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O que faz alguém que nasceu e viveu em Lourenço Marques ( em 13 de Agosto de 1963) até sair de lá mais ou menos a pontapé com a Debandada, com 11 anos de idade, dizer isto com 47 anos de idade e quando se aproxima de uma morte anunciada?
Apesar de termos ambos vivido ao mesmo tempo em Lourenço Marques e depois em Coimbra, nunca conheci Manuel Forjaz, que foi um gestor português com costela Coca-Cola e que às tantas, depois de alguns sucessos e uma família que adorava, de repente viu-se a braços com um cancro, daqueles maus.
Em 6 de Abril de 2014, o dia em que morreu, a Revista do Jornal de Notícias publicou uma longa, invulgar e interessante entrevista do Manuel – que pode ser lida na íntegra aqui – na qual, entre outras considerações, ele diz o seguinte:
“Qual era o seu sonho de infância?
Queria ser o homem mais rico do mundo. Aos 4 ou 5 anos transformei-me num homem de negócios quando comecei a pedir livros de quadradinhos usados aos meus amigos para vendê-los na rua. Em Moçambique, na António Mendes, em frente à Cooperativa dos Criadores de Gado. O meu pai ficava absolutamente maravilhado com a minha capacidade em ganhar dinheiro.
O que é que o seu pai fazia?
Era advogado, era diretor contencioso do PNUD. Portanto, sempre construiu a ideia em mim de que eu podia ser um grande empresário. E, de facto, ser o homem mais rico do mundo. Mas nunca consegui ter amor suficiente ao dinheiro para fazer dele a prioridade principal da minha vida. E se não se gostar muito de dinheiro, nunca se vai ser o homem mais rico do mundo.
Como é que Moçambique o marcou?
Marcou sobretudo a maneira como depois eduquei os meus filhos. Os meus pais delegavam, concediam-nos uma autonomia impensável para os dias de hoje. O primeiro foi o único dia da vida em que a minha mãe me levou à escola. Moçambique deu-me um modo de viver a liberdade e um modo de sentirmos a responsabilidade. Vivíamos felizes, na rua, sem pai autoritário, independentes dos nossos pais. Eu tinha seis anos, saía de casa na Rua António Mendes, ia até ao estádio ver a luta livre sozinho. Tinha 5 ou 6 anos. Atravessava as barreiras do Liceu Salazar, diziam que era uma zona perigosa, com criminosos e terroristas. Íamos à boleia, eu com o Chico Zé, até à Costa do Sol – 15 quilómetros para apanhar amêijoas no mar. Deu-me essa autonomia de dizer: sobrevivo em qualquer circunstância e sobre qualquer adversidade, em qualquer meio.
Com que idade veio para Portugal?
Com 11 anos.
Sempre tinha sido bom aluno. Porque chumbou na faculdade?
Sempre fui o melhor na primária, no secundário, fiz o 9.º ano com nove cincos. Eu era um miúdo de casa; quando vim de Moçambique para Portugal, fiquei com os meus avós, em Coimbra. Era tímido e inibido. Em Lourenço Marques tinha apenas dois amigos, o Chico Zé, que era branco, e o Benjamim, preto. Lia os livros do meu pai, Tolstói, a coleção Argonauta, a coleção Vampiro, que chegavam todas as quintas-feiras. Em Portugal, a minha vida era ler e jogar xadrez. Não tinha amigos, não tinha namoradas. A casa do meu avô, que era uma autoridade do regime, era enorme, gelada. Viemos em 1974, logo a seguir ao 25 de Abril, antes da independência. Fechei-me ainda mais em casa. A ouvir música. Cheguei à letra cê da enciclopédia brasileira. Era um chato, não lia o Júlio Verme sem um mapa ao lado. Fiz o liceu em Coimbra sem nenhum amigo. Ninguém. Os meus avós eram um bocadinho queques e quando eu tinha um ou outro amigo eles olhavam com um ar de curiosidade – «Quem é o pai deste teu amigo?» «É de uma mercearia.» «Ahh…» E isso não ajudava.
Este é o país onde quer que os seus filhos passem a vida deles?
Não. Este é o melhor país do mundo para se viver a partir dos 45-50 anos, quando acabamos a curva de aprendizagem e precisamos de um bom espaço para viver. A segurança, o clima, o património, a praia, a qualidade gastronómica, o verbo, a poesia, os jornais, as cidades maravilhosas. Conheço 110 países. Não conheço uma cidade tão boa para viver como Lisboa, a partir dos 45-50 anos. Durante a curva de experiência e aprendizagem acho que o mundo tem um conjunto de outras aprendizagens e experiências que Portugal não pode proporcionar. Por ser pequeno em vários níveis: na população, na mentalidade, na ambição, no orgulho.”