Imagens retocadas.
Nas minhas pesquisas, descobri há uns dias dois dentes de marfim de Moçambique, trabalhados, para licitação, num sítio electrónico de leilões, com a nota indicando que haviam sido oferecidos em Moçambique a Jorge Brum do Canto, um vagamente conhecido cineasta português, que, entre outros conseguimentos, filmou em Moçambique, num tom épico-cómico-colonial, a obra “Chaimite” (1953), relatando todo aquele episódio do Mouzinho no final do Século XIX.
A informação dos dois dentes de marfim vinha com dados sobre o seu tamanho e peso e explicava que Jorge, o seu proprietário durante décadas, tinha falecido em 1994. Portanto, fizeram parte da herança despachada quiçá por uns sortudos sobrinhos primos, pois o Jorge nunca casou e (que se saiba) não teve filhos.
A proveniência dos marfins não é assunto dispiciente pois hoje em dia que fôr apanhado a vender marfim proveniente da caça ilegal vai dentro. Mas o marfim do tempo da Maria Cachucha está isento destas minudências jurídicas.
Nas entrelinhas, a insuspeita Wikipédia descreve Jorge Brum do Canto como um artiste multifacetado, filho único da mamã e de Salvador (na verdade ele tinha uma irmã, a Lelé), um ilustre açoriano, que parece ter tido berço de ouro que aparentemente lhe durou a vida toda.
Mas -para mim- a surpresa. Quem era a sua mamã? Berta Rosa Limpo (com um “h” no Berta” para alertar para as origens aristocráticas) rainha indisputada da culinária portuguesa durante décadas e cuja obra-prima é o livro de Pantagruel, que eu li interessadamente durante a adolescência moçambicana (culinária era uma paixão secreta minha) pois a Mãe Melo tinha uma cópia em casa.
Com a Descolonização, não sei onde o livro foi parar.
Bertha, que na década de 30 passou dois meses na Itália, onde foi cantar profissionalmente, teve a ideia do livro, que primeiro editou em 1946.
E onde nasceu a nossa Bertha? em Quelimane, Moçambique. Mas cedo iria para os Algarves, onde cresceu.
Bertha, que morreu em 1981, ainda a tempo de ver a sua veneranda Quelimane natal a ser entregue sem grande cerimónia aos novos senhores da Frelimo, era uma celebridade de direito próprio, numa altura em que só havia jornais, revistas, rádio e um pouco de televisão. Outras vieram, como Maria de Lurdes Modesto, mas Bertha foi – e permanece – a Original.
Para além de que foi uma empresária e mulher de armas, numa altura em que as mulheres em Portugal se distinguiam por levar porrada dos maridos, ficarem fechadas em casa, não se poderem divorciar e precisarem de autorização conjugal para viajarem até ao estrangeiro.
Tudo isto porque vi dois dentes de elefante de Moçambique à venda num leilão electrónico.