do Banco Nacional Ultramarino, então em acabamentos.

 

Detalhe da mesma imagem. Ao centro, um polícia sinaleiro, comum na Cidade até aos anos 70 e que controlavam o trânsito nas horas de ponta, que naquela altura duravam cerca de cinco a dez minutos.

 

 

12/02/2012

GOUVÊA LEMOS E RICARDO RANGEL, JORNALISTA E FOTÓGRAFO, ANOS 1960

Filed under: Gouvêa Lemos, PESSOAS, Ricardo Rangel — ABM @ 00:37

Foto restaurada.

Para ver em tamanho maior, prima duas vezes na imagem com o rato do seu computador.

O conhecido jornalista Gouvêa Lemos e o não menos conhecido fotógrafo Ricardo Rangel, juntos num restaurante de Lourenço Marques (penso), anos 1960.

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