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09/03/2021

MANUEL FORJAZ E LOURENÇO MARQUES: MEMÓRIAS DE UMA INFÂNCIA

Filed under: Manuel Forjaz gestor — ABM @ 20:11

Imagem retocada.

Manuel Forjaz.

O que faz alguém que nasceu e viveu em Lourenço Marques ( em 13 de Agosto de 1963) até sair de lá mais ou menos a pontapé com a Debandada, com 11 anos de idade, dizer isto com 47 anos de idade e quando se aproxima de uma morte anunciada?

Apesar de termos ambos vivido ao mesmo tempo em Lourenço Marques e depois em Coimbra, nunca conheci Manuel Forjaz, que foi um gestor português com costela Coca-Cola e que às tantas, depois de alguns sucessos e uma família que adorava, de repente viu-se a braços com um cancro, daqueles maus.

Em 6 de Abril de 2014, o dia em que morreu, a Revista do Jornal de Notícias publicou uma longa, invulgar e interessante entrevista do Manuel – que pode ser lida na íntegra aqui – na qual, entre outras considerações, ele diz o seguinte:

“Qual era o seu sonho de infância?

Queria ser o homem mais rico do mundo. Aos 4 ou 5 anos trans­formei-me num homem de negócios quando comecei a pedir livros de quadradinhos usados aos meus amigos para vendê-los na rua. Em Moçambique, na António Mendes, em frente à Coope­rativa dos Criadores de Gado. O meu pai ficava absolutamente ma­ravilhado com a minha capacidade em ganhar dinheiro.

O que é que o seu pai fazia?

Era advogado, era diretor contencioso do PNUD. Portanto, sempre construiu a ideia em mim de que eu podia ser um gran­de empresário. E, de facto, ser o homem mais rico do mundo. Mas nunca consegui ter amor sufi­ciente ao dinheiro para fazer de­le a prioridade principal da mi­nha vida. E se não se gostar muito de dinheiro, nunca se vai ser o ho­mem mais rico do mundo.

Como é que Moçambique o marcou?

Marcou sobretudo a maneira como depois eduquei os meus fi­lhos. Os meus pais delegavam, concediam-nos uma autonomia impensável para os dias de hoje. O primeiro foi o único dia da vi­da em que a minha mãe me levou à escola. Moçambique deu-me um modo de viver a liberdade e um modo de sentirmos a responsabi­lidade. Vivíamos felizes, na rua, sem pai autoritário, independen­tes dos nossos pais. Eu tinha seis anos, saía de casa na Rua António Mendes, ia até ao estádio ver a luta livre sozinho. Tinha 5 ou 6 anos. Atravessava as barreiras do Liceu Salazar, diziam que era uma zona perigosa, com criminosos e ter­roristas. Íamos à boleia, eu com o Chico Zé, até à Costa do Sol – 15 quilómetros para apanhar amêijoas no mar. Deu-me essa autonomia de dizer: sobrevivo em qualquer circunstância e sobre qualquer adversidade, em qualquer meio.

Com que idade veio para Portugal?

Com 11 anos.

Sempre tinha sido bom aluno. Porque chumbou na faculdade?

Sempre fui o melhor na primária, no secundário, fiz o 9.º ano com nove cincos. Eu era um miúdo de casa; quando vim de Mo­çambique para Portugal, fiquei com os meus avós, em Coimbra. Era tímido e inibido. Em Lourenço Marques tinha apenas dois amigos, o Chico Zé, que era branco, e o Benjamim, preto. Lia os li­vros do meu pai, Tolstói, a coleção Argonauta, a coleção Vampi­ro, que chegavam todas as quintas-feiras. Em Portugal, a minha vida era ler e jogar xadrez. Não tinha amigos, não tinha namo­radas. A casa do meu avô, que era uma autoridade do regime, era enorme, gelada. Viemos em 1974, logo a seguir ao 25 de Abril, an­tes da independência. Fechei-me ainda mais em casa. A ouvir mú­sica. Cheguei à letra cê da enciclopédia brasileira. Era um chato, não lia o Júlio Verme sem um mapa ao lado. Fiz o liceu em Coim­bra sem nenhum amigo. Ninguém. Os meus avós eram um boca­dinho queques e quando eu tinha um ou outro amigo eles olha­vam com um ar de curiosidade – «Quem é o pai deste teu amigo?» «É de uma mercearia.» «Ahh…» E isso não ajudava.

Este é o país onde quer que os seus filhos passem a vida deles?

Não. Este é o melhor país do mundo para se viver a partir dos 45-50 anos, quando acabamos a curva de aprendizagem e pre­cisamos de um bom espaço para viver. A segurança, o clima, o património, a praia, a qualidade gastronómica, o verbo, a poe­sia, os jornais, as cidades ma­ravilhosas. Conheço 110 paí­ses. Não conheço uma cidade tão boa para viver como Lis­boa, a partir dos 45-50 anos. Durante a curva de experiên­cia e aprendizagem acho que o mundo tem um conjunto de outras aprendizagens e expe­riências que Portugal não pode proporcionar. Por ser pequeno em vários níveis: na população, na mentalidade, na ambição, no orgulho.”

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