THE DELAGOA BAY WORLD

11/06/2019

AS TROPAS LANDINS EM TIMOR, 11 DE DEZEMBRO DE 1945

Imagem retocada, tirada daqui e mencionada aqui.

Um comentário prévio.

Eu tento seguir, na medida do possível, os trabalhos académicos relacionados com Moçambique, actividade assaz difícil pois não sou académico e a informação é tendencialmente disseminda das formas mais quixotescas, desde em livros que custam 150 euros e que se têm que mandar vir da Patagónia do Sul, até artigos de meia dúzia de páginas que sítios idióticos predadores “alugam” por 50 dólares para serem lidos online durante  apenas 24 horas. Pelo menos um académico que sigo e que respeito (o que é infrequente) assegurou-me que, para além da obrigação profissional de produzir e publicar, ele não ganha um tusto com a publicação dos seus trabalhos sobre Moçambique – sendo, claro, esta, também, uma das razões que nunca jamais consideraria uma carreira académica (ou de jardinagem, que também aprecio muito mas que paga muito mal), ficando-me, no que concerne à minha peculiar curiosidade em relação ao que aconteceu no que é hoje Moçambique, por este modesto blog (e mais três), onde acumulo as poeiras que vou destapando aqui e ali.

Uma rara excepção é o sítio Academia.edu, que, não sei se por causa das suas regras ou de eu ter feito alguma canganhiça de que não me recordo, me vai enviando este ou aquele artigo académico, que invariavelmente leio, e que, recentemente, me chamou a atenção para um curto e quase simpático trabalho do académico brasileiro Daniel de Lucca (o documento diz que é professor numa tal Escola de Sociologia e Política, em São Paulo mas o sítio diz também que lecciona numa tal Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira), que, um tanto ambiciosamente, rotulou “Moçambique em Timor e Timor em Moçambique: diáspora, guerra e revolução nas margens do índico”. Nas suas notas até descobri que tinha mencionado este blog, de onde copiou uma imagem, pelo que, portanto, só pode ser boa gente.

O texto do Daniel tem potencial mas ficou um pouco pela rama, donde espero que um dia ele volte à carga e reforce algumas coisas, especialmente neste caso das relações entre o Moçambique da Frelimo e o suporte dado aos timorenses no indescritível período da dominação indonésia. Recuou, na sua análise, até à II Guerra Mundial. Achei pouco o que ele disse e algo incompleto, e vai ter dois problemas em breve: todos os protagomistas ou já morreram ou estão a morrer, e alguns tornaram-se gente importante e aproveitam para dourar a pílula. Eu, que já bebi uns improváveis copos com os Lobatos, em Moçambique e na casa deles lá nas montanhas em Timor, entre as esplêndidas mas delapidadas plantações de café do tempo colonial, quase sei mais que ele.

Desse texto, realço duas coisas que não têm quase nada a ver com o assunto e que têm que ver com Moçambique:

1.  Uma citação absolutamente priceless do Samora, feita por nada menos que Luis Guterres, um dos timoreses referenciáveis, que quando cumprimentou os aparentemente pelintramente vestidos delegados da Fretilin em Maputo em 1975, lhes segredou, pragmaticamente: “Se quiserem ser bem tratados pelos que te recebem [sic], devem-se vestir melhor que eles”.

2. O comentário do Daniel, tendencioso, desnecessário e errado, feito en passand, em que ele simplesmente escreve que os brancos de Moçambique (os “colonos”presumivelmente como eu – claro), logo após a independência, andaram “a sabotar e a resistir” à Nova Ordem Frelimiana. Escreveu ele: “De facto, as dificuldades enfrentadas pelo país africano cresciam rapidamente: as crises de produção que sucederam a independência; o êxodo de portugueses e outros profissionais técnicos especializados; o boicote e a sabotagem dos antigos colonos; a hostilidade da Rodésia de Ian Smith e da África do Sul do apartheid; além da guerra com a Renamo (…).” Obviamente o Daniel, que sei que não estava lá portanto não viu, engoliu sem questionar o discurso de cassete-padrão da Frelimo – que ainda hoje é usado – e achou por bem repassá-lo. Pois. Só que é tudo falso. No mínimo, o êxodo foi orquestrado pela Frelimo, que sabia precisamente que ia chacinar completamente a economia moçambicana herdada, mas que, liricamente, achava que os camaradas comunistas russos, chineses, etc, iriam de seguida criar a Nova Economia Socialista. A “hostilidade” da Rodésia e dos Boers foi definitvamente assegurada assim que o Samora anunciou na rádio que ia começar a apoiar a guerrilha naqueles países, a partir de bases em Moçambique; e gostava que o Daniel me desse evidência concreta dos tais boicotes e sabotagem dos antigos colonos, a seguir a 1975. Já o presciente Joe Hanlon uma vez veio com aquela fábula dos “colonos” cimentarem os canos de água das suas casas e empresas antes de, generosamente, serem expropriados, presos e expulsos pelos heróicos libertadores. Mas quando lhe perguntei, directamente, onde é que ele foi buscar essa história, a resposta dele foi que aquilo era o que se dizia em Maputo. Ai sim Joe? és tão esperto mas essa é a tua fonte? alguém disse? Nestas coisas, o Professor Daniel deve tentar aprender a pôr de lado o porreirismo fraternal afro-brasileiro, muito comum em alguns textos académicos brasileiros, e a estudar e contextualizar os factos com rigor e tentar não emprenhar pelos ouvidos.

Enfim.

O que considerei mais interessante no artigo escrito pelo Daniel, no entanto, foi a fotografia em baixo, tirada no dia 11 de Dezembro de 1945 pelo sargento Australiano Keith Benjamin Davis no pátio do forte timorense de Bobanaro, na fronteira entre o então revertido território de Timor e, presumo, a outra metade da ilha, que formalmente ainda era uma colónia holandesa, de uma companhia de Tropas Landins. O que o Daniel refere eu já sabia mas merece ser referida aqui.

No início de 1942, os japoneses invadiram Timor (na altura ninguém se referia a Timor como “Timor-Leste”), que muito teoricamente poderia ser usada como base para atacar Darwin, no Norte da Austrália, 600 quilómetros de Dili em linha recta, e em três anos e meio fizeram tanta chacina na metade portuguesa da ilha, o que, por comparação, fez o pior do colonialismo português parecer um acto de irmandade inter-étnico (quase precisamente o mesmo viria a ser feito pelos indonésios, entre 1975 e 2000).

Logo no final de 1941, Salazar, neutral, formal, didáctico, solícito e sempre cioso dos direitos épico-dinásticos portugueses relativos às suas possessões ultramarítimas, e inicialmente pouco ciente da ferocidade nipónica, ordena que os seus militares montem uma expedição militar para retomar a colónia asiática, a partir da pequena e plácida Lourenço Marques (que o Daniel chama “Maputo” quando se refere a Lourenço Marques em 1942), em Moçambique, de onde, em 26 de Janeiro de 1942, parte em direcção ao Oriente, em dois navios da marinha portuguesa, o João Belo e o Gonçalves Zarco. Volvidas umas semanas, ao se aproximarem da ilha e percebendo da potencial chacina face aos pouco cooperantes japoneses, fizeram uma prudente marcha-atrás e demandaram a pequena colónia de Goa, ali mais perto.

Até Agosto de 1945, que foi quando os norte-americanos, para variar, derrotaram e ocuparam o Japão, a acção portuguesa limitou-se a actos de diplomacia. Salazar gastou o tempo todo em considerandos, pareceres, negociações e telegramas, trocados com o beligerantes envolvidos, para assegurar que Timor no fim voltasse para a posse portuguesa – documentação que o Ministério dos Negócios Estrangeiros português, invulgarmente, publicou, penso que nos anos 80, em dez fartos volumes, presumivelmente, impecavelmente sanitizados, para mostrar o génio do ditador de saber navegar as turbulentas águas da política internacional daquela década..

Segundo o excelente sítio Defesa Nacional, citado pelo Exmo. Leitor Fernando Silva Morgado em baixo nos comentários, que deve ser lido, os portugueses, também em Lourenço Marques, prepararam em Lourenço Marques, desde Junho de 1944, uma segunda expedição para recuperar Timor.

Como acontecera em 1942, esta segunda expedição para retomar Timor incluía também uma companhia de Tropas Landins, recrutadas no Sul de Moçambique, que aparentemente foram recebidos como (entenda-se o paradoxo) libertadores pelos martirizados timorenses.

As Tropas Landins em formação no pátio do Forte de Bobanaro, em Timor, 3ª Feira, dia 11 de Dezembro de 1945, como parte da retoma da soberania portuguesa na metade da Ilha, uns meses após a rendição japonesa.

 

O Gonçalves Zarco e o Bartolomeu Dias, ancorados ao largo de Dili, 29 de Setembro de 1945: a Pax Lusitana regressava a Timor, por mais uns anos. Poucos sabem que Timor foi formalmente território português até 2001. Tanto assim que ainda hoje, qualquer timorense nascido até esse ano é formalmente considerado cidadão português e pode pedir BI e passaporte português e ir residir em Portugal.

 

 

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