THE DELAGOA BAY WORLD

14/09/2018

A SONAREP NA MATOLA, ARREDORES DE LOURENÇO MARQUES, 1961

Filed under: Manuel Boullosa empresário, Sonarep Matola — ABM @ 19:29

Na Matola, as instalações da SONAREP, uma refinaria de petróleo, 1961, que preparava combustíveis e óleos para Moçambique. Um projecto do Sr. Boullosa com uma história interessante. Penso que com as cenas de A Luta Continua depois de 1975, eventualmente fechou.

Deste sítio, copio o seguinte texto, penso que do José Mesquitela, que editei ligeiramente:

A Sociedade Nacional de Refinação de Petróleos – SONAREP – foi a primeira refinaria construída em Moçambique.

A ninguém pode restar dúvidas acerca do interesse verdadeiramente nacional da iniciativa de construir uma refinaria em Moçambique. De facto assim entendeu o Governo da Nação e em boa hora o fez acolhendo com carinho a iniciativa e a proposta feita em 1958.

Estudadas as bases e definidas as condições de concessão de alvará, foi o processo mandado submeter à apreciação do Conselho de Governo da Província de Moçambique, a qual deu o seu parecer favorável. Assim, em 21 de outubro de 1958, o Ministro do Ultramar, por despacho, estabeleceu as condições a que deveria obedecer a instalação da refinaria.

O Empreendimento, que resultou do estreito contacto mantido com o mercado de petróleos da zona de África e de um estudo sistemático baseado no parecer autorizado de técnicos da especialidade, só poderia tornar-se uma realidade desde que se afastasse a idéia rígida dos números e a ânsia de multiplicar os lucros.

Felizmente, tudo concorreu para que a obra se materializasse e assim em 28 de Maio de 1961, dentro do prazo previsto, é inaugurada oficialmente a primeira refinaria de Moçambique.

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Num periodo em que todos os países defendiam ciosamente as suas divisas, a instalação desta nova indústria em Moçambique, trouxe, por um lado, a vantagem da diferença de preço entre o petroleo bruto e o petróleo já refinado,e, por outro, o benefício que se obteve com a exportação do produto para os mercados Africanos e consequente entrada de divisas.

Desde o primeiro momento a província inteira acolheu com entusiasmo a iniciativa. A garantia que seriam tomadas medidas para a defesa do consumidor e que a nova indústria nunca pesaria como um fardo na economia local à custa de preteccionismos deslocados, consolidou no espírito de todos a obrigação moral de apoiar aqueles que pretendiam elevar o nível industrial ponde de parte a ideia do lucro, que , como é óbvio, ninguém podera esperar nun futuro próximo.

Foram imobilizados nesta construção, segundo Manuel Bulhosa, presidente do Conselho de administração e seu accionista majoritário, 220 mil contos, aos quais a provincia participou apenas com 50 mil, e ainda somente despendeu inicialmente 10 mil, sendo os restantes , integralizados em anos, conforme planejamento pré-aprovado.

Destes 220 mil, 70 mil foram empregues em trabalho e materiais obtidos em Moçambique,através da indústria local, que foi eficiente e altamente dedicada.

Houve portanto uma decidida transferência de capital para Moçambique, quer através dos dispêndios em moeda local quer através de apetrechamento importado e que ficou definitivamente incorporado no patrimônio económico de Moçambique.

A capacidade de laboração, ao ser inaugurada a refinaria, era de 13 000 barris diários o que, para certos tipos de petróleo bruto, podia representar a possibilidade de produção efectiva correspondente a mais de 600 mil toneladas anuais

A refinaria já foi projectada para ampliação necessária para elevar a produção da mesma para o total anual de um milhão de toneladas.

O consumo interno de Mocambique à data, calculava-se em torno de 130 mil toneladas anuais e a navegação de longo curso que se abastecia nos portos de Moçambique reperesentava tonelagem sensivelmente igual ao consumo interno.

A refinaria começou por abastecer o mercado inteno e os países vizinhos, assim como os territórios Portugueses do Ultramar, pela sua administração e ainda sua posição geográfica favorável a tal, em condições económicas.

Às distribuidoras que já existiam em Moçambique, a exemplo da BP , Shell, etc, se assegurou uma remuneração confortável e assim consolidada, ligou-se a Sonarep ao desenvolvimento económico de Moçambique.

Desta refinaria, logo à sua inauguração, já dependiam 270 famílias.

 

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Para Moçambique, esta obra representou de imediato benefícios imediatos, reais e altamente importantes, com a redução de quase 40 % nas necessidades de divisas, que utilizaria na compra de combustíveis líquidos, haja vista a economia (na época o custo do petróleo bruto era de menos de US$12 por tonelada na importação, e o preço de mais de US$20 por tonelada de combustíveis liquidos.).

Nesse mesmo ano, a refinaria passou a fabricar também produtos para exportação, gerando assim mais de US$ 1 milhão de divisas, que entravam em Moçambique.

A capacidade anual da refinaria logo ultrapassou desde cedo, o limite mínimo imposto pelo governo, chegando no primeiro ano a mais de quatrocentas mil toneladas acima do exigido.

Logo foi acoplada mais mão de obra em Moçambique, pois para o escoamento dos produtos (a nivel de refinamento e escoamento) foram absorvidos pelo mercado de trabalho tantos trabalhadores no comércio, quanto os da própria indústria, que também eram aumentados, à medida que a refirania foi aumentando a sua produção.

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Este dado foi importante a nível de confiança, pois logo no início se havia levantado a hipótese, através de matérias que surgiam na midia, que funcionários portugueses seriam demitidos pelas companhias estrangeiras ao ser inaugurada a refinaria, talvez com o intuito de sufucar seu projecto ou mesmo teram condições para negociar os preços futuramente. A tudo isto a refinaria respondeu positivamente.

Mesmo em 1973, na maior e primeira crise petrolífera Mundial, a refirina deixou de produzir ou de aumentar seus lucros, antes pelo contrário, foi o que movimentou a provincia, visto que a grande diferença entre importar produto liquido e petroleo bruto se fez sentir, apesar do severo racionamento de gasolina que se estendia a todos os paises, e considerando que em lourenço Marques ou qualquer ponto da provincia se registravam concentrações enormes de veículos nos postos de gasolina, à espera de abastecerem dentro das regras impostas pelo governo em aconselhamento do conselho da administração da Sonarep. Eram factores externos que fizeram prontamente os técnicos Moçambicanos tomarem suas medidas e assim remediar o feito da OPEP.

Após a Independência, o novo Governo da Frelimo, resolveu transferir a posse da Refinaria da Matola, em Maputo, das mãos de Manuel Boullosa para as das “massas populares”, tornou-se urgente formar novos quadros devotados ao povo que pusessem a unidade estratégica a funcionar e bem. Enviaram mais uma dezena de jovens Moçambicanos para na Roménia tirararem um curso de Engenharia de Refinação.

Quando voltaram, a Refinaria não tinha aguentado a espera e tinha passado a monte de sucata sem préstimo nem retorno.

Ainda hoje, Moçambique não tem refinação de petróleo e importa todos os derivados.

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Uma nota de José M Lopes Ribeiro sobre Manuel Boullosa, o empresário que criou a Sonarep:

Manoel Cordo Boullosa (1905-2000) era natural de Lisboa, onde nasceu a 5 de Dezembro de 1905, quarto filho de Manoel Cordo Martins e Leocadia Boullosa, um casal galego que se dedicava ao comércio de vinho e carvão. Órfão de mãe com apenas um ano de idade, partiu, por essa razão, para a Galiza, onde foi entregue aos cuidados de sua tia Amália. Efectuou a instrução primária em Pontevedra, numa escola que actualmente ostenta o seu nome, tendo regressado a Lisboa aos nove anos, após ter completados os primeiros estudos.

Aos dezasseis anos, após ter concluído o curso comercial, Manoel Boullosa começou a trabalhar com o pai, auxiliando-o no negócio da venda de carvão. Dois anos mais tarde adoeceu gravemente, com uma tuberculose. Em Portugal as possibilidades de tratamento eram muito reduzidas, tendo por isso o pai decidido enviá-lo para um sanatório na Suíça. Uma resolução tomada com grande sacrifício, uma vez que para tal se viu obrigado a vender três prédios de que dispunha em Lisboa, adquiridos no decurso de uma vida de intenso labor, a fim de custear os dispendiosos tratamentos. No entanto, a estadia na Suíça foi amplamente benéfica para o jovem Manoel. Conseguiu curar-se da terrível enfermidade, conheceu a sua primeira mulher e abriram-se-lhe as portas para o negócio do petróleo, por intermédio de Pedro Bessa Pais, filho do malogrado presidente da República Sidónio Pais, o qual lhe apresentou o irmão António, que naquela época era concessionário da Shell.

Uma vez regressado a Lisboa, resolveu aproveitar os conhecimentos contraídos na Suíça, reconvertendo o negócio paterno das carvoarias, e dedicando-se ao fornecimento de combustíveis para automóveis, tendo fundado, alguns anos depois (em 1933), a Sociedade Nacional de Petróleos (Sonap). Estavam lançadas as bases de uma bem sucedida carreira empresarial na área dos combustíveis, que incluiu investimentos importantes em Moçambique ­onde foi proprietário da refinaria Sonarep, construida na década de 60­ e na África do Sul ­onde instalou uma distribuidora de combustíveis­, tendo ainda realizado uma forte aposta no Complexo Industrial de Sines, do qual foi um dos grandes mentores, mas de que nunca chegou a ver os resultados em virtude da sua posterior nacionalização. No entanto, nunca deixou de acompanhar a situação no mercado petrolífero, e só já após ter completado noventa anos de idade admitiu abrandar o seu ritmo de vida.

Uma das principais características pessoais de Manoel Boullosa residia numa lúcida visão estratégica ­bem planteada pela sua opção, na década de ¹20, pelo investimento no sector dos combustíveis­, que o acompanhou até ao fim da vida. Embora tivesse sido um dos mais destacados empresários antes do 25 de Abril, e mantido um bom relacionamento com o poder de então, a sua alma galega aconselhava-o a conservar uma prudente independência política, tendo chegado a afirmar que “um empresário não cede a pressões”. Não foi portanto surpreendente a sua participação como accionista do “Expresso” quando este semanário foi fundado em 1972, e do qual possuía 10% do capital, uma atitude que não foi bem vista pelo Governo de Marcelo Caetano, que já não tinha apreciado o facto de Boullosa ter contratado Mário Soares para assessor jurídico da Banque Franco-Portugaise, quando aquele se encontrava exiliado em Paris. Do mesmo modo, assumiu claramente as suas responsabilidades sociais, ainda antes do 25 de Abril, devendo-se-lhe a fixação de um salário mínimo na indústria petrolífera, a instituição de um sistema de apoio médico-hospitalar, e a disponibilização de linhas de financiamento para aquisição de casa própria para os trabalhadores das suas empresas.

Muito frio e lúcido nos negócios, era considerado um negociador subtil e determinado. Considerava que “o segredo do negócio estava na racionalidade da gestão e no corte das despesas supérfluas”. Nutria um grande amor pelos livros, bem traduzido no seu envolvimento na Bertrand, e por isso mesmo sentiu um grande desgosto quando se viu afastado da mesma, em resultado de um conturbado processo. Cultivava igualmente o gosto pela pintura e a escultura, tendo ao longo da sua vida constituidídouma apreciável colecção de obras de arte. Foi un verdadeiro self-made-man, que começou a vender carvão nas ruas de Lisboa e alcançou o estatuto de rei do petróleo, tendo matido sempre uma grande discrição, sem nunca sucumbir às tentações da ostentação social.

Além da faceta empresarial, era um dos sócios mais antigos do Belenenses tendo participado activamente na vida do clube. Sócio número 336, com mais de 50 anos de filiação, foi presidente da Assembleia Geral do Clube de 1971 a 1975, e era desde há longos anos presidente do Conselho Geral. Manoel Boullosa teve sempre presentes as suas origens galegas, contribuindo por diversas formas para auxiliar os naturais daquela região. Em 1989 ofereceu à Xuventude de Galicia, uma associação sediada em Lisboa, as instalações que actualmente ocupa no Campo de Santana, precisamente a antiga sede do Crédito Predial Português, de que foi accionista maioritário. A sua dedicação à Galiza foi reconhecida pelo respectivo Governo regional, que em Junho de 1991 o agraciou com a Medalha Castelao.

Por diversas vezes foi-lhe oferecida a nacionalidade espanhola, tendo contudo optado sempre por se manter fiel ao seu país natal. No entanto, quando Oliveira Salazar lhe perguntou um dia porque é que nunca tinha encarado aquela possibilidade, respondeu: “Não é verdade. Quando a Galiza for um país independente, pensarei no assunto.” Talvez por isso nunha tenha deixado de usar a inconfundível boina galega.

 

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