THE DELAGOA BAY WORLD

17/07/2021

A PRIMEIRA COMPANHIA AÉREA DE MOÇAMBIQUE – E PORTUGUESA, 1933

Na sua edição de Outubro de 1934, copiada em baixo, a revista francesa Le Manche Balai relata a fundação, em Lourenço Marques, de uma companhia aérea, a Aero Colonial, Limitada, fundada por Armando de Vilhena da Torre do Vale e Alfredo dos Santos Gil, com os objectivos de treinar pilotos, fazer vôos fretados e, semanalmente, transportar correio entre Lourenço Marques e a Ilha de Moçambique (mai precisamente, do Lumbo, que fica ao lado). Gorado este último objectivo por falta de interesse por parte dos CTT de Moçambique, o serviço foi suspenso depois de um mês. A companhia, com um capital social de 1775 libras estrelinas, contava com um Cirrus Moth, um Waco e mais um avião. O artigo refere que a ideia de formar a empresa veio de Manuel Maria Rocha, um pioneiro da aviação de Moçambique, e relata Manuel ser dono de um Cirrus Moth acidentado e recuperado.

Querendo saber mais, procurei no grande blog Voando em Moçambique onde J. Primavera conta a interessantíssima história toda da Aero Colonial e, entre todo o magnífico resto, relata a forma como Rocha obteve o seu avião – brevemente aludido no artigo da Manche Balai e o que lhe aconteceu a seguir. Um excerpto:

(início)

No ano de 1928, numa manhã quando um conhecido piloto sul-africano, o célebre major Allister Mackintosh Miller, voando sobre as águas tranquilas da Baía do Espírito Santo que refletem vaidosas as areias avermelhadas da cidade de Lourenço Marques, num avião De Havilland DH.60X Cirrus Moth, durante umas manobras acrobáticas, é surpreendido por uma falha de motor que, dada a baixa altura a que voava, só lhe permitiu amarar de emergência junto a um barco que saía do porto, numa manobra que embora não provocando quaisquer danos físicos ao piloto, deixou o pequeno avião reduzido a um montão de tubos retorcidos envolvidos pelas telas da fuselagem completamente rasgadas.
Os restos da aeronave retirados da baía onde estiveram mergulhados na água salgada durante várias horas não foram reclamados pelo seu proprietário, porque os prejuízos não justificavam a despesa com a sua recuperação, o que veio a provocar uma estranha quanto complicada situação: do ponto de vista legal, a aeronave, de matrícula estrangeira, estava de visita e não poderia ser importada já que não exibia a necessária licença de importação para a sua permanência em território português.
Foram por isso depositados num quintal junto do armazém da alfândega de Lourenço Marques sem qualquer protecção contra as intempéries durante o prazo legal para reclamação cumprindo a legislação vigente, findo o qual foram vendidos em hasta pública pelo preço de três mil escudos.
Este valor foi arrematado pelo único interessado, Manuel Rocha, representado no leilão pelo seu amigo Torre do Valle. Os restos do Cirrus Moth foram depois transportados gratuitamente de camião, numa distância de 200 quilómetros, até ao hangar do Aeroclube de Moçambique no Chai-Chai, que viria a ser o ninho onde nasceram os pioneiros da aviação civil moçambicana.
Manuel Maria Rocha decide reconstruir o avião, para o que pede a Torre do Valle que lhe traga da fábrica da De Havilland numas das suas frequentes viagens a Johannesburgo, livros técnicos sobre engenharia aeronáutica e pilotagem, em particular os planos necessários aos trabalhos de reconstrução. Note-se que o seu domínio da língua inglesa bem como os seus conhecimentos aeronáuticos eram ainda insipientes.
Munido de toda a informação que Torre do Valle lhe trouxera, Manuel lançou-se na difícil tarefa de reconstruir a aeronave, tarefa que se prolongou por dezoito meses, tempo que poderia ter sido de apena seis se dispusesse de dinheiro suficiente para comprar os diferentes materiais necessários. Para a reconstrução da sua aeronave contou ainda com a preciosa ajuda da mulher de um sócio do aeroclube que o ajudou nos trabalhos de entelagem, que envolveu a estrutura tubular na modelação final da fuselagem.
Foi este o terceiro avião registado na colónia de Moçambique e que ostentou inicialmente a matrícula portuguesa C-PMAC, posteriormente a moçambicana CR-MAC.
Baptizou-o com o nome de Chai-Chai a terra que viria a ser o ninho onde nasceriam os pioneiros da aviação civil moçambicana.
É nesse avião recuperado pela sua desmedida mas não menos perseverante curiosidade que o acompanhava desde a infância, que completa em 1931 o treino de voo que lhe proporcionou a obtenção do seu certificado de piloto de aviões (FAI).
Quando mais tarde apresenta a sua aeronave na fábrica da De Havilland em Johannesburgo para um rigoroso exame executado pelos engenheiros da fábrica, a apreciação do seu trabalho, não poderia ter sido mais convincente ao ser-lhe passado o certificado de navegabilidade com a observação dos responsáveis da inspecção “em como não se distinguia qualquer diferença tanto na célula como no motor entre ela e outra que tivesse saído nesse momento da fábrica”!
Manuel Maria recorda que durante aquela visita solicitara ao director da De Havilland South Africa que lhe indicasse o que deveria fazer para obter o curso de engenharia aeronáutica em Inglaterra.

“Pelo que conheço pessoalmente de si; pelas provas já dadas como piloto, entendo recomendar-lhe que siga a carreira de piloto de linhas aéreas, até por que, além de um futuro mais “arejado” é de certo uma carreira mais rendosa!”


O jovem Manuel ouviu com muita atenção aquele sábio conselho e em boa ora o abraçou.

(fim)

A Aero Colonial Limitada foi a primeira companhia aérea privada a existir em território português.

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29/07/2018

O CR-MAH, AVIÃO DA AERO-COLONIAL, INAUGURADO EM LOURENÇO MARQUES, 1933

Recorte de O Ilustrado, suplemento do Notícias de Lourenço Marques, Nº17, 23 de Dezembro de 1933, pág. 338, documentando a entrada em serviço do CR-MAH, um avião, em Lourenço Marques.

 

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