THE DELAGOA BAY WORLD

02/06/2021

O PROFESSOR RUI GOUVEIA NO LICEU SALAZAR EM LOURENÇO MARQUES

Tenho um pedido a fazer. Gostava de escrever neste blogue um esboço biográfico do Professor Rui Gouveia, que foi docente de Desenho no Liceu Salazar em Lourenço Marque durante décadas e onde mais tarde foi Vice-Reitor e depois Reitor. Sei que ficou em Moçambique depois da independência e depois perdi-lhe o rasto.

Certamente que causou uma impressão e encontro algumas referências específicas à sua pessoa:

Otelo Saraiva de Carvalho – Em Otelo o Revolucionário, o biógrafo Paulo Moura menciona o Dr. Gouveia de raspão, na parte em que o futuro operacional e mastermind do golpe militar que acabou com o regime criado por Salazar em 1974, estava em Lourenço Marques (onde nasceu em 31 de Agosto de 1936) e no liceu:

Rui Gouveia concebeu os cenários de uma peça de Almeida Garrett em que Otelo representou com Isabel Vila Maior, uma colega no Liceu Salazar.

Carlos Nogueira – Numa entrevista dada ao jornal português Público, publicada em 21 de Setembro de 2012, é mencionado assim pela entrevistadora: “Na sua formação, destaca um professor do liceu de Lourenço Marques (hoje Maputo), Rui Gouveia, que também pintava, “e nunca será conhecido. ‘Esse foi o professor do princípio. Emprestava-me livros, tintas, dava-me tintas que mandava vir da Europa, e foi importante no sentido de me dar achas para a fogueira.” – ver aqui.

António Duque Martinho – num esboço biográfico de Duque Martinho, Gouveia, que parece que foi seu coilega e amigo em Coimbra nos anos 30, é mencionado aqui.

Joaquim Chissano – o sucessor de Samora Moisés na presidência da Frelimo e de Moçambique, no livro de memórias, Vidas, Lugares e Tempos, na parte em que se queixa da sua experiência enquanto aluno preto no Liceu Salazar, tece umas não-considerações sobre Gouveia, naquela óptica (já) do “nunca confies num branco”:

Chissano: “sim, mas”. Chissano aqui procede o seu relato indicando que arriscou chumbar o ano pela nota negativa a desenho, em que pelos vistos era tão bom como eu, não fosse providencialmente salvo por uma professora que a seguir lhe deu notas positivas.

Mas para além disto não encontro quase nada, nem fotografias, do Professor Gouveia. Se algum exmo. Leitor tiver dados, ou conhecer quem os tenha, sobre ele, peço que me contacte para esta Casa….

01/03/2021

LOURENÇO MARQUES E UMA MEMÓRIA AFRICANA, POR MARCELO CORREIA RIBEIRO

Imagens retocadas, da minha responsabilidade.

Cruzei-me com o notável texto que se segue, da autoria de Marcelo Correia Ribeiro, que assina como d’Oliveira, que o escreveu ontem, domingo, 28 de Fevereiro de 2021 e o publicou aqui, num blogue chamado Incursões.  É uma memória curiosa, de um miúdo que esteve em Lourenço Marques entre 1954 e 1957, com entre 13 e 15 anos de idade – e se cruzou com o Eugénio Lisboa e o Joaquim Chissano. Voltaria a Moçambique em férias da universidade em 1962, 1964 e 1965.

Corrigi algumas gralhas menores.

Alunos no Liceu Salazar em Lourenço Marques, 1961.

(início)

Os dias da peste 189

Uma Outra Memória Africana

MCR, 28 de Fevereiro de 2021

Ai meus amigos e meus sofridos leitores! Ele há dias em que a memória vem a galope dos confins do tempo e, no caso em apreço, dos confins do mundo.

O Expresso desta semana finda traz uma série de artigos de interesse de que apenas vou destacar os da “revista”. E desses começarei por uma longa entrevista de Eugénio Lisboa, um escritor e ensaísta que conheço sei lá desde quando. Quase certamente da minha juventude em Moçambique.

Eu explico: aos treze anos, andava eu no liceu de Coimbra no terceiro ano (o da Figueira só tinha o primeiro ciclo) quando os meus pais decidiram ir para Moçambique. Ser médico entre Buarcos e a Figueira era muito pouco rentável para quem tinha dois filhos quem no ano seguinte estariam ambos fora de casa.

Por essa altura surgiu uma oportunidade de ouro ou quase. O meu pai foi convidado a ir reorganizar os serviços de saúde militares em Lourenço Marques. De facto, desde a sua incorporação como médico miliciano no Batalhão de Metralhadoras 2, estacionado na Figueira, o pater famílias sempre esteve ligado à tropa. Foi mobilizado para os Açores e à volta continuou a prestar serviço na mesma unidade. Por isso, entendeu fazer o curso de capitão miliciano o que, algum tempo depois, lhe permitiu satisfazer as exigências do lugar que iria ocupar em Moçambique.

Devo confessar que a súbita ideia de partida para tão longe não me agradou em absoluto. Iria deixar todos os amigos da terra e do Verão que naquele tempo era longo, deliciosamente longo.

Mas obviamente fomos que as lágrimas de um adolescente não comovem ninguém e necessidade de melhorar de vida era absoluta.

Em abono da verdade, devo dizer que Lourenço Marques me agradou, me enfeitiçou desde o primeiro dia. Por tudo, desde a praia até à cidade moderníssima e cheia de coisas de influência inglesa. E a Coca-Cola, proibidíssima em Portugal (vá lá saber-se porquê) não era a menor das descobertas. O liceu era outra coisa que logo me impressionou pois era misto. De facto aulas mistas eram só nos 6º e 7º anos mas a zona das raparigas era mesmo à nossa frente, separada da dos rapazes pela álea central ajardinada e pelas instalações da Secretaria, da Reitoria e do ginásio. E, à saída, claro que nos juntávamos imediatamente que isto de ser adolescente mexe, e de que maneira, no sangue de qualquer criatura, macho ou fêmea.

Depois, havia todo um outro modo de nos tratarmos uns aos outros. Na “metrópole” (uma palavra nova!) era tudo você para cá, você para lá. Ali o tu imperava e com essa subtil diferença tudo o resto começava a ser sedutoramente diverso e mais, muito mais, agradável.

A vida no Bairro Militar onde ficavam os quartéis e as casas dos oficiais e sargentos tinha como ponto central (no caso da oficialidade) o Clube Militar, onde, aliás comíamos e onde os meus pais “batiam a cartolina”. A minha mãe era uma emérita jogadora de canasta, coisa que já vinha de antes e que durou até há cerca de dez/quinze anos. A velhice e os olhos, sobretudo os olhos, arredaram-na do pano verde, muito a contragosto. O meu pai era um jogador de bridge desde o dia em que se apresentara no quartel como jovem aspirante ou alferes médico. Na altura, o comandante entregara-lhe o “Bridge Contrato” de Ely Culbertson afirmando que aquele era o “regulamento” do BM2 e intimando o jovem oficial a aprendê-lo de cor e salteado que faltavam parceiros.

A miudagem andava por ali, nos pátios e nos terrenos do clube, entretida em variadas coisas e aprendendo a andar de bicicleta e a namorar. No Verão, uma camioneta militar levava toda aquela rapaziada para a praia sob a vigilância bem humorada de um cabo branco que, ao fim e ao cabo, fechava os olhos aos “jogos de mão jogos de vilão” que os mais velhos começavam a ensaiar . ah, os primeiros beijos! E na boca, santo Deus! E aprender a abri-la…

Alunos no Liceu Salazar, 1961.

Tudo isto me foi subitamente recordado pela longa entrevista de Eugénio Lisboa que explica como o facto de Moçambique estar bem mais longe, permitiu de certo modo, uma vida cultural mais intensa, mais distante e mais livre do que em Angola.

EL lembra como o facto de haver em Moçambique muitos deportados pelo salazarismo que por lá davam aulas no liceu e faziam uma vida bastante livre, longe da censura e do olhar atento da polícia, propiciou um outro olhar sobre o mundo. Até a imprensa ajudava. Eu lembro-me perfeitamente de ler poemas do Craveirinha, do Rui Knopfli ou da Noémia de Sousa (para não citar muitos outros, Reinaldo Ferreira por exemplo) nos jornais. O Cine-clube projectava filmes russos e havia um par de instituições culturais que produziam obra de vulto. Destaco apenas, mas isso foi uma descoberta recente (anos 90), a Sociedade de Estudos de Moçambique cuja revista alcançou uma significativa longevidade e os diferentes “círculos culturais” que, desde o teatro à música erudita, conseguiam existir, sobreviver e até trazer muitos artistas que passavam pelas colónias inglesas fronteiriças. Também, é outra descoberta recente, publicavam-se revistas de carácter etnográfico, antropológico e científico dignas de menção. Por todas, refiro o “Documentário Trimestral” uma quase luxuosa publicação patrocinada pelo “Governo Geral”.

Liceu Salazar, 1961.

Quer o Documentário Trimestral, quer o boletim da Sociedade de Estudos de Moçambique, tiveram uma longa vida, cerca de cem volumes o primeiro e quase o dobro o segundo.

Resta dizer que, esta descrição é a descrição de um rapazinho branco numa cidade e numa sociedade feitas para brancos.

Por junto, tive um colega negro, o Joaquim Chissano que viria, como se sabe, a ser Presidente da República de Moçambique (acrescento, mesmo tendo sido amigo dele, que foi o melhor presidente que Moçambique teve até à data, o mais lúcido, o mais culto e o mais democrata. Tivesse sido presidente, desde o início e outro galo cantaria na baía dita “Delagoa Bay”). Ouso mesmo pensar que Lourenço Marques não seria agora Maputo (nome de um dos rios que desaguam na baía, sem qualquer significado, sequer simbólico para este recente e compósito país). Não sei se continuaria com o mesmo nome, se seria Xilunguine ou Ka Mfumo, nome de um regulado que se situava precisamente no local onde se ergueu o primitivo presídio. Contra Xilunguine militaria o facto de poder significar “cidade branca” ou “cidade do branco”- Maputo, porém, não tem sentido nem coerência histórica mesmo que tal remetesse para a soberana da “Maputoland” muito a sul, na fronteira que, todavia, preferiu a suserania portuguesa à dos ingleses.

Quanto a Lourenço Marques, seria um comerciante que todos os anos navegava de Sofala para o sul para fazer a troca de barras de cobre por dentes de elefante e outros artigos que pudessem ser encontrados na região. Não era um descobridor, sequer um militar mas um simples comerciante português ou descendente de portugueses e de africanos.

Tudo isto, esta excursão por dispersas memórias de uma cidade de onde saí para não mais voltar, aos quinze anos, só se justifica pela leitura da longa entrevista a Eugénio Lisboa que, como tantos outros democratas portugueses que ousaram sê-lo na colónia e que combateram o poder colonial, teve de se exilar e separar da terra onde crescera e sempre trabalhara. Não foi o único, obviamente. Contam-se pelos dedos os que continuaram teimosamente a viver em Moçambique, afastados, como antes!, do governo da cidade e sempre olhados com suspeição.

Claro que o êxodo dos colonos foi geral e repentino. Bastou uma dúzia, nem tanto, de discursos inflamados de Machel (há um atribuindo a culpa da falta de papel higiénico aos portugueses em fuga que é uma peça de antologia) para tudo o que era técnico, profissional liberal, comerciante ou pequeno industrial para os aviões e barcos se encherem. Para a África do Sul e para a Rodésia partiram outros tantos milhares. De um momento para o outro Moçambique viu-se numa situação desesperada que a guerra agudizou e a “solidariedade” do bloco de Leste nunca conseguiu sequer minorar. Não irei ao ponto de afirmar que é um Estado falhado mas convenhamos que, por enquanto, pouco mais é do que isso. A longa guerra civil, as guerras larvares no centro e no norte mostram à sociedade que a receita do partido único não produz qualquer efeito nem melhora a vida das populações.

Eugénio Lisboa, 90 anos lúcidos e atentos, é uma das últimas testemunhas de uma geração que se pensava portuguesa e africana e que acreditava na independência de Moçambique. Deixa uma obra notável, na qual sobressai um conjunto de seis livros de memórias (“Acta est fabula” 5 volumes e “Epílogo”) que muito boa (ou má…) gente deveria ler antes de dizer fosse o que fosse sobre África.

E hoje, domingo triste e solarengo, com as pessoas encafuadas em casa, o rapaz que fui nas terras banhadas pelo Índico, viu-se subitamente a sair à socapa do liceu com mais outros do mesmo jaez e descer as “barreiras” até à praia da Polana e entrar mar adentro fugido às aulas e rumo à aventura.

Isto dava um “msaho” lá isso dava. Falta-me é talento e marimbas das de Zavala, terra musical entre todas.

Vai esta para muitos que não sei se vivos ou mortos e que as voltas da vida me fez perdê-los de vista. E um abraço ao Joaquim Chissano. Olha pá, eu era o gajo que veio da metrópole para o 3º C e ficava logo depois de ti. Um kokuana, portanto…

Para ler: além do Lisboa, evidentemente, um livro de Alexandre Lobato, um excelente historiador de Moçambique, citado por E L : “Lourenço Marques, Xilunguine (biografia da cidade) ” um belíssimo livro editado pela Agência Geral do Ultramar em 1970. De Lobato, recomenda-se tudo que é bastante e sempre exemplar.

a vinheta : Lourenço Marques anos sessenta

PS: Da “revista” destaque ainda para dois artigos. A crítica ao 2º volume da Obra Poética de António Ramos Rosa e um texto de Guta Moura Guedes “ir ao encontro” sobre o Padrão dos Descobrimentos. Dois textos contra a desmemória e a burrice.

(fim)

28/10/2013

A VISITA A MOÇAMBIQUE DO MINISTRO DOS NEGÓCIOS ESTRANGEIROS DA REPÚBLICA DEMOCRÁTICA ALEMÃ, 1974

Filed under: Joaquim Chissano, MNE da RDA em Moçambique 1974 — ABM @ 01:30

Otto Winzer, ministro dos Negócios Estrangeiros da Alemanha de Leste, visita Moçambique meses antes da proclamação da Independência.

Otto Winzer, ministro dos Negócios Estrangeiros da Alemanha de Leste, visita Moçambique meses antes da proclamação da Independência.

O MNE da Alemanha de Leste com guerrilheiros da Frente de Libertação de Moçambique.

O MNE da Alemanha de Leste com guerrilheiros da Frente de Libertação de Moçambique.

Durante uma cerimónia em que o MNE da República Democra´tica Alemnã em Lourenço Marques.

Durante uma cerimónia em Lourenço Marques em que o MNE da República Democrática Alemã esteve presente.

O MNE da RDA entrega uma prenda ao Jovem Joaquim Chissano, então primeiro-ministro do Governo de Transição de Moçambique, que já era controlado pela Frente de Libertação de Moçambique.

O MNE da RDA entrega uma prenda ao então Jovem Joaquim Chissano, então primeiro-ministro do Governo de Transição de Moçambique, que já era controlado pela Frente de Libertação de Moçambique, e que tomou posse no dia 20 de Setembro de 1974. Pouco depois desta foto ter sido tirada Winzer deixou o cargo por razões de saúde e faleceu em Março de 1975.

12/06/2013

SAMORA MACHEL EM REUNIÕES DE ESTADO EM BRUXELAS, ANOS 80

Grato ao João Melo de Sampaio, que identificou o local e as pessoas.

Foto 1

Foto 1. Samora com Gastom Thorn, Presidente da Comissão Europeia, em Bruxelas.

 

Foto 2.

Foto 2. Segundo JMS, “Samora em Bruxelas com Gastom Thorn, Presidente da Comissão Europeia 1981-85, e Edgar Pisani, Comissário Europeu para o Desenvolvimento.

 

Foto 3.

Foto 3. Samora Machel.

Foto 4.

Foto 4.

Foto 5.

Foto 5. Samora Machel, Armando Guebuza, Jacinto Veloso. Em cima da mesa, caixas cheias de charutos Bolivar. Em frente a Samora, um maço de cigarros Marlboro. Ao fundo da sala, desfocado, Kok Nam.

Foto 6.

Foto 6. Guebuza, Machel, Chissano, do outro lado da mesa Jacinto Veloso.

Foto 7.

Foto 7. Joaquim Chissano, Samora Machel, Armando Guebuza, Jacinto Veloso.

24/03/2013

JOAQUIM CHISSANO, SEGUNDO PRESIDENTE DE MOÇAMBIQUE

Filed under: Joaquim Chissano — ABM @ 17:48

Joaquim Chissano, fotografia do segundo presidente de Moçambique, autografada e oferecida a alguém na ex-RDA, que precisa de algumas massas e pôs o original à venda no Ebay. Os tempos mudam....

Joaquim Chissano. Fotografia do segundo Presidente de Moçambique, autografada e oferecida a alguém na ex-RDA, que precisa de algumas massas e pôs o original à venda no Ebay. Os tempos mudam. Antes, foi Ministro dos Negócios Estrangeiros de Samora Machel e Primeiro-Ministro do chamado Governo de Transição. Tive que dar uns retoques para ficar como se vê.

20/02/2012

O DIA DA INDEPENDÊNCIA DE MOÇAMBIQUE: 20 DE SETEMBRO DE 1974

Fotografia obtida por Paulo Pires Teixeira de arquivos em Moçambique e gentilmente cedida. Restaurada.

 

Cerimónia de tomada de posse do Governo de Transição de Moçambique - Domingo, dia 20 de Setembro de 1974. A partir deste dia Moçambique passou a ser governado pela Frelimo. Na imagem, Joaquim Chissano, 35 anos de idade e empossado como primeiro-ministro, discursa. Chissano terá sido o primeiro negro a matricular-se no Liceu Salazar, em 1951. Juntou-se à Frente em 1963. De bigode ao lado, o Alto-Comissário Vítor Crespo, assiste.

08/02/2012

O “PERÍODO DE TRANSIÇÃO” PARA A INDEPENDÊNCIA E AS SETE FRELIMOS EM 50 ANOS

A bandeira nacional de Moçambique.

Reflecte-se, estes dias, por decorrer em 2012 o 50º aniversário da constituição da Frente de Libertação de Moçambique, sobre o que foram esses 50 anos.

Comecemos pelo evento seminal de toda essa experiência: a Independência em 1974.

Pequena recordação das festividades, no dia escolhido pela Frente de Libertação em 1974 para a independência formal do território.

Formalmente, decorrente dos Acordos assinados em Lusaka no dia 7 de Setembro de 1974, estabeleceu-se uma trégua militar (Moçambique foi o único teatro da chamada Guerra Colonial portuguesa onde, após o golpe militar em Portugal ocorrido no dia 25 de Abril de 1974, a guerra não só não parou como de facto recrudesceu, por opção da Frelimo (e alguma desistência por parte da força militar portuguesa), cuja forma de abordagem na altura permaneceu essencialmente militar, e implementou-se algo a que se chamou “Periodo de Transição” (ver o folheto em baixo).

Mas na realidade, não houve qualquer transição.

Ou melhor, No dia 20 de Setembro de 1974, após um breve, vigoroso protesto de principalmente portugueses e moçambicanos brancos na zona de Lourenço Marques, ainda hoje conotado como uma tentativa frustrada de UDI (o que considero totalmente descabido) de que resultaram graves distúrbios até hoje não inteiramente esclarecidos, e com o apoio activo das forças militares portuguesas, tomou posse um governo inteiramente controlado pela Frelimo, ainda que se obedecesse à formalidade de o mesmo ser “liderado” por um alto-comissário português, a quase patética figura do Almirante Vítor Crespo, um dos Libertadores de Portugal, e de uns portugueses totalmente colaborantes (como não podia deixar de ser).

No Palácio da Ponta Vermelha, Setembro de 1974. Joaquim Chissano posa com Vítor Crespo, respectivamente primeiro-ministro e alto-comissário. Mandava a Frelimo.

Na realidade, os chamados Acordos de Lusaka (celebrados desde então com um feriado nacional em Moçambique) não foram acordos. Foram uma rendição militar portuguesa, seguida da entrega imediata do poder de Estado, por Portugal, à liderança da Frelimo.

Tal como o governo colonial, o Governo de Transição, cujo primeiro-ministro era Joaquim Chissano, administrou o território em estrita coordenação com a Frelimo em Dar es Salaam, por simples decreto, ou seja, em ditadura.

A desconfiança e os receios da comunidade branca quanto à ideologia, às intenções e capacidades de governação dos até então guerrilheiros (aparte o detalhe de se passar numa semana de uma cultura de demonização dos até então “turras comunistas” para os elogios mais rasgados à liderança do movimento nas páginas do Notícias e da revista Tempo), aclamando os “libertadores” e denegrindo tudo o que tivesse sido feito no passado, rapidamente teve efeitos.

Após um segundo incidente, breve, de tiroteio em plena baixa de Lourenço Marques (que tudo indica ter sido uma rixa entre militares que deu para o torto) no dia 21 de Outubro de 1974, o êxodo de portugueses e brancos de Moçambique, cerca de 240 mil em 1974, adquiriu um novo ímpeto.

Porto de Alcântara, Lisboa, 1975. Os caixotes dos "retornados" amontoam-se no cais. Muita gente não tinha onde os pôr porque não tinha para onde ir. Foto restaurada.

À falta de um único, ténue, sinal de tentativa de reconciliação e inclusão e de olhar para o futuro em vez do passado, por parte da Frente, em menos de dois anos, mais do que 95 por cento desta população, que constituia a quase totalidade dos quadros governamentais e empresariais (e médicos, enfermeiros, engenheiros, técnicos, professores, mecânicos, etc)  abandonou Moçambique, sem qualquer ajuda e perdendo o pouco ou muito que tinham, perspectivando um futuro totalmente incerto e quiçá sombrio. Para estes, espalhados por todo o mundo e rotulados como retornados em Portugal, acabaram-se os “bons” velhos tempos, agora preservados em memórias vívidas, punhados de fotografias a preto e branco e os filmes “do outro lado do tempo”, displicentemente acusados por alguns idiotas desconhecedores, de saudosismo ressabiado e até reaccionário.

Pois é.

A reacção do governo de Transição e da Frelimo foi categórica e pode-se resumir ao seguinte: por direito, quem manda em Moçambique é o Comité Central da Frelimo e mais ninguém, e quem não estava com a Frelimo estava contra a Frelimo.

É neste clima de exaltação nacional e também tragédia grega, que se comemora a data da Independência formal, no dia 25 de Junho de 1975.

Um dos eventos precursores da "marcha" de Samora para Lourenço Marques e a celebração da Independência foi o transporte, em mão, da "Chama da Unidade", de norte para Sul de Moçambique, na qual participou o António José de Morais, em cima à direita. Esta fotografia é sua, que restaurei. A chama chegou ao estádio da Machava no dia 26 de Junho.

Na prática, Moçambique passou de um regime de partido único de índole colonial para outro regime de partido único, de índole nacionalista e comunista.

Samora num passeio pelo país. Atrás dele, Marcelino dos Santos à esquerda e do outro lado Armando Emílio Guebuza. Para ver esta fotografia em tamanho maior, prima duas vezes na imagem com o rato do seu computador. Foto restaurada.

O povo moçambicano, então quase totalmente rural (à excepção dos arredores de Lourenço Marques, Beira e Nampula), pobre e analfabeto, absolutamente encantado com a novidade de ter dos seus a governar e electrizado por um futuro róseo de independência e ainda pelo enorme carisma de Samora Machel, cujo deliberado culto de personalidade se iniciou logo início no chamada “fase” de Transição, não reparou, nem tinha a mínima noção dos planos da Frelimo de, logo em seguida, envolver o país em guerras com a África do Sul e com a Rodésia, os últimos redutos de governação por uma minoria branca na África Austral.

O significado – e o custo absolutamente formidável em termos humanos e materiais – do lema “a luta continua”, depressa se começou a entender após a realização, nove meses mais tarde, da cerimónia formal da proclamação da Independência, por Samora Machel, recentemente chegado à cidade após uma ritual “marcha” de Norte para Sul, envergando a farda militar, num estádio de futebol em Lourenço Marques. Mas não havia quanto a isso discordância, nem era permitido haver. E, afinal, a razão e as circunstâncias da História há algum tempo pareciam que estavam do lado dos novos governantes – os “Libertadores”.

A paz, ou melhor, a ausência de guerra, essa, teria que esperar quase vinte anos, Entretanto, Moçambique suportou directamente o preço de colocar o Senhor Robert Mugabe no poder no Zimbabué e de pressionar, sem grande sucesso, o Partido Nacionalista em Pretória a negociar uma transição para a democracia na África do Sul. Em Pretória, os boers limitaram-se a demolir tudo em seu redor, jogando pelo tempo e pelo desmoronamento dos países da Cortina de Ferro, o que começou a acontecer a partir do início do segundo mandato de Ronald Reagan em 1985, ano em que Samora, sentindo a mudança de paradigma para vir, o visitou em Washington. Após uma estrondosa derrota em Cuito Cuanavale em Angola em 1988, os boers, numa posição de força, trouxeram Frederick de Klerk para a chefia do governo e negociaram detalhadamente o seu futuro.

Komatipoort, 1984: o Grande Crocodilo verga o Libertador e assim compra mais sete anos para negociar a sua posição. O ANC não pode fazer a guerra a partir de Moçambique. A Frelimo sobrevive.

No seu III Congresso, realizado entre os dias 3 e 7 de Fevereiro de 1977 no antigo Clube Militar de Lourenço Marques, corporizou-se a terceira de seis “Frelimos”, quando se instituiu um regime marxista-leninista de índole populista, em que a  Frente passou a ser o único partido autorizado e a sua palavra a única que contava. E a cúpula da Frelimo decidiu, à falta de melhor, “refundar” Moçambique e criar um novo “Homem Moçambicano”.

A terceira de seis Frelimos?

A meu ver, sim.

Vejamos em resumo:

Frelimo I

A primeira Frelimo durou entre 1962 e 1969 e resultou de uma coligação de nacionalistas de várias origens, eventualmente liderados pelo Dr. Eduardo Mondlane, secundado pelo Reverendo Uria Simango. O ponto de viragem foi o assassinato do Dr. Eduardo Mondlane em 3 de Fevereiro de 1969 e o banimento de Uria.

O Dr. Eduardo Mondlane e o Rev. Uria Simango. Foto restaurada.

Frelimo II

A segunda Frelimo existiu entre 1969 e 1974. Era militarista, hierárquica e marxizante e liderada por Samora e Marcelino dos Santos. Era basicamente uma máquina de guerra, financiada pela China, União Soviética e demais países da Cortina Ferro, com algum apoio não militar sueco. O ponto de viragem foi o golpe de Estado em Portugal e as subsequentes negociações, realizadas fora de Moçambique, na cidade zambiana de Lusaka, Lourenço Marques então tido como “terreno hostil”.

Samora Machel "warlord" e líder inconstestado da Frelimo até 1984. Hoje, o seu legado é alegremente disputado por todos, às vezes de forma hilariante. A sua viúva, Graça, defende que foi assassinado. Foto restaurada.

Frelimo III

A terceira fase decorreu entre 1974 e 1977, em que o movimento de guerrilheiros toma conta do governo do país e principalmente das cidades, e que termina com o III Congresso da Frelimo, a partir do qual o partido e o próprio Estado se confundem.

Frelimo IV

A quarta fase ocorreu entre 1977 e 1986, caracterizada por um crescendo da guerra e da ditadura, terminando com a morte por acidente de Samora Machel em 19 de Outubro de 1986, ao regressar de uma reunião na Zâmbia, tudo indicando que, se não houvesse ocorrido, grandes mudanças estariam para vir. No entretanto, viveram-se dias terríveis de medo, morte, privação, e um experimento “socialista”, largamente falhado. Uma terrível guerra civil estendeu-se ao país, mantendo a Frelimo, significativamente, o argumento dialético de que a sua oposição, a Renamo, era apenas um bando de “bandidos armados”. Em 1984, foi a vez da Frelimo se render a Pretória, sob a ameaça da sua destruição.

Frelimo V

A quinta fase, que decorreu entre 1986 e 1992, na realidade teve início cerca de dois anos antes do desaparecimento físico de Samora, culminando com os Acordos de Paz assinados em Roma no dia 4 de Outubro de 1992 e as consequentes alterações no texto constitucional, de que se destaca a admissão formal do multipartidarismo. Nesta fase, Moçambique é o país mais pobre do mundo, dilacerado e com mais de um milhão de mortos e centenas de milhares de refugiados. A Frelimo aceita fazer o jogo da “democracia” e praticar uma estranha forma de capitalismo, mas, sob a tutela de Joaquim Chissano, apoiado por uma troika de Libertadores, mantém firmemente o poder. Para o choque de pessoas como o ideólogo Jorge Rebelo e o jornalista Carlos Cardoso, os Libertadores, quase todos generais da nomeclaturatornaram-se “empresários de sucesso”. Desde então até esta data, o país vive principalmente de empréstimos, de doações, de perdões de dívida, de programas estruturados de assistência, de negociatas, com fortes indícios de corrupção e a mão invisível do FMI e do G19.

Joaquim Chissano, aqui entre o Paulo Sithoe e o Adiodato Gomes. Com a ajuda de Mário Machungo, Pascoal Mocumbi e Luisa Diogo, Chissano inaugurou a era do Moçambique pós-Samora. A Frelimo vestiu a gravata e comprou um Mercedes. O país passou a viver de donativos.

Frelimo VI

A sexta fase decorre entre 1992 e a actualidade. Com a excepção das municipalidades da Beira e de Quelimane, a hegemonia da máquina partidária da Frelimo mantém-se e é massiva, bem como a liderança, dentro dela, dos agora velhos Libertadores, que reclamam para o partido a totalidade da herança simbólica das Frelimos anteriores, adquirindo para si o património físico desses símbolos, tais como o Museu da Revolução e as instalações da primeira e segunda Frelimo na Tanzania (leia-se a interessante entrevista ao Dr. Egídio Vaz, um historiador moçambicano, na edição de hoje, 8 de Fevereiro de 2012, no semanário Canal de Moçambique, publicada em Maputo, páginas 16-20). Acentuou-se a economia dos Libertadores enquanto políticos-empresários de sucesso

Terminará quando um moçambicano não “libertador” assumir a presidência ou quando houver alguma forma de alternância à sua hegemonia, provavelmente dentro da própria Frelimo.

Nesse dia, começará a sétima Frelimo. Que ainda ninguém sabe o que vai ser, nem quando.

Folheto datado de 1974, explicando o cessar-fogo e o período de transição, Página 1 de 2. Pela leitura, parece-me ter sido feito pelos portugueses, numa tentativa (falhada) de vender o acordo e apaziguar a ansiedade dos brancos que vivam então em Moçambique.

O verso do folheto.

07/02/2012

O NÚCLEO DURO DA FRELIMO, ANOS 1980

Foto restaurada.

 

Não sei qual foi a ocasião mas as fardas chamam a atenção. Da esquerda, parece-me ser Armando Guebuza, depois Alberto Chipande, Joaquim Chissano, Marcelino dos Santos e Samora Machel. O núcleo duro da Frelimo, na altura comvertido de "frente" em partido único depois do Congresso de 1977. Anos 1980.

Create a free website or blog at WordPress.com.