A primeira imagem, retocada e colorida por mim, foi muito gentilmente cedida pelo Nuno Quadros e inspirou este texto.
Marcelo Caetano, conhecido em Portugal por ter sido o sucessor de Salazar (nomeado por Américo Tomás Presidente do Conselho em 27 de Setembro de 1968) teve uma tarefa impossível. O que não o impediu de tentar fazer alguma coisa, pouca e sem grandes efeitos.
Quando assumiu funções, Portugal era, por falta de melhor descrição, uma ditadura de partido único desde Maio de 1926, com censura prévia de tudo e uma polícia política que ajudava a manter o regime, à paulada. Ainda relativamente pobre, a sua economia estava no entanto a crescer rapidamente, principalmente nas transacções com a Europa (via EFTA) e apesar de manter as suas colónias, que enfrentavam conflitos armados, os nacionalistas suportados pela China, URSS e países de Leste. O Dr. Mondlane ainda era o líder da Frelimo mas já a ser desgastado pelos seus mais radicais assessores (Samora, Marcelino e Chissano, que o sucederam em 1969).
É curioso ler a dinâmica aquando da sua tomada de posse em 1968. Num excelente e muito legível texto a propósito de Caetano e da sua postura e política colonial, o académico Fernando Tavares Pimenta mapeia e descreve o que Caetano pensava, o que enfrentou e o que ele pensava fazer – se o deixassem, o que não aconteceu. Para além dos chamados integralistas, defensores do Portugal pluricontinental etc e tal, Marcelo incorreu em dois equívocos que seriam fatais.
O primeiro equívoco aconteceu precisamente em 1945, quando, ainda em plena II Guerra Mundial (o Império do Japão só se renderia em Setembro desse ano), e nomeado ministro das Colónias, Caetano decidiu visitar as colónias (fez uma paragem em São Tomé e visitou mais demoradamente Angola e Moçambique). Ficou com uma certa impressão de Moçambique colonial que mais tarde tornaria difícil as decisões que tinham que ser tomadas. Num também excelente texto que descreve em algum detalhe essa viagem a Angola e Moçambique, António Duarte Silva refere que, nessa viagem, Caetano se tornou num africanista emotivo.
A comitiva (Caetano, a mulher e alguns assessores) saiu de navio para Luanda em 9 de Junho de 1945, onde chegaram a 29 de Junho. O então ministro seguiria de avião para Lourenço Marques em 21 de Julho, com uma paragem em Lusaka, chegando à capital de Moçambique no dia 22 de Julho.
Ficaria em Moçambique, por onde viajou (visitou ainda a União Sul-Africana, onde se reuniu com Jan Smuts) até ao dia 7 de Setembro, quando viajou para Luanda de avião.
Portanto Marcelo Caetano estava em Moçambique quando os Estados Unidos lançaram as bombas atómicas em 6 e 9 de Agosto e o Império do Japão fez a Declaração de Rendição Incondicional em 15 de Agosto.
Por essa razão, o contingente militar português que era para ter ido para Timor em 1942 mas que acabou por ficar retido em Lourenço Marques, embarcou no dia 1 de Setembro para recuperar a soberania naquela parcela portuguesa, que estava sob ocupação japonesa.
O segundo equívoco de Marcelo Caetano ocorreu em 1969 (já o mencionei num outro texto há uns anos).
Numa altura em que já era claro que um sistema de matriz colonial tinha os dias mais do que contados, o então já primeiro-ministro, naquela que foi a sua primeira viagem após a tomada de posse, foi recebido onde quer que fosse em pura apoteose (suponho que em parte aparente).
A visita, cuidadosamente organizada para ter grande impacto, foi um sucesso pulicitário para o regime.
Mas criou uma impressão falsa.
A de que ainda havia tempo. A de que tinha tempo.
Depreendo que, apesar da enorme resistência dos integralistas, Caetano queria puxar para uma autonomia acelarada em que estimo que houvesse uma independência “multiracial” até 1980.
Mas o tempo não estava do seu lado.
Num contexto em que o seu governo não falava com a Frelimo (para desespero de Jorge Jardim, conhecido por organizar as misses, e que fora marginalizado), e em que a população branca não lhes ocorria sequer decidir nada quanto a esse futuro, não acredito que tal fosse viável a não ser com a intervenção dos vizinhos, ambos autocracias de minorias brancas, o que nem portugueses nem sul-africanos queriam.
Este é um dos what ifs interessantes da História.
Todos sabemos o que aconteceu.
Foi-se empurrando com a barriga.
Após o pronunciamento militar em Abril de 1974, Caetano será exilado para o Brasil. Morreu no Rio de Janeiro em 1980 e ali está sepultado.
Os militares revoltosos entregaram o governo de Moçambique a uma Frelimo radicalizada no dia 20 de Setembro de 1974. Moçambique passou de uma ditadura colonial para uma ditadura comunista radical, empenhada em destruir todos os vestígios do passado e em continuar a lutar, desta vez rodesianos e sul-africanos. O preço pago pelos moçambicanos será terrível e a tormenta dura até estes dias. A Frelimo governa há 50 anos, mais do que o regime de Salazar governou Portugal.
Portugal hoje é um regime parlamentar democrático com algumas falhas. Ganha algum dinheiro com turismo, agricultura e serviços e recebe subsídios da União Europeia, à qual se juntou em 1986. Não tem sido capaz de competir e de proporcionar riqueza para a maior parte dos seus habitantes.
A Ilha de Moçambique continua lá onde sempre esteve.