Parte da dialética dos dias que correm, em que Portugal está encostado, ou encostou-se, à parede financeira com aquela mistura hilariante e venenosa de Socialismo, endividamento público e privado, obras faraónicas que pouco ou nada produzem, e a adesão ao Euro, passa por, digamos, chamar a atenção da Alemanha para relaxar o sufoco monetário, permitindo a impressão liberalizada da moeda, e assim, juntamente com a desvalorização da moeda europeia e uma dose provável de inflação, criar alguma noção de movimento, real ou ilusória.
A Alemanha, preparada e relativamente imune ao estado de coisas, após o esforço titânico de absorver a ex-RDA, está contra.
Um dos argumentos da moda, uma espécie de terapêutica populista que tem estado a dar algum brado nos jornais, é vir recordar aos eventuais alemães que estejam a ler (não há) os estragos causados por duas guerras na Europa (“mundiais”), os danos causados – e o contabilizar pelo não-ressarcimento por esses danos.
Claro que o assunto, para além de uma Caixa de Pandora, tem precedente, nomeadamente com os alemães, na chamada Grande Guerra de 1914-1918 – e que correu mal. Durante esse conflito e após, as nações vitoriosas “castigaram” o ex-Império alemão, causando uma verdadeira razia na Alemanha (antes mas especialmente após a queda da Bolsa de Valores de Nova Iorque em 1929) que não só tornaram impossível sequer pagar os juros das tais dívidas estabelecidas em Versailles, como, em última instância, ajudaram a criar as condições para a vil experiência Nazi, um dos grandes horrores da humanidade, a par apenas com o Comunismo de Stalin e de Mao, que no conjunto, tornaram o Século XX numa era de carnificina sem igual.
Pessoalmente, não creio que este tipo de abordagem tenha qualquer outro efeito que não seja distanciar mais a Alemanha dos que a ela recorrem. Já em outros escritos referi que o tema central desta geração – a construção de um projecto europeu – se é para ocorrer, dependerá de todos, e não só de um. Que não esteja a acontecer, resulta essencialmente da falta de coragem e de visão para fazer o que tem que ser feito – e aí há muitas opções. Talvez nem todas sejam muito simpáticas, nem inteligentes, muito menos visionárias, mas que podem ser adoptadas, disso não há dúvida, seja a saída da Alemanha do Euro, seja a saída de Portugal, seja o continuar do apertar do cinto, seja outra qualquer.
Enfim, vejamos o que aconteceu em Moçambique.
Quando a Grande Guerra começou em Agosto de 1914, Portugal tinha duas fronteiras com o Império alemão, uma ao Sul de Angola e a outra a Norte de Moçambique. Ambas as colónias portuguesas correspondiam muito vagamente a duas “areas de influência” portuguesas, na verdade praticamente inexistentes (enfim, sempre mais do que o que os alemães previamente tinham em África, que era rigorosamente nada) mas que serviram para a diplomacia portuguesa avançar com o argumento da posse. Bismarck, que previamente ignorara África, decide entrar no jogo, essencialmente porque podia sacar algo em retorno pelaprojecção do crescente poder alemão na Europa. Entre 1884 e 1892 andou tudo muito ocupado de régua e esquadra a repartir os territórios.
Copio o resumo feito na Wikipédia, com alguns retoques meus:
Após um ataque alemão ao posto fronteiriço de Maziua, no Rovuma, o governo de Portugal enviou para Moçambique uma força de 1527 homens. Essa força, que chegou a Moçambique em Outubro de 1914, estava completamente desorganizada, de tal forma que, passados alguns meses, mesmo sem ter tido nenhum contacto com o inimigo, já tinha perdido 21% dos seus efectivos devido a doença.
Em Novembro de 1915 chegou a Moçambique uma segunda força de 1543 homens, comandados por Moura Mendes. Essa força tinha como finalidade recuperar a Ilha de Quionga, mas também devido a desorganização idêntica à da primeira força, só em 4 meses perdeu, por doença, metade dos efectivos. Só em Abril de 1916 é que a pequena ilha de Quionga foi recuperada.
Em finais de Junho de 1916 chega a Moçambique a 3ª força enviada de Portugal, constituída por 4642 homens comandados por Ferreira Gil, com a finalidade de passar o Rovuma e atacar as tropas alemães ao mesmo tempo que estas eram atacadas no Tanganica por forças inglesas, da Rodésia, da União Sul-Africana, do Quénia, do Congo Belga e da Índia. Esta 3ª força consegue passar o Rovuma e conquistar Nevala mas, logo de seguida, é derrotada no combate de Nevala, tendo que retirar novamente para Moçambique.
Em 1917 Portugal envia a 4ª força para Moçambique, esta constituída por 9786 homens e comandada por Sousa Rosa.
Durante todo este período, a Alemanha tinha na África Oriental, uma força de apenas 4000 askaris (tropas indígenas, geniais) e 305 oficiais europeus, comandados pelo general Lettow von Vorbeck, que praticamente agiu sózinha e sem quaisquer reforços durante toda a duração do conflito mundial. Vorbeck conseguiu sempre resistir aos ataques das forças inglesas, apesar de estas serem em número vastamente superior. Isto foi possível devido a von Vorbeck ter utilizado uma nova forma de guerra – a guerrilha – não lhe interessando manter ou conquistar posições, mas sim manter o inimigo sempre ocupado, de modo que este não pudesse libertar soldados para enviar de volta à Europa.
Em Novembro de 1917, Vorbeck passa o Rovuma e derrota as tropas portuguesas em Negomano, e percorre o interior de Moçambique, sempre fugindo e derrotando as tropas que encontrava pelo caminho e provocando a revolta das populações locais contra os portugueses. Em seguida voltou ao Tanganica.
Com o final da guerra na Europa, o grupo alemão, que se encontrava nessa altura no que hoje é o Zimbabué, acabou por se render, sem nunca ter sido derrotado.
Para Portugal ficaram, além das grandes derrotas militares, as revoltas das populações locais, que demoraram a ser reprimidas.
(fim)
Este texto é generoso, pois na realidade a miséria, a falta de condições e a morte abjecta e quase sem qualquer chance de sucesso foram a grande marca desta “campanha” moçambicana, motivada, essencialmente, pela fixação dos governantes republicanos de então em entrar na guerra e com essa participação marcar a presença da decrépita república portuguesa, a meu ver por razões que se prendem mais com a sua busca de legitimação interna do regime (o Reino Unido quase tudo fez para manter Portugal fora da guerra) e o receio de não terem depois argumentos para sentarem junto com os vitoriosos para reclamarem o seu quinhão.
E reclamaram.
O principal, no caso de Moçambique, foi a metade previamente alemã do chamado Triângulo de Kionga (ou Quionga).
O Triângulo de Kionga é uma parcela de território situado entre a foz dos rios Rovuma e Minengani. Em 1887, quando alemães e portugueses negociavam as fronteiras, os diplomatas portugueses reclamaram para Portugal o território até à foz do Rovuma. Mas os alemães queriam a foz do Rovuma só para si e, invocando estar aquela sob sob a influência do Sultão de Zanzíbar (que estava na mão dos alemães e dos britânicos, com mantinham uma espécie de entendimento colonial) e depois de umas breves escaramuças e de uma breve mas tensa negociação, ficaram com a metade Norte do Triângulo, para enorme irritação dos portugueses (dizem os livros, eu não estava lá) que ficaram com a parte Sul. Durante a Grande Guerra, os portugueses ainda tentaram ocupar o pequeno território com soberania alemã – uma irrelevância estratégica se se tiver em conta o tipo de guerra conduzida por von Vorbeck – mas a sua posse para Portugal só ocorreu como recompensa pelo esforço português, no Tratado de Versailles, em 1919.
E assim, durante 29 anos, entre cerca de 1890 e 1919, uma pequena parcela da actual República de Moçambique fez parte de uma colónia…..alemã.
Curiosamente, veja o exmo. Leitor onde, quase exactamente cem anos depois, se descobre onde estão enormes jazigos de gás:
ALguns Exmos Leitores porventura não saberão que a entrada na Guerra dos portugueses deveu-se a um acto bélico português: o apresamento e confisco, em Março de 1916, de todos os navios alemães ancorados em portos portugueses (até então neutrais). Só após esse acto de guerra, é que o Império Alemão declarou guerra a Portugal.
Importa, no caso de Moçambique, referir um navio que fez parte desse confisco. não, e que posteriormente serviram na marinha mercante colonial.