THE DELAGOA BAY WORLD

28/11/2018

JACINTO MUNDAU, UM MOÇAMBICANO EM MACAU, IN MEMORIAM

Jacinto Mundau foi um jovem soldado moçambicano, nascido em  Magude, em Gaza, que provavelmente viajou com o meu Pai (que vinha da ilha açoriana de São Miguel) para, junto com o Batalhão de Caçadores Nº1 de Boane guarnecerem as defesas de Macau, na altura em efervescência por uma variedade de razões, talvez a mais importante de todas fosse a tentativa de boicote ocidental (liderada pelos Estados Unidos) à China então já sob o controlo do regime comunista de Mao Tsé Tung.

A magnífica obra Confluência de Interesses: Macau nas Relações Luso-Chinesas Contemporâneas, 1945-2005, nas páginas 141-180, conta em detalhe impressionante as circunstâncias e os incidentes em si, durante os quais Jacinto Mundau foi morto. Esta obra pode ser lida aqui.

Numa sequência em crescendo de incidentes no pequeno enclave português naquele ano de 1952, envolvendo a tropa portuguesa e chinesa junto das Portas do Cerco(que eram de facto a única passagem terrestre entre o enclave e a China), a situação chegou a vias de facto, com o resultado de terem resultado mortos e feridos de ambos os lados. Do lado português, registou-se a morte de Jacinto Mundau.

Jacinto Mundau, soldado moçambicano assassinado por guardas chineses nas Portas do Cerco, em Macau, ao fim da tarde do dia 27 de Julho de 1952. Imagem colorida por mim.

A Portaria de 6 de Maio de 1953 (Ordem do Exército nº 9 / II Série / 1953), regista o seguinte: “Condecorado com a Medalha de cobre de Valor Militar, a título póstumo, nos termos do § 2° do artigo 8° do Regulamento da Medalha Militar, de 28 de Maio de 1946, por satisfazer às condições expressas no § 1° do artigo 7° do mesmo regulamento, o Soldado Indí­gena de Moçambique, Jacinto Mundau, nº 50/A/335, da 2ª Companhia do Batalhão de Caçadores nº 1, da guarnição militar da Província de Macau, porque, quando se procedia ao encerramento da fronteira na tarde de 25 de Julho do ano findo, foi atingido grave­mente com tiros, disparados por militares chineses, que lhe causaram a morte, quando, desarmado, lutava corpo a corpo, a fim de libertar e trazer para território na­cional um seu camarada, que, apanhado de surpresa, era arrastado para território chinês, demonstrando valentia, coragem e dedicação patriótica.

No quartel onde Jacinto ficava com os seus camaradas em Macau, as autoridades coloniais colocaram uma placa de bronze a homenageá-lo:

BATALHÃO DE CAÇADORES N.º 1
2.ª COMPANHIA
SOLDADO INDÍGENA AFRICANO
N.º 50 –A – 335
JACINTO MUNDAU
NATURAL DE MAGUDE – DISTRITO
DE GAZA (MOÇAMBIQUE)
MORTO DO CUMPRIMENTO DO
SEU DEVER EM 25 DE JULHODE 1952
PRESENTE

Cerca de dez anos mais tarde, no Quartel de Boane, já em Moçambique realizou-se uma cerimónia em memória e de homenagem a Jacinto Mundau, que foi relatada no Jornal do Exército, Nº33 (Setembro de 1962):

O artigo do Jornal do Exército sobre Jacinto Mundau.

Uma Nota Pessoal

Em meados de 1951, o meu Pai, então um jovem Tenente no exército português, e que vinha dos Açores, e que tinha estado em Moçambique a recrutar um contingente de tropas – as chamadas tropas Landins – chegou a Macau, onde ficaria até ao segundo semestre de 1957. Pouco depois, a minha Mãe, acompanhada pela minha segunda irmã mais velha, Manuela, nascida em São Miguel em Julho de 1951, viajou de barco para Macau. À sua chegada, o meu Pai alugou uma velha casa com um primeiro andar e uma varanda (onde uma andorinha tinha um ninho) e um pequeno quintal a uns cem metros das Portas do Cerco, perto de uma fábrica de fósforos. O pequeno quintal acabava numa vedação que era de facto a fronteira entre Macau e a China, que se estendia em redor da pequena colónia. Nesse quintal havia uma corda onde a minha Mãe, regularmenrte, estendia as fraldas de algodão da minha irmã bebé, a Manuela. Quando naquele verão de 1952 as coisas aqueceram com os chineses, ao ponto de ambas as guarnições andarem aos tiros, a minha Mãe disse-me que, durante uns dias, ela deixou as fraldas penduradas na corda e ficou dentro da casa, as cortinas corridas, com medo de levar um tiro dum guarda chinês. Só quando as coisas acalmaram é que ela retomou o processo. Mesmo assim, às vezes fazia-o sob o olhar hostil dos guardas chineses, que rosnavam frases em chinês, que ela ignorava, cantarolando canções açorianas, enquanto pendurava a roupa. Simplesmente inacreditável. Em plena Guerra Fria, Americanos, Portugueses e Chineses aos tiros, e os portugueses ali em Macau, a secar a roupa no quintal, nas trombas dos Red Guards. Enfim.

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