THE DELAGOA BAY WORLD

10/10/2017

A CANHOEIRA CHERIM E O INÍCIO DO DOMÍNIO PORTUGUÊS EM MOÇAMBIQUE

Um sítio de leilões pela internet em Portugal recentemente leiloou as duas fotografias que se seguem. Chamou-me a atenção a breve referência, feita nas anotações, a Moçambique.

A Canhoeira Cherim, em Moçambique.

 

O pessoal da Canhoeira Cherim, fim do Século XIX. Brancos para um lado, pretos para o outro….enfim.

No último quartel do Século XIX, a Cherim fazia parte, juntamente com a Maravalt, da chamada Esquadrilha do Zambeze, encarregada de fazer algum policiamento português naquele rio e promover o que se chamavam “acções de soberania”, sendo que a soberania portuguesa, quer sobre a navegação do rio, quer sobre os territórios por onde passava, não estava mínimamente assegurada, nem era ainda reconhecida internacionalmente (para ser mais específico: reconhecida pelas restantes potências europeias com interesses semelhantes, de que destacava o Reino Unido, desde que o Dr. Livingstone publicara o seu livro essencialmente a dizer que aquilo era bom era para o Império Britânico).

Ou seja, quando o punhado de portugueses no Zambeze não estavam aos tiros com os nativos, estavam aos tiros com os britânicos.

A Cherim foi, juntamente com a Cuama, adquirida em 1889 por Portugal na Inglaterra para servir a Real Marinha de Guerra Portuguesa nos rios de Moçambique e ambas serviram naquele território entre 1889 e 1903.  Trata-se de um navio de uma roda propulsora movida a vapor, que deslocava 34 toneladas. Montava dois canhões-revólveres e duas metralhadoras.

Um breve e interessante texto de Francisco Gomes de Amorim, referente a João Azevedo Coutinho, uma das figuras incontornáveis nos anais da Marinha portuguesa e instrumental na formação do Moçambique colonial, refere assim o início da saga do então jovem João Coutinho no Norte do que é hoje aquele país – mencionando a Cherim:

Ainda não era oficial e já andava pela África, fazendo levantamentos no rio Muíte, defronte da ilha de Moçambique. Comandou, como guarda-marinha, na­quela colónia, os iates de vela “Luzio” e “Tungue”, e depois as canhoneiras “Maravalt e “Cherim”, o vapor “Auxiliar”, e mais tarde a “Liberal” e o transporte “Salvador Correia”.

Em 1885 combateu o régulo Sangage, que avassalou. Contava, então, vinte anos. Continuou a sua acção no Moguinquale e no Infusse.

Comandou a “Cherim” quando Serpa Pinto chegou à África com a sua missão encarregada de operar pelo lado do Zambeze, Chire e Ruo, nas vésperas do ul­timato. O fim da expedição consistia em manter o do­mínio português naquelas regiões onde os ingleses iam captando alguns régulos e entre eles o de Macololos.

Em 1889 foi encarregado de reduzir aqueles povos à obediência, em Chilomo, onde o gentio se entrinchei­rara. A tripulação da “Che­rim” compunha-se de dez brancos e trinta e quatro negros, que chegaram para vencer os rebeldes. O moço comandante viu o seu chapéu varado pelas balas.  Admirados pela vitória, os indígenas espalharam a sua fama e passou a ser conhecido por Musungo Icuro ou M’Pezene. Tomou a seguir as terras de Massea e Katunga; aprisionando o filho do soba e logo o régulo Gambi, estendeu o domínio português do Ruo ao Milange.

Portugal celebrou as suas vitórias e o nome do bravo tornou-se ilustre. Comandara vinte acções militares. O consul inglês Johnston, declarou que os Macololos estavam sob a protecção britânica e pretendeu impedir o avanço dos expedicionários, o que não conseguiu. Nasceu desta questão o ultimato [de 11 de Janeiro de 1890]. O seu nome ressoou mais intensamente e o Parlamento proclamou-o Benemérito da Pátria. Aos 24 anos de idade.

João Azevedo Coutinho, então um jovem, posa para uma fotografia com um miúdo. Tinha mais que 1.90 metros de altura. Aos 24 anos de idade era comemorado como um herói pelo establishment português e venerado na Vila onde nasceu, Alter do Chão.

Coutinho viria a desempenhar um papel crucial na imposição da Pax Lusitana na nascente colónia da África Oriental Portuguesa, pelo qual seria celebrado no seu país, intervindo contra os Namarrais, o Reino do Barué e noutros palcos, eventualmente sendo nomeado Governador-Geral, cargo que exerceu entre 1905-1906. Monárquico fiel ao seu Rei, a I República maltratou-o, forçando-o a uma longa travessia do deserto, que durou quase até à sua morte, em 1944. A sua imagem ilustrou as notas de cinquenta escudos em Moçambique entre 1970 e…..meados de 1980, quando a Frelimo introduziu o Metical e retirou o Escudo da circulação.

Nota de 50 escudos, que circulou em Moçambique entre 1970 e meados de 1980, com uma imagem de João de Azevedo Coutinho, neste caso já depois da Independência, como se pode ver pelo “Banco de Moçambique” estampado na face.

 

Quanto ao nome da canhoeira, a explicação é dada na página 106 de um livro de 1929 escrito por Sir Harry Johnston, um protagonista britânico da corrida a África  na segunda metade do Século XIX:

Excerpto do livro de Sir Harry, referindo a origem da designação usada para a Canhoera Cherim.

Cherim, é, então, o nome de um rio, tributário do Zambeze. O nome é um aportuguesamento de um termo usado localmente, significando “margem alta”. Ao rio os britânicos chamavam Shire e esteve na altura, no centro de um grande conflito diplomático entre Portugal e o Reino Unido.

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