THE DELAGOA BAY WORLD

02/09/2020

MARIA CARLOTA QUINTANILHA COM OS ALUNOS NA ESCOLA GENERAL MACHADO EM LOURENÇO MARQUES, ANOS 60

Imagem retocada e pintada por mim.

Maria Carlota Quintanilha foi uma dos professores memoráveis da Escola Preparatória General Joaquim José Machado (“a José Machado”), situada numa ruazinha na fronteira entre a Polana e a Maxaquene, em Lourenço Marques. Talvez isso ajude (um pouco) a explicar a presença de apenas um aluno de raça negra na fotografia. Uma curiosidade que hoje pode ser considerada obsoleta é que, obrigando a escola ao uso de uma farda meio militarizada (eu andei lá e achava-a simplesmente horrível) todas as balalaicas que aparecem na fotografia eram feitas manualmente em alfaiates. No meu caso, foi a minha mãe que a costurou em casa(fez duas), depois de comprar pano na Baixa.

A fotografia foi tirada na parte traseira da Escola, podendo-se ver atrás as salas de aula de trabalhos manuais.

Se o Exmo. Leitor conhecer algum dos presentes (ver a mesma fotografia numerada em baixo), por favor escreva uma nota para aqui.

 

A fotografia, numerada. Maria Carlota Quintanilha corresponde ao número 7.

Surpreendi-me de encontrar um esboço biográfico da Professora Quintanilha e do irmão, que deslumbram e seguem, com retoques:

Maria Carlota de Carvalho Quintanilha nasceu no dia 11 de Novembro de 1923, em Coimbra. É filha da bióloga Maria Suzana de Carvalho e do cientista Aurélio Quintanilha (este açoreano de nascimento).

Após o divórcio dos pais, ficou a viver com o pai. Quando este se exilou na Alemanha e em França, devido ao facto de ser contra o Estado Novo, ela e a irmã foram com ele. A sua madrasta, Lucya Tiedtke, mãe do seu irmão Alexandre Quintanilha [ver em baixo], terá uma forte influência na sua educação. O início da Segunda Guerra Mundial faz com que regresse a Portugal, onde irá morar em Lisboa com a mãe, que era professora no Liceu Feminino Filipa de Lencastre.

Depois de concluir o ensino médio, Carlota Quintanilha começou a estudar arquitectura na Escola Superior de Belas Artes de Lisboa. Sentindo que não é bem aceite no meio académico lisboeta por ser mulher, transferiu-se para a equivalente no Porto, onde se forma em 1953, com 17 valores. O seu projecto final, um jardim infantil em Vila real, mostra a sua preferência por uma arquitectura moderna. No mesmo ano, casa-se com João José Tinoco e parte com ele para para o Cunene, no sul de Angola. Lá trabalhou como arquitecta e em projectos com o marido.

Em 1956, Quintanilha e Tinoco mudaram-se para Lourenço Marques (hoje Maputo). Lá, ensinou design e geometria descritiva em várias escolas secundárias e profissionais, nomeadamente na Escola Industrial, na Escola Comercial, na Escola Preparatória do Ensino Secundário General Joaquim José Machado, na Escola Preparatória Feminina de Lourenço Marques e no Liceu António Enes. Ao mesmo tempo, desenhou várias obras para clientes privados e governamentais, parte delas em colaboração com o marido Tinoco e o amigo Alberto Soeiro.

Em 1972, Quintanilha regressa a Portugal, trazendo consigo a sua experiência e conhecimento do clima tropical de Angola e de Moçambique, que aplica em projectos arquitectónicos para o Laboratório Nacional de Engenharia Civil.

Em 1973, foi trabalhar no Ministério da Educação e Investigação Científica, onde esteve até ao final da década de 1980 (reformou-se em 1989), para o qual elaborou estudos prévios que visavam a ampliação e intervenção em equipamentos escolares.

O marido faleceu em 1983.

(fim)

Sobre o seu irmão Alexandre Quintanilha, que tem costela Coca-Cola, um resumo biográfico refere o seguinte (editado por mim):

Alexandre Tiedtke Quintanilha nasceu em Lourenço Marques em 9 de Agosto de 1945 (o dia em que os EUA lançaram uma bomba atómica sobre a cidade japonesa de Nagasaki) e é filho do Prof. Doutor Aurélio Quintanilha, biólogo especialista em botânica, natural dos Açores, e de mãe alemã, Lucya Tiedtke, Alexandre Quintanilha, que tinham ido viver para Moçambique na década de 1940.

Completou o liceu em Lourenço Marques, tendo prosseguido os estudos universitários na África do Sul, licenciando-se em Física Teórica em 1968 na Universidade de Witwatersrand, em Joanesburgo, e doutorando-se em Física do Estado Sólido em 1972, na mesma universidade.

Trabalhou durante vários anos na Universidade da Califórnia em Berkeley, nos Estados Unidos, onde foi diretor do Centro de Estudos Ambientais, tendo desenvolvido investigação nessa área. Entre 1983 e 1990, foi diretor assistente na secção de Energia e Ambiente do Laboratório Nacional Lawrence, nos EUA e, entre 1987 e 1990, desempenhou o cargo de diretor do Centro de Estudo de Tecnologia da Biosfera.

Em 1991 foi nomeado diretor do Centro de Citologia Experimental e professor no Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS), da Universidade do Porto. É professor catedrático jubilado do ICBAS, diretor do Centro de Citologia Experimental e coordenador do Instituto de Biologia Molecular e Celular, situado também no Porto.

Publicou perto de 100 artigos em várias revistas científicas de nível mundial, foi editor e autor de seis volumes nas áreas da Biologia e Ambiente, foi consultor redatorial da Enciclopédia de Física Aplicada e escreveu dezenas de artigos e relatórios em livros, revistas e jornais de divulgação, sendo ainda coordenador e autor de vários trabalhos nas áreas da Biologia, do Ambiente e da Física Aplicada.

(fim)

29/10/2017

ALEXANDRE QUINTANILHA E LOURENÇO MARQUES

Filed under: Alexandre Quintanilha - cientista — ABM @ 13:16

Excerto de uma entrevista do cientista Alexandre Quintanilha (física teórica, temática em que se doutorou), que nasceu e cresceu em Lourenço Marques, feita por Luis Silvestre e publicada na revista Sábado em 6 de Agosto de 2015.

Alexandre Quintanilha aborda a sua infância e adloescência Coca-Cola.

 

(….)

Eu fui um mau aluno durante o liceu. Até ao equivalente ao actual 9º ano, eu só passava com nota 10. E no 10º ano tive um professor que fez um coisa extraordinária…

Foi o professor de Biologia, certo?

Sim. Era o professor Lacerda. Começou a falar sobre a fauna e a flora em África onde nós vivíamos. Até então só falávamos de Portugal continental, de macieiras, pereiras e cerejeiras, que eu nunca tinha visto. Eram árvores que não se viam em Moçambique. Havia papaeiras, mangueiras, bananeiras. Ele fez uma visita de estudo a um mangal, onde havia seres fantásticos, como peixes com pulmões e guelras. Foi nessa altura que a minha curiosidade deu um salto. E ao lado havia as barreiras de coral, na ilha da Inhaca.

Que idade tinha?

Tinha 14 ou 15 anos. Mas também tive um professor de física, que eu não percebi nada do que ele dizia.

Se a Física era a disciplina onde tinha mais dificuldade, porque foi essa a área que decidiu estudar na Universidade?

Não sei explicar, mas suspeito que era por ser a área onde havia mais mistério. E no século XX era a área onde havia mais avanços. No final do século XX foi a Biologia que se tornou mais fascinante para mim. Basta pensar que 99% do material genético do corpo humano, não é humano. Trata-se de vírus, fungos e outros microoganismos que transportamos e vivem em simbiose connosco. Somos um ecossistema ambulante.

O seu pai, Aurélio Quintanilha, era biólogo e foi um opositor de Salazar. Esta sua nova ligação à política, como cabeça de lista pelo PS no Porto, teve raízes na sua infância?

Eu ainda não sei se sou político. Aceitei um desafio de integrar um grupo com um pensamento e para os próximos quatro anos que faz muito mais sentido do que o que está a ser feito hoje. Eu tenho tido uma intervenção na política, na questão do aborto, na toxicodependência, na liberdade de cada um poder realizar-se da forma que escolhe foi algo que eu aprendi tanto do meu pai como da minha mãe.

A sua mãe era alemã…

Sim ela passou a sua juventude em Berlim nos anos 20. Nessa época era a capital do mundo, a nível científico e cultural. A minha mãe não teve educação universitária, trabalhava num grande armazém de roupa. Chamava-se Ludovica mas todos a conheciam por Luci. Foi lá que o meu pai a conheceu. Quando se mudaram para Moçambique, a minha mãe era a única mulher que ia ao café sozinha. Quando tinha cinco anos de idade quase ia morrendo porque queria saber como funcionavam as fichas eléctricas.

Esse espírito progressista foi influência dos seus pais?

Provavelmente. O meu pai foi um anarco-sindicalista no início do século XX. Foi perseguido por Salazar, mas também foi perseguido na época da I Guerra Mundial, ele era um pacifista e estava contra a guerra, teve de fugir para a Galiza e chegou mesmo a ser preso. Depois, na II Guerra Mundial alistou-se como voluntário no exército francês, quando já tinha cerca de 50 anos. Acabou por não combater porque a França assinou o armistício. Vivia em Paris, estava a trabalhar no Jardim Botânico da cidade. Ele acreditava que era preciso combater o nazismo.

Ele era professor catedrático em Coimbra e foi e expulso por Salazar, certo?

Sim, foi posto na rua por Salazar com mais nove colegas e o governo inglês soube disso e deu-lhe um bolsa de estudos para ir para onde quisesse. O meu pai escolheu Paris porque tinha lá três irmãos, todos casados com mulheres de nacionalidades diferentes. Só conheci um dos meus tios quando fui a Paris com 16 anos. Eu nasci muito tarde.

O seu pai já tinha filhos do primeiro casamento, não é?

Eu tinha duas meias-irmãs, quando nasci uma tinha 23 anos e outra tinha 20, e até já tinham filhos.

Teve contacto com essas meias-irmãs?

Muito pouco. Elas viviam em Lisboa e eu estava em Moçambique. Quando se separou da primeira mulher, o meu pai foi para Berlim e foi ele que ficou com a custódia das filhas. Mas depois elas ficaram em Portugal e tivemos pouco contacto.

A família do seu pai era do ramo Borges Coelho, muito tradicional e influente nos Açores. Ele era um rebelde?

Era a ovelha negra da família. O Vitorino Nemésio era muito amigo do meu pai. Houve amigos do meu pai por quem tive grande admiração. Adorava o sotaque do Nemésio, ficava horas a ouvi-lo, achava o sotaque açoreano lindíssimo. Outro foi o Flávio Resende, o primeiro director do Instituto Gulbenkian de Ciência. Quando tinha quatro anos, lembro-me da primeira mulher catedrática na Universidade de Amesterdão, de microbiologia, chamava-se Westerdick, era enorme e fumava cachimbo. Quando chegou a Lourenço Marques foi convidada para uma festa e fez uma cena extraordinária, toureou o presidente da câmara porque ele estava a defender as touradas. Na época era uma ousadia. Esta figura rebelde também faz parte do meu imaginário.

Na sua infância teve várias figuras marcantes?

Sobretudo o meu pai e a minha mãe. Em Moçambique, a minha mãe foi assistente técnica do meu pai.

Que outras memórias tem de África?

Todas as minhas férias eram passadas em Joanesburgo e na Cidade do Cabo. Tinha uma fauna e uma fauna espantosa, uma geografia fantástica.

Como era a vida em Lourenço Marques?

Durante a semana ia à escola e aos fins-de-semana íamos para o Clube Naval, onde eu ia nadar. Também jogava ténis.

Mas diz que nunca gostou muito de desporto, certo?

É verdade. Foi ver o Eusébio uma vez porque estava toda a gente a falar nele nessa altura, mas foi o único jogo de futebol que a que assisti em toda a minha vida. Cheguei a casa e disse ao meu pai que nem o Eusébio me conseguiu entusiasmar pelo futebol, acho que não vale a pena insistir. Mas gosto de ver basquetebol, se calhar por causa do Richard [Zimler], ele foi jogador na Universidade de Duke e ele fazia parte da equipa. Gosto de ténis feminino.

Fui muito bom nadador, em sprint ganhava a toda a gente no Liceu, mas não tinha muita resistência. Porquê ténis feminino?

Pela trajectória que teve ao longo dos anos. Foi uma coisa que ganhou presença sobretudo com a Martina Navratilova, a grande mulher que colocou este desporto na moda. Ela era muito generosa até com as adversárias. Cheguei a ter curiosidade pelo hóquei em patins. Além disso, fui muito bom nadador, em sprint ganhava a toda a gente no Liceu, mas não tinha muita resistência. Mas não pertenço a clubes, nunca gostei de rótulos.

Disse que era mau aluno na escola. Como reagiam os seus pais?

Nunca fizeram muita pressão. Quando chegou o professor Lacerda tive nota 10 no primeiro semestre, no segundo tive 14 e no último tive 19. O meu pai foi à escola ver se era engano, pensava que tinham colocado o algarismo “1” a mais [risos]. Mas os meus pais nunca fizeram pressão para eu ser o que quer que seja.

Que profissão sonhava vir a ter?

Percebi que a Biologia era fácil para mim, adorava Matemática e Geometria Descritiva. A Física era difícil. Quando fiz o exame de Geometria Descritiva no final do Liceu fui o único que tive nota 20 em todo o então Império português. Quando estava para entrar na faculdade pensei num curso que misturasse tudo isso e escolhi engenharia civil.

Foi estudar para Joanesburgo. Porquê?

Fui eu que escolhi. Falava bem inglês, a Universidade de Wits era a única que não tinha o Apartheid, tinha prestígio, já conhecia a cidade e ficava perto dos meus pais. Ainda fiz o primeiro ano de engenharia, mas percebi que o curso só tinha homens, nem uma única mulher. Eram tipos que jogavam rugby, bebiam cerveja, enfim… era um meio onde eu me sentia um extraterrestre. Pensei que não queria estar ali e decidi mudar para Física Teórica, porque tinha muita matemática e eu gostava muito. E era um curso que tinha 16 alunos com metade de rapazes e metade raparigas, com uma grande variedade étnica, que me agradava muito. Tinha ingleses, judeus, orientais e outro português além de mim… a minha primeira paixão foi uma rapariga oriental, chamava-se Shireen.

Foi a sua primeira namorada?

Sim. Eu apaixonava-me muito por caras. A família dela opôs-se ao nosso relacionamento, eram contra a mistura com europeus. Mais tarde, mandaram-na para Hong Kong para a separarem de mim. Os chineses na África do Sul, os chineses eram considerados “não brancos”. As minhas primeiras grandes paixões foram três com mulheres e três com homens.

O preconceito da família dela, afetou-o?

Sim. Senti o preconceito na pele. Ela também estava a estudar Física. Eu tinha um grupo de amigos muito chegado, era ela mais quatro rapazes. Tive paixões por três deles. A minha família era muito aberta e não me impunha barreiras. Foi um período em que eu estava a descobrir o que estava a sentir. Tive uma intimidade física e intelectual enorme com estas três pessoas, muito profunda. Todos vieram passar férias comigo a Lourenço Marques e foram muito bem recebidos pelos meus pais.

Tinha essa abertura em casa?

A minha mãe dizia que o mais importante era sermos felizes. Era muito afectuosa. Curioso, ela era uma alemã com espírito latino. O meu pai era mais reservado, um latino com espírito germânico, muito rigoroso e organizado. Lembro-me que ele não queria que eu passasse o sabão pela água, porque o diluía. Era muito poupado. Tinha horários rígidos e fazia ginástica todas as manhãs, até aos 90 anos. Era muito cuidadoso com a comida e o trabalho.

Apesar de ter duas meias-irmãs mais velhas, foi criado quase como filho único?

Totalmente. Mas isso não me afectou nada. Em Moçambique, as pessoas viviam muito fora de casa. Uma das coisas que me recordo é que no 3ºano do Liceu vim estudar para Lisboa e odiei. Fiquei em casa da minha tia, era muito frio e senti que estava num espaço fechado. Estudei no Liceu Pedro Nunes, gostei de alguns professores, mas só me queria ir embora por causa do frio que sentia em Portugal.

Como é que um mau aluno se transforma num cientista reconhecido?

Eu também não gostava muito de química. Mas gostava muito de outras disciplinas, como matemática e biologia.

(…)

 

A totalidade da excelente entrevista pode ser lida aqui.

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