THE DELAGOA BAY WORLD

01/05/2020

JOAQUIM FAUSTINO DA SILVA, UM SINDICALISTA EM LOURENÇO MARQUES

A primeira imagem, retocada, foi cedida a Luis Carvalho por Ronald Ramos, neto de Joaquim Faustino. Acompanha o texto, que editei a partir do original de Luis Carvalho, que foi publicado hoje no jornal ribatejano Mais Ribatejo, associado à celebração do feriado de 1 de Maio em Portugal, Dia dos Trabalhadores. A foto do Emancipador foi facultada pelo Ricardo Cardiga, neto de Manuel Alves Cardiga. O original da foto de Ignácio Piedade Pó está nos arquivos ferroviários sul-africanos.

 

Joaquim Faustino da Silva.

(início)

Neste 1.º de Maio de 2020 recorda-se aqui Joaquim Faustino da Silva, que se salientou na história social em Moçambique enquanto sindicalista em Lourenço Marques.

Joaquim nasceu no Vale de Santarém, em 1891. Ainda muito jovem, iniciou-se nas lutas laborais em Almeirim, quando ali trabalhou como empregado do comércio. A grande reivindicação deste sector profissional era, na altura,  pelo direito dos operários a poderem gozar um dia de folga por semana.

Rumou depois para Lisboa, onde, por volta de 1909, se tornou militante activo do antigo Partido Socialista Português, de cariz operário e marxista. Ali assistiu ao golpe de Estado republicano que derrubou a monarquia, no final de 1910 e instaurou um regime republicano laico e radical.

Esteve pela primeira vez em África durante a Primeira Guerra Mundial, quando foi enviado como soldado para Angola, e aí ficou durante um ano, após o que regressou a Portugal.

Em 1918 emigrou para Moçambique, onde foi trabalhar nos Caminhos de Ferro de Lourenço Marques.

A então pequena capital moçambicana teve a particularidade de ter sido o palco da mais importante experiência sindical no contexto colonial português durante o período da Primeira República (1910 a 1926).

A estrutura portuária e ferroviária que ali se desenvolveu, para servir essencialmente os interesses britânicos na África do Sul e Rodésia do Sul, suscitou uma especial concentração de trabalhadores qualificados, vindos de Portugal, na condução e manutenção de máquinas e equipamentos e que ainda incluía outros sectores da actividade na Cidade, tais como empregados no comércio e operários da construção civil.

Cinco linhas de carruagens cheias de carvão mineral, trazidas de minas da África do Sul, para abastecer os navios atracados em Lourenço Marques, então o principal porto marítimo na costa oriental de África, década de 1920. Penso que esta é uma foto de Ignácio Piedade Pó.

Foi neste contexto que surgiram sindicatos e outras instituições de trabalhadores, tais como cooperativas, associações e imprensa e se travaram acirradas lutas laborais. Até existiu um núcleo socialista que chegou a atingir uma relevante expressão eleitoral.

O Emancipador

Na sua militância sindical e socialista, Joaquim Faustino da Silva destacou-se como um dos principais obreiros da Casa dos Trabalhadores de Lourenço Marques. Era um edifício construído de raiz em forma cooperativa, para servir de sede a vários sindicatos, com outras vertentes como uma biblioteca e uma escola.

Foi também um dos principais responsáveis pelo jornal operário e (mais tarde) antifascista O Emancipador, que ali se publicou desde 1919 até ser proibido pela ditadura de Salazar em 1937. Este jornal deixou um importante lastro histórico, na medida em que vários dos seus colaboradores estiveram na linha da frente da oposição à Ditadura em Moçambique até ao final da década de 1950.

Uma capa do Emancipador, “semanário operário” de Lourenço Marques, cujo director na altura era nada menos que Manuel Alves Cardiga, o mais tarde célebre e celebrado empresário coca-cola.

Outro traço de O Emancipador foi a admiração que nele se expressou pela Revolução Russa. O mais entusiasta terá sido Faustino da Silva, que se tornou um simpatizante da causa comunista para o resto da vida.

A repressão republicana

Em 1925, quando, no quadro de uma crise económica, as autoridades coloniais republicanas decidiram um corte profundo nas condições laborais dos ferroviários de Lourenço Marques, aproveitaram para despedir o seu mais destacado dirigente sindical nessa altura: Joaquim Faustino da Silva.

Em resposta e em solidariedade, um plenário com trezentos trabalhadores iniciou uma greve. Resistiram quatro meses. Mas acabaram derrotados à força de prisões, deportações, despedimentos e substituições com trabalhadores forçados. Famílias inteiras de grevistas foram despejadas das casas onde moravam. A Casa dos Trabalhadores foi ocupada pelo exército. E não faltaram tiros e violência.

Nessa altura, Faustino teve que passar à clandestinidade e partir depois para um exílio na África do Sul, onde viveu durante cerca de quatro anos. Aí, revelou simpatia pelo então recentemente formado Partido Comunista da África do Sul e pela postura deste contra a discriminação racial.

Faustino Antifascista

Faustino da Silva regressou à capital moçambicana no início de 1930, quando a ditadura militar instaurada em Portugal em 1926 ainda não se tinha tornado numa ditadura de cariz fascista, como viria a suceder em 1934. Com excepção do sector dos empregados no comércio, o movimento sindical livre em Lourenço Marques estava ali muito enfraquecido, mas ainda não tinha sido proibido.

Faustino juntou-se então à oposição democrática à Ditadura, como fundador e secretário-geral de um novo movimento político, a União dos Trabalhadores de Moçambique, que concorreu a umas eleição local que ali ainda se realizou em 1932. É também visível que teve nessa altura ligações com a oposição clandestina em Portugal, nomeadamente com o Partido Comunista Português.

Em 1945 surgiu como um dos fundadores e dirigentes do Movimento de Unidade Democrática (MUD) em Lourenço Marques. Em 1949 participou na campanha presidencial do general Norton de Matos, um destacado opositor a Salazar.

Memória

Joaquim Faustino da Silva permaneceu em Moçambique, vindo a falecer em Lourenço Marques em 1972, com 81 anos de idade.

Guardou até ao final da sua vida um importante espólio do antigo movimento operário daquela cidade, o qual posteriormente passou a integrar o património do Arquivo Histórico de Moçambique.

Merece certamente uma recordação na história do sindicalismo português e de Moçambique.

E também na história da terra e região ribatejana onde nasceu e onde deu os seus primeiros passos de lutador – pelos direitos da classe trabalhadora e por uma sociedade mais justa.

(fim)

10/12/2019

100 ANOS DA FUNDAÇÃO DO JORNAL O EMANCIPADOR EM LOURENÇO MARQUES

Filed under: 100 Anos do jornal O Emancipador — ABM @ 22:45

Numa louvável iniciativa dos académicos Luis de Carvalho, e Carlos Lopes Pereira, e ainda A Voz do Operário e o Centro de Estudos Africanos da Universidade do Porto, vai haver no próximo sábado na sede da Voz do Operário no centro de Lisboa (ver detalhes em baixo) uma cerimónia a assinalar a fundação do jornal O Emancipador em 1919 e que circulou em Lourenço Marques, com as habituais peripécias, até ser “suicidado” pelo regime em 1937.

A cerimónia inclui abordagens ao tema por Luis de Carvalho e Carlos Lopes Pereira e récitas por Elsa de Noronha e Alexandre de Sousa.

Sugiro ao exmo. Leitor que segue estas coisas que vá lá assistir, é um sábado à tarde e a coisa promete.

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