THE DELAGOA BAY WORLD

15/12/2023

O PRIMEIRO ASSASSINATO DE UM PRESIDENTE PORTUGUÊS, DEZEMBRO DE 1918

Filed under: O assassinato de Sidónio Pais 1918 — ABM @ 20:50

Imagens retocadas.

Esta o Exmo. Leitor não leu nos livros da 4ª Classe: a Primeira República (5 de Outubro de 1910-26 de Maio de 1926) foi apenas mais uma enorme fraude cometida por uma elite raivosa e gananciosa de Lisboa, organizada em gangs mais ou menos líricas e perfumadas e que descambou quase imediatamente desde o momento da sua imposição aos portugueses, e dali para a frente percorreu um caminho descendente, até à sua eliminação em 1926, quando o país já estava praticamente em guerra civil e falido, um caos e onde já valia tudo. A alteração prática de um sistema monárquico reconhecidamente em crise para um sistema presidencial apenas mudou um pouco a tónica do discurso. Os sucessivos líderes republicanos afinal percebiam tanto de gerir e melhorar um país como eu de ciência espacial. E, como ainda hoje, todos falavam, falavam, falavam, mas não faziam quase nada de útil. E, como hoje, quem se lixa é o povo. que sobrevive ou emigra.

Mais do que tudo, foi dessa crise, e da memória desse período horrendo, que resultou uma das ditaduras mais longas da Europa. Na verdade, quem ler bem os documentos primários, Salazar nem sequer tinha que justificar ideologicamente a sua ditadura de partido único e a violência dos instrumentos que usava para reprimir os seus extremos (dum lado os comunistas, e do outro os fascistas e os naziófilos). Bastava aludir, ao de leve, as esses tempos, e toda a gente percebia: não se pode voltar a esses tempos. Nunca mais. E o “nunca mais” durou até 1974.

Claro que o Estado Novo continha o que considero tiques de personalidade do Ditador: um economicismo quase bacoco (mas que funcionou lindamente até 1945), a exortação exacerbada dos “tempos glórios” que desembocava na teima de que as colónias “herdadas” nunca se podem largar, um recentrar do catolicismo na vida cívica do país que até foi popular mas que foi demasiadamente forçado e que acabou sendo um oscilar do pêndulo em relação às escandalosas perseguições da Primeira República.

Um dos episódios enigmáticos dessa era caótica, em que governos, eleições manipuladas, parlamentos e leis se sucediam a um ritmo alucinante, foi a presidência de Sidónio Pais, primeiro sinal e prenúncio do que viria em 1926, antecedido, seis mese santes, por um estranho fenómeno social, ocorrido nas profundezas do mato português, em que multidões asseguravam que nada menos que Maria, a Mãe de Jesus, tinha surgido, e falado, num buraco perdido perto da localidade de Fátima, com três crianças pobres e analfabetas, chamadas depois os Pastorinhos.

A presidência de Sidónio Pais durou aproximadamente um ano, de 8 de Dezembro de 1917 até ao dia 14 de Dezembro de 1918, um mês e uma semana depois de uma Europa exangue ter conseguido negociar um armistício com o Império alemão, efectivamente uma rendição, mesmo quando a Alemanha ainda comandava regiões inteiras da França.

Estupidamente, a elite de Portugal estava entre os Aliados desde 1916, convencida da vitória aliada e de que assim preservaria as suas colónias e ganharia aguma coisa mais. Claro que ninguém ganhou coisa nenhuma com essa guerra, que, dependendo de como se lâ a História, duraria até à caída do muro de Berlim em Novembro de 1989.

Sidónio, que fora embaixador de Portugal em Berlim entre Agosto de 1912 e Março de 1916, era contra a entrada dos portugueses no conflito.

Populares em Lisboa juntam-se na Praça do Comércio para celebrar, ao tomarem conhecimento do Armistício, celebrado a 11 de Novembro de 1918.

Bem, na conferência dos espólios e indemnizações em Versailles Portugal recebeu “de volta” o Triângulo de Quionga, no extremo norte da sua colónia na África Oriental, a nesga de território que hoje permite aos moçambicanos alimentar sonhos húmidos de riquezas fabulosas a vender os mesmos gases offshore altamente poluentes que, segundo o COP do Dubai 2023, todos somos supostos deixar de usar em 2050. Portanto, a elite de Maputo tem exactamente 27 anos para chupar o que puder do gás natural e do carvão de Tete, enquanto que ao mesmo tempo vai afirmar-se vítima dos efeitos das alterações climáticas advindas do mesmíssimo gás e carvão que vende, e pedir ajuda aos mais endinheirados. Presumo que parte deste dinheiro há-de chegar ao povo. Do outro, nem pensar.

O Ano de Sidónio foi não menos alucinante que o resto da Primeira República. Com três diferenças de fundo: 1) ele decidiu governar sozinho, acumulando a presidência com o poder executivo, ignorando o parlamento, recorrendo a decretos “dictatoriais”; 2) reverteu o anticlericalismo ferrenho que caracterizava o regime desde 1910; e 3) aprova um decreto que prevê que, pela primeira vez, o Presidente da República (neste caso, ele) seria eleito directamente pelos eleitores, passando a legitimidade do cargo para fora da alçada dos políticos.

O povo gostou.

Entretanto em Abril de 1918 aconteceu o desastre de La Lys, um campo de batalha na França, em que em 3 horas os alemães mataram uns sete mil soldados e oficiais portugueses. De repente, o liricismo bélico e a ideia de defender as colónias (havia guerra no Sul de Angola e no Norte de Moçambique, ambas desastrosas também) passou a ter um tom mais sombrio.

O verão de 1918 foi um caos contido, Que piorou quando, finda a guerra, parece que não havia maneira de repatriar as tropas portuguesas.

Entretanto veio a Pandemia da chamada Gripe Espanhola. As ruas de Lisboa encheram-se de mortos e ninguém sabia o que fazer.

No dia 14 de Dezembro, ao se dirigir à Estação ferroviária do Rossio para uma deslocação, Sidónio foi assassinado a tiro por José Júlio da Costa, um qualquer.

Júlio da Costa mata o presidente a tiro na Estação do Rossio.

Foi uma comoção nacional.

Postal da época, em que se cita a alegada última frase de Sidónio antes de morrer.

Sidónio seria sepultado na Sala do Capítulo do Mosteiro dos Jerónimos após um mega-funeral. Os seus restos seriam transferidos para o então recentemente inaugurado Panteão Nacional em 1966, onde ainda se encontra, ao pé do Eusébio e da Amália.

A Primeira República retomou o clima de circo político de antes, que duraria até o Marechal Gomes da Costa impor a Ditadura em 1926, que acabou com a experiência.

José Júlio da Costa, o assassino, nunca seria julgado nem nunca seria libertado. Morreu em 1946.

Ontem fez 105 anos que Sidónio foi morto na Estação do Rossio.

Um dos seus filhos, Afonso Pais, médico, viveu muitos anos em Lourenço Marques. Samora conhecia-o perfeitamente.

Site no WordPress.com.