THE DELAGOA BAY WORLD

14/05/2024

OS QUADROS, MARCELO CAETANO E A ILHA DE MOÇAMBIQUE

A primeira imagem, retocada e colorida por mim, foi muito gentilmente cedida pelo Nuno Quadros e inspirou este texto.

Marcelo Caetano, conhecido em Portugal por ter sido o sucessor de Salazar (nomeado por Américo Tomás Presidente do Conselho em 27 de Setembro de 1968) teve uma tarefa impossível. O que não o impediu de tentar fazer alguma coisa, pouca e sem grandes efeitos.

Num evento na Ilha de Moçambique, cerca de Agosto de 1945. Na audiência podem-se ver à direita os Pais de Nuno Quadros com a irmã mais velha no meio(em vestido azul claro) e, mais acima atrás, Marcelo Caetano, então Ministro das Colónias de Portugal, segurando um lenço branco. Marcelo estava no meio de uma longa visita (seis meses) às então colónias portuguesas, tendo, durante a sua ausência, ficado o então Capitão de Mar e Guerra Américo Tomás, em Lisboa, a tomar conta da pastas das Colónias interinamente. Num discurso proferido no Liceu Salazar em Lourenço Marques no dia a seguir à sua chegada à capital moçambicana em Abril de 1969, e que pode ser visto aqui, Caetano especificamente referiu que a sua visita em 1945 à Ilha de Moçambique fora “inesquecível”.

Quando assumiu funções, Portugal era, por falta de melhor descrição, uma ditadura de partido único desde Maio de 1926, com censura prévia de tudo e uma polícia política que ajudava a manter o regime, à paulada. Ainda relativamente pobre, a sua economia estava no entanto a crescer rapidamente, principalmente nas transacções com a Europa (via EFTA) e apesar de manter as suas colónias, que enfrentavam conflitos armados, os nacionalistas suportados pela China, URSS e países de Leste. O Dr. Mondlane ainda era o líder da Frelimo mas já a ser desgastado pelos seus mais radicais assessores (Samora, Marcelino e Chissano, que o sucederam em 1969).

É curioso ler a dinâmica aquando da sua tomada de posse em 1968. Num excelente e muito legível texto a propósito de Caetano e da sua postura e política colonial, o académico Fernando Tavares Pimenta mapeia e descreve o que Caetano pensava, o que enfrentou e o que ele pensava fazer – se o deixassem, o que não aconteceu. Para além dos chamados integralistas, defensores do Portugal pluricontinental etc e tal, Marcelo incorreu em dois equívocos que seriam fatais.

O primeiro equívoco aconteceu precisamente em 1945, quando, ainda em plena II Guerra Mundial (o Império do Japão só se renderia em Setembro desse ano), e nomeado ministro das Colónias, Caetano decidiu visitar as colónias (fez uma paragem em São Tomé e visitou mais demoradamente Angola e Moçambique). Ficou com uma certa impressão de Moçambique colonial que mais tarde tornaria difícil as decisões que tinham que ser tomadas. Num também excelente texto que descreve em algum detalhe essa viagem a Angola e Moçambique, António Duarte Silva refere que, nessa viagem, Caetano se tornou num africanista emotivo.

A comitiva (Caetano, a mulher e alguns assessores) saiu de navio para Luanda em 9 de Junho de 1945, onde chegaram a 29 de Junho. O então ministro seguiria de avião para Lourenço Marques em 21 de Julho, com uma paragem em Lusaka, chegando à capital de Moçambique no dia 22 de Julho.

Ficaria em Moçambique, por onde viajou (visitou ainda a União Sul-Africana, onde se reuniu com Jan Smuts) até ao dia 7 de Setembro, quando viajou para Luanda de avião.

Portanto Marcelo Caetano estava em Moçambique quando os Estados Unidos lançaram as bombas atómicas em 6 e 9 de Agosto e o Império do Japão fez a Declaração de Rendição Incondicional em 15 de Agosto.

Por essa razão, o contingente militar português que era para ter ido para Timor em 1942 mas que acabou por ficar retido em Lourenço Marques, embarcou no dia 1 de Setembro para recuperar a soberania naquela parcela portuguesa, que estava sob ocupação japonesa.

No Cais Gorjão em Lourenço Marques, uma multidão assiste ao embarque das tropas portuguesas no Angola, com destino a Timor.

O segundo equívoco de Marcelo Caetano ocorreu em 1969 (já o mencionei num outro texto há uns anos).

Numa altura em que já era claro que um sistema de matriz colonial tinha os dias mais do que contados, o então já primeiro-ministro, naquela que foi a sua primeira viagem após a tomada de posse, foi recebido onde quer que fosse em pura apoteose (suponho que em parte aparente).

Caetano é recebido em Mavalane pelo amigo de longa data, Baltazar Rebelo de Sousa, então GG de Moçambique, Abril de 1969.
Ladeado pelo pessoal da Mocidade Portuguesa, Caetano, seguido por Baltazar e Adriano Moreira, e ostentando um colar de flôres à hawaiana, entra na gare do Aeroporto Gago Coutinho. O desfile da caravana até ao Palácio da Ponta Vermelha, com banhos de multidão, é completamente alucinante. Até os da Mafalala foram ver.

A visita, cuidadosamente organizada para ter grande impacto, foi um sucesso pulicitário para o regime.

Mas criou uma impressão falsa.

A de que ainda havia tempo. A de que tinha tempo.

Depreendo que, apesar da enorme resistência dos integralistas, Caetano queria puxar para uma autonomia acelarada em que estimo que houvesse uma independência “multiracial” até 1980.

Mas o tempo não estava do seu lado.

Num contexto em que o seu governo não falava com a Frelimo (para desespero de Jorge Jardim, conhecido por organizar as misses, e que fora marginalizado), e em que a população branca não lhes ocorria sequer decidir nada quanto a esse futuro, não acredito que tal fosse viável a não ser com a intervenção dos vizinhos, ambos autocracias de minorias brancas, o que nem portugueses nem sul-africanos queriam.

Este é um dos what ifs interessantes da História.

Todos sabemos o que aconteceu.

Foi-se empurrando com a barriga.

Após o pronunciamento militar em Abril de 1974, Caetano será exilado para o Brasil. Morreu no Rio de Janeiro em 1980 e ali está sepultado.

Os militares revoltosos entregaram o governo de Moçambique a uma Frelimo radicalizada no dia 20 de Setembro de 1974. Moçambique passou de uma ditadura colonial para uma ditadura comunista radical, empenhada em destruir todos os vestígios do passado e em continuar a lutar, desta vez rodesianos e sul-africanos. O preço pago pelos moçambicanos será terrível e a tormenta dura até estes dias. A Frelimo governa há 50 anos, mais do que o regime de Salazar governou Portugal.

Portugal hoje é um regime parlamentar democrático com algumas falhas. Ganha algum dinheiro com turismo, agricultura e serviços e recebe subsídios da União Europeia, à qual se juntou em 1986. Não tem sido capaz de competir e de proporcionar riqueza para a maior parte dos seus habitantes.

A Ilha de Moçambique continua lá onde sempre esteve.

31/03/2023

ANTÓNIO DE OLIVEIRA SALAZAR, FOTOGRAFADO POR LAZARUS EM 1928

Imagens retocadas.

Pouco depois do golpe de Estado militar de Gomes da Costa que terminou o doloroso experimento da I República, e da instauração da Ditadura, ocorreu o estranho episódio das nomeações e demissões de Salazar, então um relativamente jovem professor universitário em Coimbra (39 anos de idade em 1928) , como ministro das Finanças.

Foi em 1928 que Salazar posou para tirar a imagem que se segue e que seria usada posteriormente várias vezes pelo regime que criaria.

O fotógrafo foi um dos irmãos Lazarus, os dois judeus britânicos que fizeram carreira em Lourenço Marques e que se mudariam para a capital portuguesa em 1908 (e onde ambos estão sepultados no cemitério hebraico).

As voltas que o mundo dá.

Um texto da Wikipédia caracteriza assim o Portugal dessa altura:

Desde a implantação da república em 1910 até ao golpe militar de 1926, Portugal teve oito Presidentes da República, quarenta e quatro reorganizações de gabinete e vinte e uma revoluções. O primeiro Governo da República não durou dez semanas e o mais longo durou pouco mais de um ano. Várias personalidades políticas foram assassinadas. Pela Europa fora a palavra “revolução” passou a estar associada a Portugal. O custo de vida aumentou vinte e cinco vezes, a moeda caiu para 1/33 do seu valor relativamente ao ouro. O fosso entre ricos e pobres continuou sempre a aumentar. A Igreja Católica foi implacavelmente perseguida pelos maçons anticlericais. Os atentados terroristas e o assassinato político generalizaram-se. Entre 1920 e 1925, de acordo com dados oficiais da polícia nas ruas de Lisboa explodiram 325 bombas.

Com o país continuamente à beira de uma guerra civil, em 1926 dá-se um levantamento militar, sem derramamento de sangue e com a adesão de inúmeros sectores da sociedade portuguesa, desejosos de acabar com o clima de terror e violência que se tinha instalado no país.

Em Junho de 1926 os militares convidam Salazar para a pasta das finanças; mas passados treze dias Salazar renuncia ao cargo e retorna a Coimbra por não lhe haverem satisfeitas as condições que achava indispensáveis ao seu exercício.

Em 27 de abril de 1928, após a eleição do general Óscar Carmona e na sequência do fracasso do seu antecessor em conseguir um avultado empréstimo externo com vista ao equilíbrio das contas públicas, Salazar reassumiu a pasta das finanças, mas exigiu o controlo sobre as despesas e receitas de todos os ministérios. Satisfeita a exigência, impôs forte austeridade e um rigoroso controlo de contas, com aumentos enormes de impostos e criação de novos, adiamento de obras de fomento e congelamento de salários, conseguindo um superavit, um “milagre” nas finanças públicas logo no exercício económico de 1928–29. “Sei muito bem o que quero e para onde vou.” — afirmará, denunciando o seu propósito na tomada de posse.

Na imprensa, que era controlada pela censura, Salazar seria muitas vezes retratado como o “salvador da pátria”. Mas também alguma imprensa internacional, que não era controlada pela censura, apontava méritos a Salazar; em Março de 1935 a revista norte-americana Time afirmou que “é impossível negar que o desenvolvimento económico record registado em Portugal não só não tem paralelo em qualquer outra parte do mundo como também é um feito para o qual a história não tem muitos precedentes”.

O prestígio ganho, a propaganda, a habilidade política na manipulação das correntes da direita republicana, de alguns sectores monárquicos e dos católicos consolidavam o seu poder. A Ditadura dificilmente o podia dispensar e o presidente da república consultava-o em cada remodelação ministerial. Enquanto a oposição democrática se desvanecia em sucessivas revoltas sem êxito, procurava-se dar um rumo à Revolução Nacional imposta pela ditadura. Salazar, que havia sido agraciado com a grã-cruz da Ordem Militar de Sant’Iago da Espada a 15 de abril de 1929, recusando o regresso ao parlamentarismo e à democracia da Primeira República, cria a União Nacional em 1930, visando o estabelecimento de um regime de partido único.

Em junho de 1929 Salazar volta a demitir-se. Mário de Figueiredo, Ministro da Justiça e dos Cultos, amigo de Salazar, publica a célebre Portaria n.º 6259 que permite manifestações públicas do culto católico, com procissões e toques de sinos (a realização de procissões religiosas e o toque de sinos nas igrejas tinham sido proibidos pela república). O ministro da guerra Júlio Morais Sarmento comanda protestos anticlericais e a portaria é anulada em Conselho de Ministros. Figueiredo comunica a Salazar a sua intenção de se demitir e Salazar diz-lhe que embora não concorde com ele, caso Figueiredo se demita, então ele, Salazar, solidariamente, também apresentará a sua demissão. Figueiredo demite-se e no dia 3 de julho Salazar entrega o seu pedido de Exoneração. No dia seguinte Carmona visita Salazar, que se encontrava hospitalizado, e tenta demovê-lo da sua Intenção de se demitir. O episódio termina com um novo governo, presidido por Ivens Ferraz, com Salazar a continuar na pasta das finanças.

António de Oliveira Salazar, fotografado por Lazarus, 1928.
Capa da SI, de 20 de Abril de 1938, uma revista da propaganda do Estado Novo, assinalando o 10º aniversário da entrada de Salazar no governo. A imagem captada por Lazarus em 1928 é a de cima à esquerda.
Texto académico alusivo ao uso da imagem pelo regime sucedâneo da I República, mencionando o uso de, entre outras, a imagem de Salazar captada por Lazarus.

12/03/2021

ANTÓNIO DE OLIVEIRA SALAZAR, ANOS 60

Filed under: Salazar — ABM @ 21:18

Imagem retocada, dos arquivos de Alfredo Pereira de Lima, presente no Volume I do seu monumental História dos Caminhos de Ferro de Moçambique, 1970.

Salazar é a eminência parda da mais recente história colonial portuguesa, essencialmente porque se recusou – não, na verdade nem sequer lhe ocorreu – descolonizar. Por que achava que os nativos não estavam prontos, porque achava que aquilo era “nosso” e porque odiava as duas principais nações que pressionavam pela descolonização: os Estados Unidos da América e a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. E porque achava que, sem colónias, Portugal seria uma irrelevância internacional.

Salazar morreu em Julho de 1970, tinha eu 10 anos e vivia em Lourenço Marques. Nunca tinha ouvido falar dele, e só a minha Mãe é que me explicou que ele era o chefe do governo português, porque no dia em que ele faleceu o Rádio Clube de Moçambique transmitiu música clássica fúnebre durante horas a fio, o que achei estranho (excepção feita para a LM Radio, que continuava a bombar rock & roll e pop).

Salazar, década de 1960. Nunca visitou Moçambique.

26/02/2021

A HISTÓRIA DA ESTÁTUA DE SALAZAR EM LOURENÇO MARQUES

Imagens retocadas.

Esta história já foi abordada aqui, aqui.

Na primeira imagem em baixo vê-se a original estátua de António Oliveira Salazar – bem, uma cópia, feita pelo escultor Francisco Franco – maior e em pedra, nas vestes do seu doutoramento em Coimbra, que foi colocada com destaque em frente à fachada principal do liceu inaugurado em 6 de Outubro de 1952 e que teve o seu nome até meados de 1974. Segundo o Luis Silva e Sousa, cerca de 1963 “alguém em Lourenço Marques que não morria de amores pelo velho ditador” decapitou a estátua de pedra detonando, uma noite,  um pequeno engenho explosivo (imagino o filme que foi com a Pide e Cia Limitada naquela altura) tendo então a mesma sido posteriormente substituída por uma idêntica mas ligeiramente mais pequena, em bronze.

Em 1963, Salazar tinha 72 anos de idade e já governava Portugal com mão de ferro há 31 anos consecutivos, através de um regime de partido único que comandava pessoalmente com particular aptidão e com o apoio de instrumentos de repressão que eram eficazes em identificar e neutralizar qualquer oposição. Ai de quem abrisse a boca contra o seu regime – fosse branco ou preto.

Muitos consideraram bem-vinda a sua postura, após o quase absoluto caos que se viveu durante e especialmente no fim da I República. Surpreendentemente, em seguida, cometeu a façanha de manter Portugal fora da II Guerra Mundial. A enorme estátua do Cristo-Rei em Almada, Portugal, uma ideia de Manuel Cerejeira, compagnon de route de Salazar e Cardeal Patriarca de Lisboa entre 1929 e 1971, testemunha em parte a gratidão dos portugueses pelo que Salazar fez.

Assim, apesar de inúmeras vicissitudes, em 1963 Salazar parecia estar para ficar, de pedra e cal.

Notoriamente, apesar de todos os sinais e pressões ocorridas antes e depois do término da II Guerra Mundial (vencida por duas super-potências alegadamente “anti-coloniais” os EUA e a União Soviética, se bem que por razões diferentes) e os países europeus aceleradamente negociarem rápida, se atabalhoadamente, a independência das suas dependências coloniais em África, Salazar mantinha a peregrina opinião que, por supostas “especificidades portuguesas”, o seu país seguiria um caminho diferente. Quando muito, as suas colónias seriam “novos Brasis”, mas isso mais ou menos no dia em que as galinhas tivessem dentes. Até porque Moçambique estava ainda quase na idade da pedra em termos económicos e educacionais, e, igualmente importante, estava confortavemente acolchoado por quatro ex-colónias britânicas que explicitamente negavam os direitos aos seus cidadãos e achavam a mesma coisa (África do Sul, Swazilândia, Rodésia do Sul e Niasalândia). A excepção ocorreria precisamente em 1963, com o longínquo Tanganica, lá no Norte, cujo líder, Julius Nyerere, alojava um bando de nacionalistas negros moçambicanos constituídos numa atribulada Frente, que se preparavam para iniciar uma guerra para acabar com a soberania portuguesa no território. Mas no meio estava Cabo Delgado, um virtual deserto, e a enorme Zambézia, que não mostrava quaisquer sinais de qualquer rebelião contra a Pax Lusitana. Portanto a sua decisão foi aguentar o embate.

Claro que, subjacente, estaria na sua mente, eventualmente, o destino dos cerca de 100 mil portugueses a viver em confortável recato em Moçambique e a suspeita que uma retirada portuguesa levaria a uma ditadura comunista, à destruição do investimento e da economia e ao surgimento de uma elite predadora que capturaria toda a riqueza de forma ilícita. Nos anos 60, era o que se observaria um pouco por todo o continente.

Salazar achava também que, sem colónias, Portugal seria uma nação irrelevante. Uma Catalunha mas sem dinheiro nem talento. E havia a História. Em 1963, já tinha lidado com o início da guerrilha em Angola, com o caso Santa Maria, com a perda de Goa e com as resoluções das Nações Unidas.

Enfim.

Localmente, o decapitamento da sua estátua em 1963 foi, portanto, e então, convenientemente, condenado e, presumo que  via a censura local, gerido com a habitual parcimónia, relegado para a importância de uma mera brincadeira de mau gosto promovida por miúdos. A Cidade, e o regime, não perderam o sono por causa do incidente.

A estátua de pedra do ditador português em 1961, em frente à chancelaria do liceu com o seu nome no Bairro da Polana, em Lourenço Marques, uma espectacular e aparatosa obra de luxo com que o regime de então presenteou a cidade, que até então só dispunha do venerando e já um tanto pindérico Liceu 5 de Outubro, nas suas traseiras (onde, ainda assim, prontamente se instalou a Escola Comercial Azevedo e Silva). Formalmente, ali funcionava também o Liceu feminimo, Dona Ana da Costa Portugal, onde muitas bonitas meninas locais estudaram e de vez em quando piscavam o olho aos rapazes do Liceu Salazar.

 

Rara fotografia de 1963  onde se pode ver, ao fundo, o pedestal da estátua do Dr. Salazar, agora decapitada, com um tapume de madeira, à espera que, de Portugal, viesse nova estátua, esta de bronze, para não haver mais confusões.

Ao contrário de parte significativa das obras de arte e estatuária portuguesa alusiva a Moçambique (no que concerne a sua história) no após-independência, que foram ostensivamente apeadas e guardadas num canto ou destruídas (em Portugal fez-se mais ou menos a mesma coisa), a obra evocativa de Salazar não teve direito a lugar cativo na curiosa piro-histórico-turística “Fortaleza” de Maputo, a nova capital do país nascente. Ditou o freudiano e aparentemente persistente trauma frelimiano com Salazar (há uma longa entrevista de Joaquim Chissano – que estudou no Liceu Salazar, um dos raros moçambicanos negros que por ali passou nos anos 50 e se tornou num destacado estadista do novo regime – a explicar toda esta dialéctica) que a estátua de cobre de Salazar – a segunda do liceu – fosse ostensivamente encostada a uma parede num canto das traseiras da actual Biblioteca Nacional de Moçambique, que era a antiga Biblioteca Municipal em frente ao Hotel Tivoli na baixa de Maputo (e antes disso a Fazenda de Moçambique).

Ou seja, ele está lá, mas não está lá.

O que é curioso, pois, literalmente, em termos da história colonial portuguesa em Moçambique, Salazar é sem qualquer margem de dúvida incontornável, o elefante na sala que todos parecem querer fingir que não está ali. Faz lembrar aqueles faraós egípcios em relação aos quais, depois de morrerem, por terem sido impopulares, os seus sucessores gastaram fortunas a destruir as suas efígies, a riscar os seus nomes e feitos do registo histórico e até a proibir os seus nomes de serem mencionados. Por maioria de razão, mais do que qualquer outro indivíduo, António de Oliveira Salazar foi o pai, a mãe e o filho do colonialismo português a partir de 1945. Não deve ser ignorado. Deve ser encarado de frente e estudado. Para que gerações futuras de moçambicanos possam entender o que foi, quando foi e porque foi. A antiga estátua do Liceu Salazar, que é um objecto de arte que até tem uma história interessante, se calhar ajudava no processo.

A nova estátua, agora feita de bronze, já colocada em frente ao Liceu, 1964.

 

A mesma estátua, actualmente, algures nas traseiras da Biblioteca Nacional, na Baixa de Maputo.

06/08/2020

O LICEU SALAZAR EM LOURENÇO MARQUES, 1952

Filed under: Josina Machel, LM Liceu Salazar, Salazar — ABM @ 14:24

Imagem retocada.

O Liceu Salazar (depois Josina Machel) foi inaugurado no dia 6 de Outubro de 1952, uma segunda-feira, na Polana em Lourenço Marques, em terrenos onde antes funcionou durante décadas a Estação Telegráfica que ligava, desde 1880, Lourenço Marques à África do Sul e à Europa. Substituiu o Liceu 5 de Outubro, situado nas suas traseiras, que passou mais tarde a ser a Escola Comercial Azevedo e Silva. Custou 58.500 contos (um conto eram mil escudos, que em 1980 foram convertidos em meticais) e na altura era o maior e o melhor liceu em todo o território português.

O liceu foi baptizado com o nome de António de Oliveira Salazar, que seria Presidente do Conselho de Ministros de Portugal, entre 1932 e 1968 (efectivamente ditador de um regime de partido único) e cuja estátua alusiva, em pedra, decorava o seu átrio central, em frente à entrada principal do complexo. A estátua seria destruída por um engenho explosivo em 1962, sendo expeditamente substituída por uma igual, em metal. Após o golpe militar em Lisboa em Abril de 1974, foi logo removida do local e, para despachar, o liceu temporariamente chamado 5 de Outubro (nome do primeiro liceu da Cidade, evocativo do golpe de Estado em Lisboa que derrubou a monarquia em 1910), após o que seria substituído pelo nome de Josina Machel, a primeira Mrs. Samora Machel, que faleceu de doença em Dar es Salaam, em 1971.

Provavelmente por algum óbvio “revanchismo histórico” por parte dos novos poderes instalados, e ao contrário de outras obras de arte, a estátua de metal do ditador seria colocada não na Fortaleza de Nossa Senhora da Conceição, como Ennes e Albuquerque mas… num canto na parte de trás da Biblioteca Nacional, em plena Avenida 25 de Setembro em Maputo….virada contra uma parede (ah ah), onde ainda se pode visitar algo clandestinamente, exactamente cinquenta anos após a morte física do que foi o principal responsável pela gigantesca embrulhada em que ele envolveu o seu país e as suas colónias. Tipo gato escondido com o rabo de fora.

O Liceu Salazar. Atrás, a Escola Comercial.

11/06/2019

AS TROPAS LANDINS EM TIMOR, 11 DE DEZEMBRO DE 1945

Imagem retocada, tirada daqui e mencionada aqui.

Um comentário prévio.

Eu tento seguir, na medida do possível, os trabalhos académicos relacionados com Moçambique, actividade assaz difícil pois não sou académico e a informação é tendencialmente disseminda das formas mais quixotescas, desde em livros que custam 150 euros e que se têm que mandar vir da Patagónia do Sul, até artigos de meia dúzia de páginas que sítios idióticos predadores “alugam” por 50 dólares para serem lidos online durante  apenas 24 horas. Pelo menos um académico que sigo e que respeito (o que é infrequente) assegurou-me que, para além da obrigação profissional de produzir e publicar, ele não ganha um tusto com a publicação dos seus trabalhos sobre Moçambique – sendo, claro, esta, também, uma das razões que nunca jamais consideraria uma carreira académica (ou de jardinagem, que também aprecio muito mas que paga muito mal), ficando-me, no que concerne à minha peculiar curiosidade em relação ao que aconteceu no que é hoje Moçambique, por este modesto blog (e mais três), onde acumulo as poeiras que vou destapando aqui e ali.

Uma rara excepção é o sítio Academia.edu, que, não sei se por causa das suas regras ou de eu ter feito alguma canganhiça de que não me recordo, me vai enviando este ou aquele artigo académico, que invariavelmente leio, e que, recentemente, me chamou a atenção para um curto e quase simpático trabalho do académico brasileiro Daniel de Lucca (o documento diz que é professor numa tal Escola de Sociologia e Política, em São Paulo mas o sítio diz também que lecciona numa tal Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira), que, um tanto ambiciosamente, rotulou “Moçambique em Timor e Timor em Moçambique: diáspora, guerra e revolução nas margens do índico”. Nas suas notas até descobri que tinha mencionado este blog, de onde copiou uma imagem, pelo que, portanto, só pode ser boa gente.

O texto do Daniel tem potencial mas ficou um pouco pela rama, donde espero que um dia ele volte à carga e reforce algumas coisas, especialmente neste caso das relações entre o Moçambique da Frelimo e o suporte dado aos timorenses no indescritível período da dominação indonésia. Recuou, na sua análise, até à II Guerra Mundial. Achei pouco o que ele disse e algo incompleto, e vai ter dois problemas em breve: todos os protagomistas ou já morreram ou estão a morrer, e alguns tornaram-se gente importante e aproveitam para dourar a pílula. Eu, que já bebi uns improváveis copos com os Lobatos, em Moçambique e na casa deles lá nas montanhas em Timor, entre as esplêndidas mas delapidadas plantações de café do tempo colonial, quase sei mais que ele.

Desse texto, realço duas coisas que não têm quase nada a ver com o assunto e que têm que ver com Moçambique:

1.  Uma citação absolutamente priceless do Samora, feita por nada menos que Luis Guterres, um dos timoreses referenciáveis, que quando cumprimentou os aparentemente pelintramente vestidos delegados da Fretilin em Maputo em 1975, lhes segredou, pragmaticamente: “Se quiserem ser bem tratados pelos que te recebem [sic], devem-se vestir melhor que eles”.

2. O comentário do Daniel, tendencioso, desnecessário e errado, feito en passand, em que ele simplesmente escreve que os brancos de Moçambique (os “colonos”presumivelmente como eu – claro), logo após a independência, andaram “a sabotar e a resistir” à Nova Ordem Frelimiana. Escreveu ele: “De facto, as dificuldades enfrentadas pelo país africano cresciam rapidamente: as crises de produção que sucederam a independência; o êxodo de portugueses e outros profissionais técnicos especializados; o boicote e a sabotagem dos antigos colonos; a hostilidade da Rodésia de Ian Smith e da África do Sul do apartheid; além da guerra com a Renamo (…).” Obviamente o Daniel, que sei que não estava lá portanto não viu, engoliu sem questionar o discurso de cassete-padrão da Frelimo – que ainda hoje é usado – e achou por bem repassá-lo. Pois. Só que é tudo falso. No mínimo, o êxodo foi orquestrado pela Frelimo, que sabia precisamente que ia chacinar completamente a economia moçambicana herdada, mas que, liricamente, achava que os camaradas comunistas russos, chineses, etc, iriam de seguida criar a Nova Economia Socialista. A “hostilidade” da Rodésia e dos Boers foi definitvamente assegurada assim que o Samora anunciou na rádio que ia começar a apoiar a guerrilha naqueles países, a partir de bases em Moçambique; e gostava que o Daniel me desse evidência concreta dos tais boicotes e sabotagem dos antigos colonos, a seguir a 1975. Já o presciente Joe Hanlon uma vez veio com aquela fábula dos “colonos” cimentarem os canos de água das suas casas e empresas antes de, generosamente, serem expropriados, presos e expulsos pelos heróicos libertadores. Mas quando lhe perguntei, directamente, onde é que ele foi buscar essa história, a resposta dele foi que aquilo era o que se dizia em Maputo. Ai sim Joe? és tão esperto mas essa é a tua fonte? alguém disse? Nestas coisas, o Professor Daniel deve tentar aprender a pôr de lado o porreirismo fraternal afro-brasileiro, muito comum em alguns textos académicos brasileiros, e a estudar e contextualizar os factos com rigor e tentar não emprenhar pelos ouvidos.

Enfim.

O que considerei mais interessante no artigo escrito pelo Daniel, no entanto, foi a fotografia em baixo, tirada no dia 11 de Dezembro de 1945 pelo sargento Australiano Keith Benjamin Davis no pátio do forte timorense de Bobanaro, na fronteira entre o então revertido território de Timor e, presumo, a outra metade da ilha, que formalmente ainda era uma colónia holandesa, de uma companhia de Tropas Landins. O que o Daniel refere eu já sabia mas merece ser referida aqui.

No início de 1942, os japoneses invadiram Timor (na altura ninguém se referia a Timor como “Timor-Leste”), que muito teoricamente poderia ser usada como base para atacar Darwin, no Norte da Austrália, 600 quilómetros de Dili em linha recta, e em três anos e meio fizeram tanta chacina na metade portuguesa da ilha, o que, por comparação, fez o pior do colonialismo português parecer um acto de irmandade inter-étnico (quase precisamente o mesmo viria a ser feito pelos indonésios, entre 1975 e 2000).

Logo no final de 1941, Salazar, neutral, formal, didáctico, solícito e sempre cioso dos direitos épico-dinásticos portugueses relativos às suas possessões ultramarítimas, e inicialmente pouco ciente da ferocidade nipónica, ordena que os seus militares montem uma expedição militar para retomar a colónia asiática, a partir da pequena e plácida Lourenço Marques (que o Daniel chama “Maputo” quando se refere a Lourenço Marques em 1942), em Moçambique, de onde, em 26 de Janeiro de 1942, parte em direcção ao Oriente, em dois navios da marinha portuguesa, o João Belo e o Gonçalves Zarco. Volvidas umas semanas, ao se aproximarem da ilha e percebendo da potencial chacina face aos pouco cooperantes japoneses, fizeram uma prudente marcha-atrás e demandaram a pequena colónia de Goa, ali mais perto.

Até Agosto de 1945, que foi quando os norte-americanos, para variar, derrotaram e ocuparam o Japão, a acção portuguesa limitou-se a actos de diplomacia. Salazar gastou o tempo todo em considerandos, pareceres, negociações e telegramas, trocados com o beligerantes envolvidos, para assegurar que Timor no fim voltasse para a posse portuguesa – documentação que o Ministério dos Negócios Estrangeiros português, invulgarmente, publicou, penso que nos anos 80, em dez fartos volumes, presumivelmente, impecavelmente sanitizados, para mostrar o génio do ditador de saber navegar as turbulentas águas da política internacional daquela década..

Segundo o excelente sítio Defesa Nacional, citado pelo Exmo. Leitor Fernando Silva Morgado em baixo nos comentários, que deve ser lido, os portugueses, também em Lourenço Marques, prepararam em Lourenço Marques, desde Junho de 1944, uma segunda expedição para recuperar Timor.

Como acontecera em 1942, esta segunda expedição para retomar Timor incluía também uma companhia de Tropas Landins, recrutadas no Sul de Moçambique, que aparentemente foram recebidos como (entenda-se o paradoxo) libertadores pelos martirizados timorenses.

As Tropas Landins em formação no pátio do Forte de Bobanaro, em Timor, 3ª Feira, dia 11 de Dezembro de 1945, como parte da retoma da soberania portuguesa na metade da Ilha, uns meses após a rendição japonesa.

 

O Gonçalves Zarco e o Bartolomeu Dias, ancorados ao largo de Dili, 29 de Setembro de 1945: a Pax Lusitana regressava a Timor, por mais uns anos. Poucos sabem que Timor foi formalmente território português até 2001. Tanto assim que ainda hoje, qualquer timorense nascido até esse ano é formalmente considerado cidadão português e pode pedir BI e passaporte português e ir residir em Portugal.

 

 

26/05/2019

OS REBELO DE SOUSA NO PALÁCIO DA PONTA VERMELHA EM LOURENÇO MARQUES, 1969

Imagem retocada.

A fugaz passagem de Baltasar Rebelo de Sousa por Moçambique – onde esteve no topo da administração colonial de cerca de dois anos, entre meados de 1968 e o primeiro semestre de 1970 – impressionou muito menos pela substância que pelo estilo, que, retrospectivamente, era a substância e que constrastava quase completamente com o cinzentismo reiterado dos seus antecessores e sucedâneos no cargo de Governador-Geral da sedutora mas perpetuamente problemática colónia africana, para o qual eram nomeados por despacho de Lisboa.

No seu caso, nomeado, ainda, pelo Dr. Oliveira Salazar, que também, antes da queda da cadeira no pequeno forte onde veraneava em São João do Estoril (agora um visitável museu) e do AVC, decidira ainda mandar construir a faraónica Cabora-Bassa a reter as águas do Zambeze, lá nos confins de Tete e a produzir electricidade basicamente de borla para os boers.

Marcelo Caetano, o sucessor de Salazar e uma espécie de compagnon de route de Baltasar dos seus tempos da Mocidade Portuguesa e dos corredores da União Nacional, o partido único da altura (sucedido efectivamente pelo actual partido único composto pelo duopólio PS e PSD), assim que pôde puxou-o para o pé de si na capital do já atribulado Império Português, do qual ostensivamente desistiria voluntariamente em Fevereiro de 1974, quando Spínola insitiu em publicar Portugal e o Futuro, dois meses antes do golpe militar organizado pelo Lourenço-marquino major Otelo de Carvalho.

Adicionalmente a uma queda, genial e até então largamente desconhecida do público cativo da ditadura, para o protocolo e as relações públicas, que se primava pela informalidade, pela proximidade, e pela simpatia por praticamente tudo e todos, e todas, com talvez a excepção dos terroristas da Frelimo (e mesmo aí, presume-se, estritamente por razões conveniência de serviço), Baltasar, que desempenhou os seus dois anos com irrepreensível competência – no resto aparentava ser um produto ideologicamente acabado do regime criado por Salazar- trazia consigo na bagagem para Lourenço Marques uma arma formidável e inédita, que se revelaria crítica para a posterior percepção da sua passagem: uma família motivada e detalhadamente preparada para o papel, previamente inexplorado ao ponto da quase inexistência, de primeira família do Moçambique colonial, com todos os seus tiques e apartheids sociais, económicos, culturais, religiosos e especialmente raciais.

Se só por um breve momento, os portugueses, e moçambicanos, de todas as cores, ficaram rendidos e distraídos.

Baltasar foi, por exemplo, o único governador na História de Moçambique que, pessoalmente, tratou os pretos e os monhés de Moçambique como gente, com respeito, descomplexadamente, quase como concidadãos.

 

Numa das salas do Palácio da Ponta Vermelha em Lourenço Marques, 1969. Os três filhos de Baltasar e de Maria das Neves entretêm os convidados. Ver a mesma imagem indexada, em baixo.

A forma como Baltasar encarou a sua missão, naquele ano de 1968, e a sua interpretação do papel de Portugal no futuro da colónia, descrita no seu discurso feito no salão de festas do Liceu Salazar em Abril de 1969 durante a visita do seu amigo Marcelo (caetano), foi, se só por isso, uma vertigem de contraste com a realidade de então, senão, afinal, uma cruel ilusão, em última instância uma ironia quase quixotesca, que a Frelimo e os seus acólitos depressa corrigiriam marcialmente e com rigor marxista, impondo, assim que os capitães portugueses rebeldes lhes entregaram apressada e solicitamente o poder e o resto no dia 20 de Setembro de 1974, um longo e miserável Gulag,  pondo um fim à bem intencionada visão da criação, em Moçambique, de uma sociedade multiracial, multicultural, religiosamente diversa, democrática e com níveis elevados de crescimento económico e social.

Pois não haveria, não poderia haver qualquer piedade para com os colonos brancos malvados, especialmente esses – e essas – que os haviam oprimido durante quinhentos anos seguidos (foram oitenta mas não interessa). Nem com os seus filhos.

E não houve. E assim, com possivelmente a excepção da família do Mia Couto, que apesar de branca e de origem portuguesa como eu (vindos da rival Beira, ainda por cima) se professou laudatória e convictamente como “moçambicana de gema” (traduzindo: mais moçambicana que eu, apenas porque na altura achou por bem submeter-se ao terror do Gulag frelimiano, assegurando assim o novo, precioso BI do novo regime) a esmagadora maioria dos brancos restantes no território, preferiu celeremente fugir ou sair para o mundo, uma decisão que, retrospectivamente, foi tão sábia para si como trágica, para o futuro do, actualmente, sétimo país mais miserável do mundo e um dos mais corruptos, em que um recente presidente demonstradamente orquestrou um roubo descarado de dois mil milhões de dólares e ainda se passeia pela capital, livremente discursando o seu patriotismo e apego ao maravilhoso povo.

A família de Baltasar incluía a sua mulher Maria das Neves e três jovens filhos (estão na fotografia), minuciosamente educados para uma irrepreensível conduta pública. E neste núcleo, distinguiria dois factores críticos de sucesso: a enorme cumplicidade entre o casal, e a discreta e inteligente genialidade de Maria das Neves, que, nalguns aspectos, apesar de algum esforço de manter aquela discrição feminina submissa ainda muito apreciada na sociedade portuguesa, era ainda assim tida como tão ofuscante que Baltasar era, por comparação, injusta e maliciosamente, desconsiderado pelas má-línguas de Lourenço Marques não como o Governador-Geral, mas o marido de Maria das Neves. Alguns chamavam-lhe o Baltazero, o que até era simpático se comparado com a alcunha que desmerecidamente se dava, por exemplo, a Pimentel dos Santos, outro competentíssimo tecnocrata, e que nao repetirei aqui. A chacota de quase todos os governamentes nomeados por Lisboa para irem mandar em Moçambique era uma tradição longa e nobre na capital moçambicana e Rebelo de Sousa não seria excepção.

Maria das Neves, bonita, elegante e informal, culta, ciente da sua missão e que era o que os sul-africanos do apartheid chamavam um class act, não se cingia aos tradicionais chás das 5 no palácio com as madames da elite branca da Cidade e a ocasional inauguração de mais uma traineira ou mais uma créche, que era mais ou menos o que todas fizeram antes e depois dela. Com o apoio de Baltasar, interessava-se pela arte e pelas outras culturas de Moçambique e puxou pelo seu reconhecimento e valorização, indo ao mato encontrar-se com as pessoas e trazendo-as ao Palácio da Ponta Vermelha, a sumptuosa residência dos Governadores-Gerais desde que António Ennes chegara a Lourenço Marques no início de 1895 para salvar a pequena cidade das investidas das tribos locais e ali ficara a residir numas casas que tinham sido da Concessão do Coronel McMurdo que ali havia (da linha férrea entre Lourenço Marques e Pretória, que seria inaugurada seis meses mais tarde).

Maria das Neves no Residência do Governador-Geral em Lourenço Marques, cerca de 1969.

O mandato de Baltasar seria dos mais curtos de todos os governadores-gerais desde 1926. Em seguida iria ser ministro de Caetano em Lisboa e seria sucedido no cargo por Arantes de Oliveira, um apagadíssimo mas inteligentíssimo tecnocrata, que se focaria em concluir a megalómana Barragem de Cabora Bassa, enquanto o General Kaúlza de Arriaga fazia a guerra à moda do Vietname, numa escalada que fora acompanhada pelos financiadores da Frelimo, que, na sequência do assassinato do Dr. Mondlane em Fevereiro de 1969,  já se haviam radicalizado e cheiravam sangue no ar, especialmente depois de o Papa, Paulo I, sem qualquer aviso, ter recebido no Vaticano os representantes das guerrilhas africanas, incluindo o perpetuamente incontornável e agora celebrado nonagenário, Marcelino dos Santos.

Naquela altura, Caetano já ia empurrando o desfecho final com a barriga, sendo a obstinação de Salazar com as colónias seguida pela rigidez negocial de Américo Tomás, impedindo, no final a sua visão da criação de uma espécie de commonwealth, certamente seguida de independências formais. Mas já era tarde demais para uma descolonização à britânica.

No final de 1973, à guiza de uma questão algo esdrúxula de estatuto, carreira e remuneração, os oficiais júniores do exército conspiraram e, quase surpresos, descobriram apoios fortes a quase todos os níveis e pelo menos a complacência de Caetano. À segunda vez, sucederam, ao som do Grândola Vila Morena e com um breve sopro, derrubar a ditadura.

Nesse dia, resignado, Baltasar, ministro, esperou pacientemente pelo desfecho da intentona no seu gabinete e à tarde  entregou as chaves do seu carro de serviço e foi para sua casa na Rua de São Bernardo, de onde mais tarde seguiu, com Maria das Neves, para um exílio inesperado no Brasil.

Baltasar Rebelo de Sousa e a sua mulher nunca foram esquecidos em Moçambique, mesmo durante o pior do ressábio anti-português da Frelimo. Ficou no ar o mito daquela espécie de primavera, a simpatia empenhada do casal e aquela vertigem do que poderia ter sido mas que nunca seria.

É em parte por causa disto tudo que, quem viveu essa era e agora analisa o desempenho do seu filho mais velho, que desde novo apostou na democratização do regime (pelo PSD, o lado direito da actual União Nacional) e sucedeu recentemente em ser eleito presidente da república portuguesa, tem a mais estranha sensação de dejá vu.

A sensação de que, salvaguardadas as abissais diferenças nos meios de comunicação e natureza dos regimes, se está perante uma espécie de Governador-Geral de Portugal, com a singular diferença de que Portugal, pese a propaganda e o engodo histórico e ideológico agora em voga, não teve nem tem o passado ou sequer a vocação multicultural multiracial e multi-religiosa que uma vez existiu na sua antiga colónia da África Oriental.

La em cima, presume-se, Baltasar e Maria das Neves estarão a sorrir.

A mesma imagem, indexada. 1- (?); 2- (?); 3- (?); 4- (?); 5- António Rebelo de Sousa; 6 – Marcelo Rebelo de Sousa; 7 – (?); 8 – (?); 8- (?); 9- Malangatana Valente; 10 – Pedro Rebelo de Sousa; 11- (?); 12- (?); 12- (?). Se o Exmo. Leitor conhecer alguma das pessoas não identificadas, por favor escreva para aqui uma nota com a informação que tiver.

 

08/12/2018

A INAUGURAÇÃO DO ESTÁDIO SALAZAR NA MACHAVA EM MEADOS DE 1968

Filed under: LM Estádio Salazar, Salazar — ABM @ 23:19

 

Postal alusivo à inauguração do Estádio Salazar em Lourenço Marques a 30 de Junho de 1968, assinalado por um jogo entre selecções de Portugal e do Brasil. Por esta altura, António Oliveira Salazar estava na presidência do governo português há 38 anos seguidos e as homenagens do regime sucediam-se, de que o nome do estádio era apenas uma.

20/07/2013

ANTÓNIO DE OLIVEIRA SALAZAR, 1966

Filed under: Salazar — ABM @ 14:49

Uma fotografia de Salazar com uma nota de uma agência noticiosa norte-americana;

Uma fotografia de Salazar com uma nota de uma agência noticiosa norte-americana: “Nova Iorque, 24 de Abril de 1966- O Decano dos Ditadores – O primeiro-ministro António de Oliveira Salazar de Portugal, na foto em cima, completará 79 anos de idade na próxima sexta-feira, tendo passado quase metade da sua vida a mandar no país, sendo assim o ditador que manda há mais tempo no mundo. Salazar, solteiro, tem mantido o seu país sob uma mão de ferro desde que um punhado de generais o tornaram primeiro.ministro em 1932.”

10/06/2013

O BERÇO DE ANTÓNIO OLIVEIRA SALAZAR

A casa onde o diatdor nasceu e cresceu na localidade de Santa Comba Dão (onde fui sepultado em Julho de 1970). Parte do mito.

A casa onde o diatdor nasceu e cresceu na localidade de Santa Comba Dão (onde fui sepultado em Julho de 1970). Parte do mito do político que nasceu pobre e morreu pobre, ainda hoje popular entre muitos dos seus compatriotas.

 

O Professor Doutor, posando para a posteridade no início da ditadura. Herdou um país que era um caco mas a longa permanência no poder   criou outros problemas.

O Professor Doutor, posando para a posteridade no início da ditadura. Herdou um país depauperado pelas tricas da 1º República, mas a longa permanência no poder criou outros problemas, nomeadamente o colonial, o desajustamento com os níveis de desenvolvimento económico e social dos seus vizinhos europeus e a perpetuação de um paradigma insustentável, para não falar da mania do dirigismo centralizado nas decisões estatais. Quem veio a seguir teve que apanhar os cacos outra vez – e não apanhou coisa nenhuma.

 

21/02/2012

SALAZAR E O CARDEAL MANUEL CEREJEIRA, ANOS 1960

Filed under: Cardeal Manuel Cerejeira, PESSOAS, Salazar — ABM @ 10:53

Fotografia restaurada.

 

O Cardeal Manuel Cerejeira e António Oliveira Salazar em Lisboa, anos 1960.

13/02/2012

ANTÓNIO OLIVEIRA SALAZAR FALA À NAÇÃO PELA TELEVISÃO, ANOS 1960

Filed under: José Maria Mesquitela, Salazar — ABM @ 01:30

Foto dedicada ao José Maria Mesquitela, o filho mais novo duma grande Família de Moçambique.

Foto restaurada. Para ver em tamanho máximo, prima na imagem duas vezes com o rato do seu computador.

Oliveira Salazar, que governou em ditadura entre 1930 e 1968, aqui a falar aos portugueses da Metrópole pela televisão, anos 1960.

11/02/2012

A CHEGADA A LOURENÇO MARQUES DE BALTAZAR REBELO DE SOUSA, GOVERNADOR-GERAL, 1968

Fotografia do IICT, restaurada.

Para ver a fotografia em tamanho maior, prima duas vezes na imagem com o rato do seu computador.

Baltazar Rebelo de Sousa (1921-2002) foi nomeado ainda por António de Oliveira Salazar como Governador-Geral de Moçambique, à chegada a Lourenço Marques, 1968.

Reproduzo uma nota publicada no Correio da Manhã aquando da sua morte em 2002, editada por mim:

Baltazar Rebelo de Sousa foi governador de Moçambique entre 1968 e 1970, tendo desenvolvido um percurso político próximo de Marcelo Caetano. Desempenhou funções de comissário nacional da Mocidade Portuguesa e de subsecretário de Estado da Educação de Marcelo Caetano. Foi ainda ministro dos Assuntos Sociais e das Corporações e Previdência Social. Uma das figuras mais destacadas do Estado Novo, Baltazar Rebelo de Sousa assumiu-se desde cedo como um reformista do regime fundado por Oliveira Salazar, deixando marcas nas políticas nacionais de saúde e, sobretudo, na africana. Desempenhou o cargo de governador-geral de Moçambique entre 1968 e 1970, tendo impulsionado a “africanização” do regime na ex-colónia portuguesa. A visão estratégica que evidenciou então viria mais tarde a ser elogiada pela própria Frelimo.

Durante o ano e meio que passou em Lourenço Marques, hoje Maputo, era regular o convívio que mantinha com escritores, artistas plásticos e musicólogos moçambicanos, como Malangatana, José Craveirinha e Garizo do Carmo, procurando igualmente um contacto próximo com os cidadãos mais desfavorecidos.

Regressado a Portugal, acumula os ministérios das Corporações e Assistência Social e da Saúde e Assistência, seguindo uma política de alargamento da rede de cuidados médicos e melhoria das estruturas hospitalares. Um conjunto de medidas que o situaram na “esquerda” do regime.

Em 1973, Marcelo Caetano, incontornável referência no percurso político de Baltazar Rebelo de Sousa, nomeia-o ministro do Ultramar, cargo que desempenhava aquando do 25 de Abril de 1974.

Após a “Revolução dos Cravos” exilou-se no Brasil em Junho de 1974, onde permaneceu durante 17 anos.

A ligação de Baltazar Rebelo de Sousa a Marcelo Caetano começou muito antes de este último assumir a chefia do Governo. Em Setembro de 1968, ambos integraram o influente “grupo da Choupana”, uma tertúlia de elementos ligados ao regime mas com perspectivas críticas em relação à política de Salazar.

E quando Marcelo Caetano é nomeado ministro das Colónias, Baltazar Rebelo de Sousa, ainda universitário, assume funções de seu secretário. A sua participação no Governo inicia-se em 1955, aos 34 anos, quando é nomeado subsecretário de Estado da Educação Nacional, cargo que desempenha até 1961. (fim)

03/09/2011

A MORTE DE ANTÓNIO OLIVEIRA SALAZAR, 1970

Filed under: PESSOAS, Salazar — ABM @ 00:46

Salazar após falecer, Julho de 1970. Marcello Caetano substituira-o em 1968.

 

Cartão de protocolo associado às cerimónias funerais de Salazar, imagem de José Tomaz Mello Breyner.

11/01/2011

SALAZAR – COMÍCIO NA PRAÇA DO COMÉRCIO – ANOS 30

Filed under: PESSOAS, Salazar — ABM @ 21:56

SÉRIE PESSOAS

SALAZAR - COMÍCIO NA PRAÇA DO COMÉRCIO - ANOS 30

SALAZAR – COMÍCIO NA PRAÇA DO COMÉRCIO – ANOS 30

Filed under: PESSOAS, Salazar — ABM @ 21:55

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SALAZAR - COMÍCIO NA PRAÇA DO COMÉRCIO - ANOS 30

ANTÓNIO DE OLIVEIRA SALAZAR

Filed under: PESSOAS, Salazar — ABM @ 21:52

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ANTÓNIO DE OLIVEIRA SALAZAR

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