THE DELAGOA BAY WORLD

21/07/2013

ROBERT KENNEDY, JOHN KENNEDY E EDUARDO MONDLANE: O TELEFONEMA DE 4ª FEIRA, 8 DE MAIO DE 1963

Dedicado ao Dr. Yussuf Adam em Maputo.

JFK e RFK na Casa Branca. A 8 de Maio de 1963 Bob Kennedy menciona Eduardo Mondlane pela primeira vez ao Presidente Kennedy, em baixo, oiça o telefonema e leia a transcrição desse histórico telefonema.

JFK e RFK na Casa Branca. Num telefonema feito a 8 de Maio de 1963, Bob Kennedy menciona Eduardo Mondlane pela primeira vez ao Presidente Kennedy, em baixo, oiça a gravação e leia a transcrição desse histórico telefonema.

Escutar a gravação da chamada feita por Robert Kennedy ao seu irmão John, então Presidente dos Estados Unidos, diz mais do que o mero texto sugere. JFK indicia que nunca tinha ouvido falar de Eduardo Mondlane, então há quase um ano a liderar o grupo de nacionalistas que queriam trazer a independência à colónia portuguesa de Moçambique. Pelo tom, o Presidente norte-americano nem sequer sabia bem se Moçambique era uma colónia portuguesa, se bem que ele soubesse umas coisas sobre Portugal, um dos primeiros países europeus a reconhecer a independência norte-americana após 1776 (o reconhecimento português foi formalizado a 15 de Fevereiro de 1783, o norte-americano em 21 de Fevereiro de 1791).

Antes de ter sido eleito presidente em 1960, John Fitzgerald Kennedy havia sido um dos dois Senadores pelo Estado de Massachusetts, a base do poder dos Kennedy e onde residiam milhares de portugueses originários do Arquipélago dos Açores, bem como muitos cabo-verdianos, que então eram também cidadãos portugueses. Nessa comunidade muitos se recordavam da autorização especial negociada por Kennedy para possibilitar a imigração para os EUA de milhares de açorianos aquando das erupções do vulcão dos Capelinhos, junto da Ilha do Faial, entre Setembro de 1957 e Outubro de 1958.

Os Açores, um conjunto de nove ilhas portuguesas no Oceano Atlântico situadas a dois terços do caminho dos EUA para a Europa, ilhas que muito rapidamente se tornaram num verdadeiro calcanhar de Aquiles da política norte-americana em relação a Portugal e às suas colónias, dada a sua importância estratégica para a Aliança Atlântica e no quadro da Guerra Fria – e curiosamente, para onde fora exilado Gungunhana, o chefe dos Vátuas de Moçambique, em 1896 e onde falecera dois dias antes do Natal de 1906.

Na Ilha açoriana da Terceira, desde a Segunda Guerra Mundial que funcionava uma enorme base aérea, que, singularmente, possibilitava o movimento rápido de tropas e munições dos Estados Unidos para a Europa e o Médio Oriente. A alternativa era o seu envio por barco, o que era incomensurável com os requisitos da guerra moderna.

Por outras palavras, face à nova pressão e à urgência norte-americana em ver Portugal a agir em relação às suas colónias em sincronia com o resto da Europa, Salazar não só resistiu, como tinha – e utilizou – a chantagem açoriana.

Mas naquela quarta-feira, dia 8 de Maio de 1963, de nada disso se falou. Robert Kennedy, o algo polémico Procurador-Geral do governo federal, mais ou menos focado em acabar com as redes de crime organizado nos Estados Unidos, mas em tudo o mais um leal e importante conselheiro do irmão, telefona-lhe para lhe falar de uma série de tópicos. O assunto Eduardo Mondlane ficou encaixado no meio de um conjunto de temas desconexos.

Quiçá mais do que o Presidente, o seu irmão RFK estava ciente da situação dinâmica da luta dos americanos negros pela sua integração plena na sociedade norte-americana, em crescendo desde os anos 50 e, no foro externo, do surgimento dos novos países africanos na cena internacional, em aliança com uma série de países asiáticos, os quais, a partir de 1960, reforçaram o contingente anti-colonial na Organização das Nações Unidas. No início dos anos 60, a Argélia francesa estava a ferro e fogo e a Grã-Bretanha movia-se rapidamente para tornar independentes as suas colónias. Em 1961 iniciou-se uma guerrilha anti-colonial em Angola, no final desse ano a Índia tomou para si as pequenas parcelas que constituíam o Estado Português da Índia, e em meados de 1962 os grupos independentistas de Moçambique juntavam-se numa frente única para articular o esforço pela independência. Por sugestão e pressão de Julius Nyerere, o mercurial novo líder da Tanganika, o Dr. Eduardo Mondlane, que então vivia nos Estados Unidos há vários anos e que estava casado com uma cidadã norte-americana, e que era uma escolha natural para liderar o movimento, aceitou presidir à Frelimo, cuja sede e base de operações passou a ser a futura Tanzânia.

Na ONU, vivia-se uma nova era, em que os países agora independentes insistiam em colocar na agenda a descolonização, tentando forçar o assunto pela via diplomática, algo que os Estados Unidos, também uma ex-colónia, nada tinham contra, excepto que tal mexia com as suas relações estratégicas com um conjunto de países europeus, entre os quais Portugal, onde mandava uma única figura desde 1932: António de Oliveira Salazar.

Salazar, veio-se a confirmar, tinha uma enorme desconfiança em relação aos Estados Unidos, a grande potência emergente no mundo após o término da Segunda Guerra Mundial, altura em que o poder real nas relações internacionais gravitou das mãos mais batidas e conhecidas da Grã-Bretanha para que o que ele considerava ser uma diplomacia menos experiente e mais volúvel.

Mais grave ainda, Salazar, que nunca visitara nenhuma colónia portuguesa durante toda a sua vida, achava que os destinos desses territórios eram assunto para Portugal decidir conforme considerasse melhor, sendo que aos residentes (ambos colonizados e colonos) não lhe ocorria fazer uma consulta sequer. E Salazar, como a chamada “ala dura” do regime por ele criado, perspectivava como sendo simplesmente impensável sequer discutir a questão da sua autonomia, quanto mais a sua independência, que provavelmente vislumbrava ocorrer dali a muitas dezenas de anos. Na óptica do regime, “aquilo é nosso”, tal como uma quinta em Trás-os-Montes.

Para os norte-americanos, especialmente para a Administração Kennedy, a postura de Salazar era completamente insana e jogava em favor do Bloco Chino-Soviético, adversário dos americanos na Guerra Fria, que já tinham dado claros sinais de quererem explorar plenamente a oportunidade de pressionar o Ocidente via o apoio e controlo de movimentos independentistas espalhados por todo o mundo. Esta percepção fora ainda mais agravada pela Crise dos Mísseis de Cuba, ocorrida em Outubro de 1962, e que colocara então os Estados Unidos a um fio de um conflito nuclear com a União Soviética.

Assim, os americanos, especialmente Bob Kennedy, sabiam que era importante e urgente para os Estados Unidos negarem esse espaço de manobra aos países da Cortina de Ferro, que se aproveitavam das descolonizações para demarcar o seus novos domínios, por assim dizer. No caso da Tanzânia, a aproximação fez-se com a China, que, como se podia prever, viria a desempenhar um papel importante e exercer uma enorme influência na então emergente Frelimo, apesar dos esforços dedicados do Dr. Mondlane e da sua mulher de diversificarem os apoios e assim reduzirem a dependência da Frente nas ditaduras comunistas.

Penso que é neste contexto global que se insere esta primeira abordagem formal do Dr. Eduardo Mondlane à Administração Kennedy em 1963. Certamente foi entendida como tal. No telefonema de 8 de Maio de 1963, RFK indica que tivera mais que um contacto com Mondlane e que ele ficara deveras impressionado com o então Presidente da Frelimo.

Registo da conversa telefónica entre JFK e RFK sobre Mondlane e Moçambique

Para escutar o telefonema, prima AQUI.

Início – 0827 mins
Fim – 10:00 mins

Documentos de John Fitzgerald Kennedy
Gravações Presidenciais – Dictabelts – Dictabelt 18B

(Início)

RFK: Now, one other thing. Uh, . . . I’ve had some conversations the last couple of
weeks with a fellow by the name of [Eduardo] Mondlane . . .

President: Yeah.

RFK: . . . who’s from Mozambique.

President: Yeah.

RFK: And he’s the fellow that’s leading the effort to, uh, make Mozambique
independent. He’s a terrifically impressive fellow.

President: Yeah.

RFK: And, uh . . .

President: That’s Portuguese?

RFK: Yeah.

RFK: Uh, . . . He, uh, . . . uh, . . . Some of his people have gotten . . . He’s the head
of it, but some of his people have gotten some aid and assistance from
Czechoslovakia and Poland. He needs help from the United States for two
reasons. Number one, so that he can indicate to them that there are people in
the West at least sympathetic to his efforts, and, uh, number two, just to keep
‘em going. And, uh, the figure that he’s mentioned, that they’ll need for a year
is a . . . uh, . . . is quite reasonable. First, he needs fifty thousand dollars for
help with the refugees. Uh, . . . I think that they . . . It’s a possibility that they
can get the second fifty thousand dollars from the Ford Foundation. At least
they’re working on that. Carl Kaysen is. Uh, but he’d need at least fifty
thousand dollars from us. Now, uh, Dean Rusk has felt that . . . uh, that he
wants to be able to sit down with the Portuguese and say none of these people
are getting any money. Uh, . . . if he turned this over to somebody like Averell
Harriman
or John McCone, just to use their own judgment, uh, . . . the he

wouldn’t have to kn–get involved in it . . .

President: Yeah.

RFK: . . . or know anything about it. Uh, . . . I think it would be damn helpful. Now,
we’ve had discussions on these things for the last week and Carl Kaysen can
fill you in on it. But this fellow’s going hack Wednesday–Mondlane–and he’s
gonna meet with the heads of all these African nations at this meeting, I guess
next week.

President: ‘Course, we wouldn’t want him to be saying that he got anything from us.

RFK: No, but you wouldn’t have that, you see. You’d have it though some private
foundation.

President: Yeah.

RFK: Then they could have cut-outs on it.

President: I see.

RFK: And John McCone can handle it. So it wouldn’t come from the agency.
President: Well, now, what does it depend on . . . Uh, you think we ought to give it?

RFK: Yes.

President: O.K., well, then, what do we give it?

RFK: Well, if–maybe if you call to Carl Kaysen about how it should be handled,
because if it’s to be handled so that Dean Rusk is happy and . . . and, uh,
Averell Harriman feels very strongly it should he given.

President: O.K.

RFK: But, uh, I think if it could be handled so that . . . maybe you could explain to
Dean Rusk he doesn’t haveto know about it directly.

President: Should we tell Dean Rusk?

RFK: Well, um, Carl Kaysen got all the facts on it, and he’ll have a suggestion as to
how it should be handled.

(Fim)

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