Imagens retocadas.
O Dicca/Estúdio 222 foram construídos no mesmo terreno onde duante décadas esteve implantado o Teatro Varietá, que foi demolida cerca de 1967.
Imagem de Sandra Masto, que acho que vive na Austrália, do que parece um açucareiro do Café do Teatro Varietá que recebeu do pai em 1958.
Imagens retocadas e coloridas.
Imagens retocadas.
Primeiro, mesmo ali ao lado da Praça Mouzinho de Albuquerque (depois 7 de Março e hoje 25 de Junho), em 1910, junto à praia a partir da qual se fizeram os enormes aterros iniciais para se criar o porto da Cidade, dois italianos, Pietro Buffa Buccellatto e Angelo Brussoni, edificaram um ringue de patinagem, inaugurado em 16 de Julho de 1910. Depois de arder o telhado, no mesmo local construiram logo de seguida um dos primeiros teatros de ópera em África, o Varietá, inaugurado em 5 de Outubro de 1912, data do segundo aniversário do golpe militar que derrubou a monarquia portuguesa. Tinha 1803 lugares. O teatro durou 56 anos, até princípios de 1967, quando foi demolido.
Conforme previamente anunciado na altura, em parte do terreno onde outrora estava o Varietá, a empresa F. Dicca (fundada pelo empresário Albanês, Filipe Dicca, uma referência na Cidade) mandou edificar novos dois espaços de espectáculos, o Cinema Dicca e, ao lado, o Estúdio 222, uma sala mais pequena (o nome diz o número de lugares sentados). No lugar onde outrora ficava a soberba fachada do Varietá, virada para a Rua Araújo, sobrou um espaço que suponho fosse para fazer mais um prédio.
Há alguma ironia no facto que, enquanto que o Varietá ficava na Rua Araújo, o Dicca e o Estúdio 222 ficavam na…Travessa do Varietá. Designação que, estranho, se manteve até hoje, e que quase ninguém na Cidade sabe o que significa.
Mas entretanto veio o golpe de Estado do Otelo e a Libertação de Nós Todos. A breve trecho, em Lourenço Marques, tudo foi mais ou menos confiscado ou “abandonado” e quase todos os cinéfilos literalmene mudaram de país. Ali ficou um parque de estacionamento abandonado e as salas foram sumariamente adjudicadas ao novo Instituto Nacional do Cinema, que as usou enquanto elas funcionaram. O que não durou muito.
Mas durou o suficiente para, obedecendo ao ímpeto de mudar o nome a tudo o que recordasse os tempos ímpios dos portugueses, apeassem o nome do Senhor Dicca da sala maior e chamarem-lhe o mais africano e revolucionário nome de Matchedge, o nome dum buraco qualquer perdido no meio de Niassa, onde os membros da Frente de Libertação realizaram o seu Segundo Concílio em Julho de 1968 – ou seja, por coincidência, enquanto a Frelimo reunia no mato, em Lourenço Marques inaugurava-se o Dicca – ali lavando muita roupa suja como era costume mas reelegendo o líder fundacional, Eduardo Mondlane, que, apesar de ser “muito impopular com muitos militantes, tanto na guerrilla como fora dela“, surpreendentemente, duraria mais seis meses no cargo.
A seguir veio a guerra de Samora para libertar Moçambique de todos os reaccionários, colonialistas, vigaristas, vagabundos, ladrões, putas, chiconhocas e preguiçosos, entregar a Rodésia ao Sr. Mugabe e ainda libertar a África do Sul dos brancos. Em 1977, começou oficialmente o comunismo, seguido pela Época do Repolho e do Carapau e pela Guerra Civil, que essencialmente começou porque os rodesianos e depois os sul-africanos tinham alguns diferendos menores em relação à forma como o novo regime parecia encarar as suas relações bilaterais.
Pelo meio, claro, não havia dinheiro nem negócios nem comida e muito pouca arte na agora ex-Lourenço Marques. Como quase toda a Cidade, o Dicca – perdão, o Matchedge – minguava.
Eis que surge, no início dos anos 90, jovem um empresário/artista/político local que queria ter a iniciativa de criar a sua própria companhia de teatro: Carlos Gilberto Mendes.
Encantador como um domador de serpentes e muito bem relacionado, Mendes foi ter então com o Instituto do Cinema e pediu um espaço para a sua nova companhia. Generoso, o Instituto deu-lhe três opções, em que, do que depreendi, a menos péssima era o antigo Dicca e o seu apêndice, o (ainda) Estúdio 222.
Numa entrevista, Mendes descreve o que aquilo era no princípio dos anos 90: “estava completamente partido, sem cadeiras, luz e vidros nas janelas. Era um sítio abandonado e um armazém de produtos roubados do Porto de Maputo. No local vendia-se clandestinamente arroz, açúcar e feijão. Na calada da noite, os guardas cediam a sala, a título de aluguer, para a prática de prostituição. Isto estava tudo cheio de preservativos usados. A zona era frequentada por muitos marginais, e à noite, com tudo escuro, metia medo vir ao teatro.” Com umas cadeiras que trouxe de casa e iluminação improvisada, a 2 de Setembro de 1992, a Companhia de Teatro Gungu encenou a sua primeira peça de teatro no palco do agora já velho Dicca.
A Companhia ainda existe e opera a partir do velho Dicca, recentemente rebaptizado mais uma vez. Não sei se com a Pandemia aquilo se está a aguentar. Em vez de Matchedge, agora tem o nome do dono – Teatro Gilberto Mendes. E, depreendo, quer a companhia, quer o imóvel na Travessa do Varietá, meio quarteirão da Baixa, pertencem a Carlos Gilberto – pessoalmente. Ou seja, bom para ele um dia vender aquilo tudo por uns milhões de dólares, para mais uma vez ir tudo abaixo e ali se fazer mais um prédio (se o Desportivo pôde vender o seu campo de futebol, tudo é possível). O que não falta na cidade é teatros fantasmaglóricos fechados e a apodrecer. De momento, Carlos Gilberto, com 55 anos e que em jovem terá sido campeão de natação de Moçambique, e que foi presidente da Federação deste desporto entre 2010 e 2014, é o Secretário de Estado dos Desportos do actual governo.
No fim, com sorte, um dia, ficará aquele nome estranho na pequena Travessa, a recordar à Cidade um pouco do seu passado.
Que teve.
Imagens retocadas.
O Aquário era um dos antros da Rua Araújo e que serviam uma certa população da Cidade e alguns visitantes. Foi notória e ostensivamente encerrado pelos Libertadores da Frelimo, puritanos activistas, intentos em limpar a terra das influências corruptas do capitalismo e do colonialismo.
Imagem de F Pinho, retocada.
Grato ao Paulo Azevedo.
O longo processo de “monumentalização” da Baixa de Lourenço Marques na sua zona fundacional em redor da Praça 7 de Março (actualmente, designada como Praça 25 de Junho, memorializando a data que a Frelimo escolheu para formalizar a independência da colónia em relação a Portugal em 1975) a partir dos anos 40, e que arrancou com o projecto do Arquitecto Pancho Guedes para a criação dum núcleo museológico a partir das ruínas do antigo Presídio de Lourenço Marques, teve como consequência directa uma reconfiguração a meu ver algo infeliz no tecido social e comercial de então, pela gradual retirada do local de quase todos os restaurantes e kiosks que ali existiam e onde a população da cidade e visitantes conviviam. Mas as sucessivas vereações camarárias caminharam inexoravelmente nesse sentido, provocando, entre outras, a reacção que se pode ler em baixo, assinada por “Sócrates” e publicada no Lourenço Marques Guardian em 12 de Janeiro de 1950.
Grato ao Paulo Azevedo.
A Companhia de Ballet Russo de Dandré-Levitoff fez uma exibição no Teatro Varietá em Lourenço Marques na noite de Sexta-Feira, dia 3 de Agosto de 1934.
Sobre a Companhia, que estava numa digressão mundial, ler o artigo de Michelle Potter, aqui.
O programa foi: La Fille mal gardée, Les Sylphides, Promenade (Old Vienna), e Divertissements.
Foto gentilmente cedida pela Olinda Cavadinha e retocada por mim.
Recorte generosamente pesquisado, recolhido e facultado por Paulo Azevedo.
Imagem é um detalhe de uma das fotos de um dos álbuns de Santos Rufino.
Fotografia cortesia de Paulo Azevedo.
Até à sua demolição cerca de 1968, o Teatro Varietá manteve este aspecto.
A segunda casa de ópera situada a Sul do Equador, a seguir à Ópera de Port Elizabeth, na África do Sul, o Teatro Varietá foi inaugurado no dia 5 de Outubro de 1912, no segundo aniversário do golpe que derrubou a Monarquia. Ficava situado em Lourenço Marques, no início da Rua Araújo, perto da Praça 7 de Março (actual Praça 25 de Junho). Previamente, aqui houve um Ringue de Patinagem e Cinematógrafo com o mesmo nome, inaugurado a 16 de Julho de 1910 e antes um campo de hockey em patins – o primeiro em todo o espaço português, em que se disputaram jogos de hóquei em patins. O Teatro foi uma iniciativa dos empresários italianos Pietro Buffa Buccellato e Angelo Brussoni. No local onde estava implantado, foram inaugurados cerca de 1970 o Cinema Dicca e o Estúdio 222.
Eu ainda frequentei o Varietá quando era muito miúdo – 5 a 8 anos de idade. Na altura esta sala parecia-me verdadeiramente gigantesca. Como os B. de Melo eram mais que muitos, o Pai Melo comprava um camarote, habitualmente o primeiro no alinhamento de camarotes situados à esquerda na fotografia. Lembro-me nitidamente de aqui ter visto o filme épico Barrabás, sobre o ladrão bíblico que terá sido (no fim) crucificado com Jesus Cristo. Só que a violência era mais que muita, sangue por todos os lados e o raio do filme nunca mais acabava.
Outro problema logístico era que os quartos de banho do Varietá ficavam do lado direito da sala, a seguir às portas que se podem ver aqui à direita (o bar ficava do lado esquerdo). Ora, se eu quisesse fazer ir chichi a meio do filme, tinha que me levantar do primeiro camarote à direita, sair da sala para um corredor escuro como breu pela porta do camarote,que se pode ver na imagem, dar a volta ao teatro todo por fora até aos lavabos, fazer o serviço, e voltar todo o caminho de volta. Qual era a então solução? saía do camarote, descia mais dois camarotes, fazia lá o chichi e voltava, aliviado, para ver se o Barrabás já tinha morrido.
Fotografia cortesia do grande Paulo Azevedo, tratada por mim.
O Teatro Varietá foi inaugurado em Lourenço Marques em finais de 1912, no início da Rua Araújo (actual Rua do Bagamoyo) na altura a principal artéria da Cidade, que ligava a Praça 7 de Março (actual Praça 25 de Junho) com a Praça Azeredo, na qual se situava a então também nova estação ferroviária. Propriedade do empresário italiano Pietro Buffa Buccelatto, foi a primeira casa de ópera a funcionar, a Sul do Equador. Anteriormente naquele espaço operara também um espaço multiusos que era simultaneamente um ringue de patinagem – o primeiro em todo o espaço imperial português – um cinematógrafo, sala de espectáculos, sala de danças e sala para reuniões.
O Varietá operou sem interrupções durante mais que cinquenta anos, como casa de ópera, de teatro, reuniões e cerimónias e ainda como um cinema, tendo sido demolido na segunda metade dos anos 60, para ser ali implantado, em parte do terreno, o Cinema Dicca e o Estúdio 222.
Situado na Rua Araújo na Baixa de Lourenço Marques, o Teatro Varietá foi a primeira casa de ópera no sul de África. Foi demolido em 1968 para dar lugar aos cinemas Dicca e Estúdio 222. Nos anos 60 funcionava essencialmente como um cinema.
Fotografia de Adriano Soares, restaurada por mim.
Uma conhecida fotografia da colecção de Santos Rufino. Cerca dos anos 20. O teatro foi demolido no final dos anos 60 e no seu lugar foram edificados o Dicca e o Estúdio 222.