THE DELAGOA BAY WORLD

15/08/2023

OS GOUVEIA E O VELHO LEÃO EM VILA MACHADO, ANOS 50

Imagem original a preto e branco, retocada e colorida, de Dulce Gouveia.

Recentemente radicados em Moçambique, onde Celeste, seria professora primária em Vila Machado e Tomás Gouveia engenheiro civil em Vila Pery, a jovem família residindo na relativamente erma e perdida Vila Machado (não sei se mantém a toponímia ou se mudou), que estava mais ou menos no meio do mato, exposta à fauna local e que não era pouca. A certa altura, as casas na Vila começaram a ser assoladas à noite pela visita de um velho leão à procura de comida, cujos rugidos e presença assustavam e colocavam em perigo os moradores. Eventualmente, um vizinho dos Gouveia lá pegou na carabina e matou o velho leão, que deu esta fotografia.

Anos mais tarde, os Gouveia mudaram-se primeiro para Vila Luísa (actualmente Marracuene, que aliás sempre foi conhecida por este nome) e depois para Lourenço Marques, onde viriam a frequentar o Grupo Desportivo, cujo actual campo de basquet o Eng. Gouveia desenhou e a cuja construção acompanhou. As filhas seriam campeãs de natação. A D. Celeste ensinou durante anos na escola primária do Xipamanine e seria a directora da escola.

Celeste Miranda, à esquerda, segurando a mão da jovem Anabela, do lado direito a Dulce, em frente o Eng. Tomás Gouveia com a Lídia, junto do velho leão que havia sido morto junto de Vila Machado, perto de Vila Pery (hoje a Cidade de Chimoio).

19/01/2018

TOMÁS E CELESTE GOUVEIA: UM ESBOÇO BIOGRÁFICO

 

Celeste e Tomás Gouveia, aqui nos anos 90, em Cascais, Portugal.

 

Tomás Gouveia nasceu em Lourenço Marques, filho de João dos Santos Gouveia,  um português que estava a cumprir o serviço militar no Porto, de onde era oriundo, quando foi deportado para Moçambique juntamente com um regimento, na sequência duma suposta intentona militar em Portugal que terá envolvido aquele grupo. O seu regimento inteiro foi simples e sumariamente metido num barco em Lisboa uma noite, sem os soldados sequer saberem para onde iam. Acabaram todos na pequena capital da então colónia de Moçambique, Lourenço Marques, onde chegaram de barco umas semanas mais tarde.

Ali, casou com uma bela jovem de 15 anos, Augusta. Juntos, tiveram quatro filhos, três raparigas e um rapaz.

O rapaz era Tomás Gouveia.

Em Lourenço Marques, João dos Santos Gouveia era um perito marceneiro – mas em seguida especializou-se na mecânica de aviões, tendo sido o primeiro mecânico da Direcção de Exploração dos Transportes Aéreos dos Caminhos de Ferro de Moçambique – a DETA.

Foi também entre os primeiros Sócios do Grupo Desportivo Lourenço Marques, fundado em 31 de Maio de 1921.

Tomás Gouveia fez a escola e o concluiu liceu em Lourenço Marques e, não havendo na altura qualquer instituição de ensino superior em Moçambique, foi para Coimbra e Porto para estudar engenharia civil. Na verdade tinha uma enorme paixão pela aviação e a sua ambição era ser piloto aviador. Mas o seu Pai, que na altura trabalhava na DETA, insisitu que se formasse em engenharia civil.

Em Coimbra, Tomás conhece a jovem Maria Celeste, que nascera no Alentejo, estava em Coimbra a estudar magistério primário e que na altura já estava noiva de um jovem macaense, que deixou para casar com Tomás, algum tempo mais tarde, na Igreja de Santa Cruz em Coimbra, a mesma onde estão sepultados os dois primeiros reis de Portugal.

Depois do curso concluído, viajaram para Moçambique, por barco, cerca de 1950, Celeste já grávida da primeira filha, Maria João.

Por coincidência, nessa viagem de barco, conheceram um então jovem oficial, o Tenente Botelho de Melo (meu Pai) que vinha dos Açores, a caminho de Macau e que ficaria durante três meses em Moçambique para recrutar e treinar a fornada seguinte de Soldados Landins, uma força militar moçambicana que operava em Macau. Uns oito anos mais tarde, o meu Pai decidiria ir viver para Moçambique.

Chegados a Lourenço Marques em 1950, Celeste e Tomás ficaram primeiro hospedados numa pensão. Viveram algum tempo em Vila Machado, junto da Serra da Gorongosa, onde Celeste deu aulas na escola primária local, enquanto que Tomás trabalhava em Vila Pery, que ficava ali perto. Em seguida Tomás foi trabalhar para a Machava, nos arredores de Lourenço Marques, enquanto que Celeste deu aulas em na escola primária de Vila Luísa (ou Marracuene), isto durante cerca de um ano. Celeste esteve ainda na Escola Primária Correia da Silva e Tomás na Escola Industrial e depois no Instituto Industrial de Lourenço Marques. A família vive brevemente no Bairro da COOP. Finalmente, em 1964, Celeste passou a dar aulas na Escola Primária Dona Berta Craveiro Lopes no Xipamanine, onde ficaria por mais que uma década e onde chegou a ser directora por um ano. A família passou a viver numa casa na Rua Dr. Almeida Ribeiro, na Maxaquene, atrás do Clube dos Lisboetas e perto da Pastelaria Pigalle. Era uma casa geminada, daquelas desenhadas pelo Arquitecto Pancho Guedes.

Para além do desporto, Tomás Gouveia cultivou um gosto refinado pela filatelia (deixou uma colecção incrível) e pelo xadrez, que jogava na Associação dos Naturais de Moçambique, cuja sede ficava situada na Avenida 24 de Julho, praticamente ao fundo da rua onde passou a viver a partir dos anos 60.

Tomás e Celeste Gouveia tiveram quatro filhas: Maria João, Dulce, Anabela e Lídia. Todas foram nadadoras no Grupo Desportivo Lourenço Marques, sendo que Dulce destacou-se como um expoente da natação de Moçambique e portuguesa. Mais tarde Dulce também jogou basquetebol com destaque.

Dulce Maria Miranda Gouveia. Filha nº2 de Tomás e Celeste Gouveia. Aqui mufana.

Com o Golpe de Estado e a Debandada iniciada em 1974, Celeste ficou ainda algum tempo em Moçambique, em que andou naquelas cenas ridículas que a Frelimo inventava de mandar toda a gente ir capinar no mato e varrer as ruas e ir a reuniões de indoctrinação ideológica e cantar hinos da Frelimo em vez de estar na escola a dar aulas e ensinar as crianças a ler, a escrever e a contar. Portanto em 1977  deixa Moçambique, transita para o quadro de adidos em Portugal e reforma-se aos 50 anos de idade. Tomás Gouveia ainda permanece mais algum tempo em Moçambique no âmbito duns daqueles contratos manhosos que o estado português e a Frelimo celebraram na altura, e vai viver para Portugal em 1980, ano em que se reformou. Ficaram a viver numa confortável casa em Cascais, com um gato e a sua gigantesca colecção de sêlos.

Tomás faleceu em Novembro de 2015 e Celeste em Setembro de 2016. Ambos tinham 91 anos de idade quando faleceram.

Dulce, Anabela e Maria João actualmente residem em Cascais. Lídia vive na Austrália.

Tomás Gouveia era um ávido adepto do desporto e um conhecido membro do Grupo Desportivo Lourenço Marques.

Capa de Cartão de Sócio do Desportivo.

O projecto do campo de hóquei do Desportivo (que ainda existe, tendo entretanto sido convertido para a prática do basquet) foi da sua autoria. À data de 1971 tinha feito um ambicioso projecto de um novo e grande estádio de basquet para o Clube mas com o golpe militar de 25 de Abril de 74 e o que sucedeu em seguida, o projecto naturalmente nunca se veio a concretizar. Ficou numa parede do Clube, até hoje, a primeira pedra, evocativa dessa então grande ambição dos sócios do Clube.

A primeira pedra do grande pavilhão do Desportivo que nunca foi construído.

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