THE DELAGOA BAY WORLD

17/12/2023

O PRIMEIRO VOO COMERCIAL DA TAP ENTRE LISBOA E GOA, JULHO DE 1961

Imagem retocada.

Foi uma espécie de esforço efémero, em quase total contraciclo com os ventos da História, que espelha adequadamente o choque entre as dialécticas portuguesa e do mundo (bem, da Índia neste caso) naquela altura. Enquanto que a Índia britânica se tornou independente (junta e violentamente com o Paquistão, após uma partição que faz o que aconteceu com Israel, uns meses, depois, numa brincadeira de crianças) em 15 de Agosto de 1947, e insistia na “devolução” de Goa, Salazar promovia voos regulares entre Lisboa e a capital do seu Estado.

O primeiro voo entre Lisboa e Goa ocorreu em Novembro de 1930, quando o Marão saiu no dia 1 do campo aéreo da Amadora e aterrou no aeródromo de Diu no dia 18, pilotado pelo Capitão Moreira Cardoso e o Tenente Sarmento Pimentel. Voltaram de barco para Portugal e basicamente daí nada resultou em termos de ligações aéreas entre Lisboa e a Índia Portuguesa.

Em 1951, as autoridades portuguesas criaram os TAIP – Transportes Aéreos da Índia Portuguesa – tendo o primeiro avião chegado a 10 de Agosto desse ano. Todo o historial dos TAIP pode ser lido neste precioso documento.

Em Maio de 1955 foram inaugurados três novos aeroportos na Índia Portuguesa, em Goa, Damão e Diu e asseguradas ligações entre este territórios e Karachi, no Paquistão, já que a Índia boicotava as ligações com os territórios cuja soberania reclamavam.

Só em Julho de 1961 se inaugurou uma carreira comercial regular directa entre Lisboa e a Índia Portuguesa.

Postal alusivo ao primeiro voo comercial regular da TAP entre Lisboa e Goa, 8 de Julho de 1961. Levava 19 horas e fazia cinco escalas.

A chegada do Lockheed Super Constellation da TAP a Goa nesse dia em 1961 pode ser vista neste filme da RTP. E aqui, uma semana mais tarde, um curto filme do primeiro voo de regresso de Goa para Lisboa.

Apenas cinco meses depois, a 17 de Dezembro do mesmo ano – faz hoje 62 anosna chamada Operação Victória, ordenada por Jawaharial Nehru, então o mercurial primeiro-ministro da Índia, e em dois dias, 45 mil tropas indianas invadiram (ou “libertaram”) o até então Estado Português da Índia, pondo fim a 451 anos de presença portuguesa na região, que na altura incluía os territórios de Goa, Damão, Diu, Gogolá, Simbor e a ilha de Anjediva.

Durante a invasão, no dia 18 de Dezembro de 1961, estavam estacionados no aeroporto de Dabolim um DC-4 Skymaster dos TAIP e um Super-Constellation da TAP. Depois de se efectuarem reparações na pista e na torre de controlo nessa noite, entretanto bombardeadas pelo exército indiano, os dois aviões levantaram voo para Karachi, de onde seguiram para Lisboa.

À semelhança das convulsões ocorridas com a independência da Índia britânica em 1947, quando a colónia britânica foi violetamente separada com a criação da actual Índia e o Paquistão, a tomada da Índia Portuguesa teve impacto significativo em Moçambique, para onde foram viver muitos antigos residentes da Índia, havendo ainda o triste episódio do aprisionamento de cidadãos indianos, efectivamente reféns do estado português, para posterior expulsão e troca por prisioneiros portugueses detidos pela Índia.

Portugal só reatará relações diplomáticas com a Índia após o golpe de Estado que derrubou o governo de Marcelo Caetano em 1974.

Goa parece ter sobrevivido o embate e seguido em frente. Hoje, para variar, é um dos mais pequenos Estados da Índia mas o mais rico em termos de Produto per Capita, considerado como tendo a melhor infra-estrutura e o segundo melhor índice de qualidade de vida na Índia. É um dos principais destinos turísticos em toda a Índia e admirado pelas suas praias, natureza intocada, monumentos e – oh – vida nocturna, significativa herança cultural indo-portuguesa, diversidade religiosa e arquitectura portuguesa e indiana.

Um bilhete de avião entre Lisboa e Goa pode agora ser comprado por entre 500 e mil euros, ida e volta. Os cidadãos portugueses são muito benvindos. E desde 2015, dezenas de milhares de cidadãos indianos têm vindo viver e trabalhar para Portugal (e o Reino Unido, antes deste sair da União Europeia) e outros tantos descobriram raízes portuguesas e reclamaram para si passaportes de Portugal. O ainda actual primeiro-ministro de Portugal descende de famílias com ligações a Goa. As relações entre Portugal e a Índia vão bem e recomendam-se.

Ah como as coisas mudam. Talvez um dia até possa voltar a haver outra vez uma ligação aérea entre… Lisboa e Goa.

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