THE DELAGOA BAY WORLD

15/05/2020

PAULO AZEVEDO PUBLICA HOJE “OS PHOTOGRAPHOS PIONEIROS DE MOÇAMBIQUE”

A História de Moçambique não começou em 1975, quando foi declarada a sua independência, nem em 1891, quando foram delimitadas as suas fronteiras entre as potências coloniais europeias, nem em Março de 1498, quando Vasco da Gama primeiro aportou as suas costas. Nem em 1107, quando se estima chegaram os árabes muçulmanos a Zanzibar, de onde penetraram até ao actual centro de Moçambique. Conhecer essa história milenar exige uma aturada recolha, análise, contextualização e interpretação de um vasto conjunto de informações científicas, materiais, orais, documentais – e em imagem.

Capa de “Os Photographos Pioneiros de Moçambique”, mostrando I.R. Carvalho, de capacete, junto da Duquesa de Aosta (irmâ da então Rainha de Portugal) no Búzi, a Sul da Beira, enquanto ela, de joelhos, fotografava o feiticeiro que lhe lia na sina que ia ser muito infeliz (e foi).

E no que toca a este último, Paulo Azevedo, um investigador baseado em Vila do Conde (arredores do Porto) mas que (ainda) nasceu em Moçambique, publicou hoje o que certamente se vai tornar num marco no estudo das primeiras imagens fotográficas que foram recolhidas no que hoje é Moçambique, ou, mais precisamente, dos primeiros homens por detrás das câmaras, começando menos que meio século após o francês Louis Daguerre ter anunciado a invenção da fotografia moderna.

Com 163 páginas que incluem importantes fotografias inéditas que o autor recolheu, a obra, intitulada Os Photographos Pioneiros de Moçambique, e que a partir de hoje pode ser comprada por entre 14 e 16 euros na internet aqui e aqui e aqui (portes incluídos para Portugal) é a segunda do Autor – a primeira foi Joseph e Maurice Lazarus – Photographos Pioneiros de Moçambique – e constitui de longe o estudo mais completo, para não dizer definitivo, no que toca ao tema.

De facto, o texto reflecte um trabalho inédito e aturado de recolha biográfica e curricular que exigiu centenas de horas, sobre as pessoas que, por uma ou outra razão, foram as primeiras que fotografaram em Moçambique, e as suas obras. E elas são

Benjaminn Kisch

Manuel Romão Pereira

Louis Hily

Thomas Lee

Joseph e Maurice Lazarus (os meus favoritos, e pensar que há menos que dez anos ninguém sequer sabia quem tinham sido)

Eduardo Battaglia

José Ferreira Flores

Francisco S. Silva

Ignácio Piedade Pó

Sidney Hocking

e

J. Wexelsen (quiçá o trabalho de “detective” mais impressionante da obra)

Para além destes, a obra inclui uma longa e detalhada bibliografia e ainda capítulos sobre os álbuns publicados e a Fotografia Bayly.

Ainda que com mérito, de valor incontornável e certamente uma futura referência obrigatória para qualquer tese sobre a fotografia em Moçambique e em África, enquanto um trabalho académico brilhante, a obra de Paulo Azevedo é, ainda assim, eminentemente legível e interpretável e a meu ver obrigatória para todos aqueles que quiserem entender melhor o passado moçambicano, na fase crucial do início da colonização europeia – e do arranque da sua modernização.

Outras referências nesta área (mas focadas em Manoel Pereira) são as obras de Filipa Lowndes Vicente e Luisa Villarinho Pereira, e o historiador Alfredo Pereira de Lima, mencionados na bibliografia.

Tendo este blogue ao longo dos seus onze anos de existência, pelo seu enfoque visual, cruzado muitas vezes o caminho destes homens e o trabalho que fizeram, este é um momento importante, e esta uma futura referência aqui também. Assinalo ainda com redobrada emoção o autor inclusivé me ter mencionado em 1009º lugar, depois de agradecer a tudo e todos, aquém e além mar, pela sua execução (enfim, trocámos uns e-mails, deve ser por isso) e de se ter enganado no nome deste blogue, que é, recordo, The Delagoa Bay World.

Paulo Azevedo está de parabéns e merece todo o apoio que se lhe possa prestar na prossecução do seu trabalho, que inclui o Exmo. Leitor comprar este livro fabuloso e uns desses institutos do governo darem-lhe uns dinheiros para o ajudar nas suas pesquisas, que, fui informado, não terminaram, pelo contrário.

23/03/2018

ADOLESCENTE EM LOURENÇO MARQUES, FOTOGRAFADA POR SID HOCKING, 1927

Sid Hocking foi um conhecido fotógrafo em Lourenço Marques, com um estúdio na Baixa. O próximo livro a ser publicado em breve por Paulo Azevedo trará mais detalhes sobre quem foi. Mas ainda não li.

 

03/03/2018

JOSEPH LAZARUS, FOTÓGRAFO DE MOÇAMBIQUE, IN MEMORIAM

 

Joseph Lazarus, aqui em Lisboa, cerca de 1930, com uma condecoração do governo português. Retratou Lourenço Marques entre 1899-1908.

Durante vários anos, quando comecei a observar e coleccionar imagens de Moçambique e de Lourenço Marques, desde cedo identifiquei um conjunto de imagens referenciadas como sendo do que eu pensava ser um tal J&M Lazarus – que não fazia ideia quem era. Eventualmente, apercebi-me que eram duas pessoas. E que eram irmãos. E que eram judeus. E que eram de ascendência britânica. E que tiveram um estúdio em Lourenço Marques (primeiro na Rua Araújo 39, em frente e a seguir ao Varietá e depois no Avenida Buildings) e, brevemente, na Beira. Que antes de chegarem a Lourenço Marques, fizeram qualquer coisa em Barberton.

O Chefe Makwira e as suas mulheres, no Protectorado da Niassalândia, actualmente o Malawi. Fotografado pelos Lazarus.

E ainda que, a seguir, cerca de 1908, se mudaram de armas e bagagens para Lisboa e abriram um estúdio em Lisboa, numa das melhores ruas do Chiado (Rua Ivens, 59), onde ainda trabalharam durante uns anos, penso que até meados dos anos 40.

Uma imagem colhida pelos Lazarus na linha férrea que ligava Lourenço Marques à Suazilândia. Segundo o magnífico site HoM, que cita Pereira de Lima, isto é na Matola e é uma cerimónia com o Duque de Connaught (o sétimo filho da rainha Victória, que estava em LM de passagem) de arranque da obra, em 1906. Podem-se ver a bandeira do Reino Unido e a então bandeira branca e azul de Portugal.

António Sena, que escreveu sobre os Lazarus, detalha as circunstâncias da vinda dos irmãos para a capital portuguesa:

O Governador Geral Conselheiro Freire de Andrade, encarrega os Lazarus das reportagens oficiais da visita do Príncipe Real D Luiz Filipe a Moçambique em Julho-Agosto de 1907, de que virão a publicar imagens em periódicos como o Brasil-Portugal. Bem sucedidos os Lazarus aproveitam contactos para abrir em Lisboa a Photographia Ingleza, em 1909.

Arco precário instalado na Baixa de Lourenço Marques no início da Avenida Aguiar (depois Av D.Luiz, hoje Avenida Marechal Samora) para dar as boas-vindas ao Príncipe Luiz Filipe, filho primogénito dos então reis de Portugal, Carlos e Amélia. Os Lazarus cobriram o evento e conheceram o Príncipe. A ligação real manter-se-á por alguns anos, mesmo durante a I República, a Ditadura e o chamado Estado Novo.

 

Publicidade do estabelecimento dos Lazarus em Lisboa.

 

O Rei D. Manuel II posou para os Lazarus.

 

Os Condes de Vila Real, fotografados pelos Lazarus, cerca de 1920, arquivos da Casa de Mateus.

Pedro Bordalo Pinheiro, aqui retratado pelos Lazarus. Sobrinho do inigualável Rafael Bordalo Pinheiro, foi jornalista, administrador do Diário de Lisboa, co-fundador da revista Atlântida e era um dos intelectuais e artistas de referência da sua geração. Faleceu a 6 de Fevereiro de 1942.

 

Outro anuncio do estabelecimento dos Lazarus em Lisboa, este na Revista Colonial.

E depois…..nada.

Foi como se tivessem desaparecido da face da terra,

Um dia, há uns anos, recebi uma inesperada e surpreendente mensagem de correio electrónico. Vinha de uma senhora chamada Anne Joseph. Tinha lido um breve texto sobre as minhas deambulações quanto aos irmãos Lazarus e afirmava que Joseph era seu avô, mas que quase nada sabia sobre ele pois nunca o tinha conhecido.

A imagem em cima, que retrata Joseph Lazarus com uma condecoração presidencial portuguesa, é de Anne, que contou o fascinante final do percurso de Joseph e Maurice Lazarus.

Subsequentemente, troquei duas ou três (ou quatro) mensagens com Anne. Nas suas pesquisas, sei que foi a Portugal e depois a Moçambique, traçando os passos do seu enigmático avô. Anne, que é judia e que escreve sobre o que se chama Judaica em publicações electrónicas sobre o assunto, já escreveu pelo menos dois artigos relacionados com esta pesquisa, uma sobre o seu avô e outro sobre a ténue presença judaica em Lourenço Marques, reportando o pouco que se sabe sobre o assunto e imaginando Joseph e Maurice integrados nessa pequeníssima comunidade.

Joseph e Maurice operaram de facto a Photographia Ingleza de J&M Lazarus – em Lisboa, até aos anos 40. Maurice morreu antes da II Guerra Mundial e estará sepultado no pequeno cemitério judaico na capital portuguesa. Joseph penso que conseguiu dar o salto para o Reino Unido, onde tinha familiares, já depois do início da II Guerra Mundial e terá morrido depois.

Devido a circunstâncias que desconheço, Joseph teve um filho em Lisboa, que enviou para casa de (creio) uma irmã no Reino Unido, e que ali cresceu, convivendo muito pouco com Joseph, que visitava infrequentemente.

Esse filho de Joseph é o Pai de Anne. Que, excepto a fotografia e a condecoração no peito, sabia pouco ou nada sobre Joseph.

Anne, neta de Joseph, em Lisboa no Museu da Presidência, Julho de 2015, debruçada sobre a imagem do Presidente Óscar Carmona. Aparece na página do Museu da Presidência no Facebook.

Joseph Lazarus fotografou Lourenço Marques e Moçambique numa fase seminal de mudança de uma sociedade agrária e rural africana para os primórdios da modernidade, no contexto de um ténue e crescente surgimento da presença da autoridade e soberania colonial e de um punhado de cidadãos vindos um pouco de toda a parte, principalmente portugueses, criando as primeiras cidades moçambicanas (com a excepção da Ilha de Moçambique, a primeira cidade moçambicana). Fê-lo a partir da nascente capital de Moçambique, sob uma óptica citadina. Daqui a 500 anos, quando se quiser fazer o historial de Lourenço Marques, as imagens captadas pelos irmãos Lazarus permanecerão registos incontornáveis dessa narrativa.

Numa recente obra, o pesquisador Paulo Azevedo, um Coca-Cola que se especializa no estudo da fotografia feita em Moçambique, fez uma abordagem fascinante de, entre outros, os irmãos Lazarus. É uma obra que recomendo vivamente aos interessados nesta matéria. Mais: Azevedo está a trabalhar num novo livro com mais informações e revelações muito interessantes, relacionadas com a fotografia feita em Moçambique nos seus primórdios, que representará decerto um significativo avanço no sentido de um melhor entendimento dos contextos da fotografia naquela antiga colónia portuguesa.

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