THE DELAGOA BAY WORLD

24/07/2022

VENCEDORES DAS REGATAS DE LOURENÇO MARQUES, 24 DE JULHO DE 1941

Segundo o Eduardo Pitta, o dia 24 de Julho de 1875, que hoje completa 177 anos, começou a ser celebrado em Lourenço Marques como um feriado exactamente há 175 anos, em 1877.

A equipa do Clube Naval de Lourenço Marques que venceu as regatas do Dia da Cidade, posa para a fotografia, numa 5ª feira, 24 de Julho de 1941. Foi mais um dia de feriado na pequena e pacata capital moçambicana com cerca de 30 mil habitantes europeus e mais uns tantos negros e mulatos , que mantinha as suas dormentes rotinas, apesar de, à sua volta e lá longe na Europa, mais uma vez o mundo ardia numa guerra violenta e fraticida, Adolf Hitler e Josef Stalin tendo acabado de dizimar a Polónia e Hitler acbado de conquistar a França, Bélgica, Holanda e a Noruega, parecendo invencível. Enquanto Hitler se preparava para invadir as Ilhas britâncias, Portugal entretanto já declarara a neutralidade, ao contrário do Reino Unido e o seu vasto império, que incluía as suas colónias e estados associados na região: a relutante União Sul-Africana, a Suazilândia, Bechuanalândia, Niassalândia, as Rodésias do Norte e do Sul e o Tanganhica. Ou seja, o Moçambique colonial dessa altura era uma ilha formalmente neutral num mar britânico em guerra com a Alemanha. Todos em Lourenço Marques seguiam atentamente a guerra através da rádio em onda curta, a BBC a emitir de Londres e a Rádio Berlim a partir da capital alemã nazi.

1877 era apenas dois anos depois da histórica decisão de Mac-Mahon, ainda era Lourenço Marques uma vila miserável, infecta e barricada numa pequena ilha, numa ponta o velho presídio que aportava o nome do quase desconhecido comerciante que lhe dera o nome, povoada principalmente por estrangeiros, monhés (umas comunidade de comerciantes e suas famílias, originários do Médio Oriente e do sub-continente indiano, há séculos em Moçambique, que se estavam a mudar para a sua rua principal, que na verdade era a Rua da Gávea, não a Rua Araújo) e negros, vagamente sustentada pelo comércio local e com o Transvaal. Não tinha água potável, saneamento, comunicações, caminhos de ferro, porto. Só doze anos mais tarde, em 10 de Novembro de 1887, seria, por decreto real assinado por Dom Luis I, elevada ao estatuto de Cidade, o que lhe deveria dar o direito a uma estrutura municipal de auto-governo, mas nem sequer isso conseguia concretizar, pois não havia gente para eleger ou para ser eleita. Durante anos e anos, a sua câmara municipal seria efectivamente gerida por uma mistura de nomeados, por tecnocratas competentes enviados de Lisboa e pela a sua influente (e quase toda estrangeira) associação comercial. A língua que mais se falava era a inglesa.

Na base da decisão proferida em 24 de Julho de 1875, estavam disputas territoriais que vinham desde 1822, quando um capitão inglês, Owen, aportou o mísero presídio e, segundo os portugueses, à sucapa dos portugueses no Presídio, assinou tratados com os régulos Tembe e Maputo e assim reclamou para a Grã-Bretanha todo o território a Sul da Baía do Espírito Santo (hoje Baía de Maputo). Nessa altura, andava tudo à caça desses “tratados”, não se percebendo bem qual era o entendimento dessas autoridades indígenas quanto ao que realmente pensavam que estavam a assinar (mas que invariavelmente vinha acompanhado de umas caixas de whisky, uns charutos e uns saguates, o que, admita-se, sempre era alguma coisa).

A disputa manteve-se e escalou após a constituição das repúblicas Boer do Transvaal, Estado Livre de Orange e, do lado britânico, a constituição da Colónia do Natal. Em 1861, um navio britânico chegou ao Presídio e declarou que a Ilha da Inhaca passava a ser parte da Colónia do Natal. Levou oito anos aos portugueses reagir. Nesse ano, os ingleses enviaram um navio para a Inhaca – e içaram a bandeira britânica. Seis meses depois, um punhado de portugueses intrépidos foram numa barcaça à Inhaca, arrearam a bandeira inglesa, correram com a guarnição britânica e, perante o certamente atónito punhado de locais, içaram a bandeira da monarquia portuguesa. Nos corredores diplomáticos, acendeu-se a disputa entre Londres e Lisboa, unidas pelo dúbio pacto de Windsor desde há meio milénio, Portugal completamente nas lonas, enquanto que o Reino Unido se posicionava já como a nação mais poderosa no planeta. Os dois governos acordaram em submeter a questão a arbitragem internacional, para decisão final e vinculativa pelo presidente da República da França.

Que pela sua decisão de 24 de Julho de 1875, atribuíu a Portugal a posse da região mais ou menos entre a parte Sul da Baía e até à Ponta do Ouro e ao pequeno Protectorado da Suazilândia.

Após a independência nacional, as autoridades descartaram esta data e passaram a assinalar o dia 10 de Novembro de 1887 como Dia da Cidade. Mas não sem antes o inefável Samora Moisés ter feito mais uma das suas. Pitta relata como foi o dia 24 de Julho de 1975, primeiro centenário da Decisão:

A data celebra a sentença do marechal francês Mac-Mahon, que em 24 de Julho de 1875 arbitrou a favor de Portugal, contra a Grã-Bretanha, a posse da baía de Lourenço Marques, denominada «Delagoa Bay». Em 1975 cumpriu-se o centenário. Machel aproveitou a data para virar tudo do avesso. Discursando durante várias horas, decretou o fim da propriedade privada. Terra, habitação, actividades económicas, transportes, saúde, educação, média, agricultura, indústria, etc., passou tudo para a Frelimo. Assim que acabou de falar, consultórios médicos, escritórios de advogados, colégios e pequenas oficinas foram alvo de buscas. Um médico amigo teve dificuldade em justificar a posse de luvas de latex e um estetoscópio. No dia seguinte estava em Joanesburgo. Nesse dia decidimos deixar Moçambique. Com os aviões lotados até ao fim de Outubro, combinou-se que o Jorge [o seu companheiro na altura] viria a 3 de Novembro e eu mais minha mãe a 26 de Janeiro de 1976.

A Avenida 24 de Julho, a mais comprida da Cidade, essa, manteve a mesma designação até hoje, mas passando a assinalar um dos maiores actos de destruição económica do Moçambique independente, que levaria décadas a começar a desembrulhar.

04/09/2021

A PRAÇA MAC-MAHON EM LOURENÇO MARQUES, 1960S-1970S

Imagens retocadas.

Descansando na Praça Mac-Mahon, entre o monumento em memória dos mortos na I Guerra Mundial (inaugurado em 1935) e a fachada da estação ferroviária de Lourenço Marques, início dos anos 60. Do lado direito, vê-se o início da Rua Araújo.

A Praça Mac-Mahon (hoje Praça dos Trabalhadores), início dos anos 70. A seguir ao prédio da esquerda (Prédio Abreu Santos e Rocha, desenhado por Pancho Guedes) tem início a Rua Consiglieri Pedroso.

15/08/2017

A DECISÃO DE MAC-MAHON E O SUL DE MOÇAMBIQUE, 24 DE JULHO DE 1875

A Praça Mac-Mahon em Lourenço Marques, cerca de 1940. Ao fundo, a estação ferroviária.

 

Em baixo, em língua inglesa, o texto completo da decisão francesa, dada a conhecer a 24 de Julho de 1875, quanto à posse dos territórios em redor e a Sul de Lourenço Marques (actualmente, Maputo). A disputa originou numa pretensão britânica de ficar com esses territórios, seguindo a sua política de criar uma zona-tampão para conter as repúblicas Boer numa espécie de cintura de ferro britânica. Só que Portugal argumentava que já estava lá há séculos, o que valia o que valia mas na jurisprudência de então, e até 1886, era o que valia mais. Numa acção de charme que lhe veio a custar, a Grã-Bretanha aceitou submeter a disputa a arbitragem por terceiros, tendo sido acordado que a decisão seria tomada pelo governo da França, a que, quase circunstancialmente, Mahon presidia. Na altura, foi uma vitória significativa da diplomacia portuguesa em relação à Grã-Bretanha, mas também um presente envenenado, na medida em que resultou num endurecimento da postura daquele país em relação ao futuro – como veio a acontecer em Janeiro de 1890.

Na tradição colonial de então, o episódio foi celebrado até ao Século XX, desde a denominação da praça onde se veio a edificar a estação dos Caminhos de Ferro de Lourenço Marques com o nome de Mac-Mahon (anteriormente Praça Azeredo, um importante autarca da pequena cidade colonial, e que a Frelimo alterou para Praça dos Trabalhadores, a designação presente), até à designação do feriado municipal, que era a 24 de Julho e não a 10 de Novembro, data da elevação de Lourenço Marques ao estatuto de cidade, à alteração da maior avenida da Cidade de Francisco Costa para Avenida 24 de Julho (sorrateiramente, a Frelimo manteve o nome, agora referindo-se à data de algumas nacionalizações efectuadas em 1976) e, finalmente, à designação de uma das duas marcas de cervejas mais conhecidas de Moçambique – a 2M (de “Mac-Mahon”. A outra é a Laurentina) e que sobreviveu a quase meio século de demolição deliberada do património colonial herdado.

Verdadeiramente, Mac-Mahon ficaria surpreendido se alguém lhe tivesse dito que, num obscuro recanto de África, o seu nome alguma vez seria recordado.

 

 

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