THE DELAGOA BAY WORLD

09/09/2020

A MIGRAÇÃO DE LOUIS TREGARDT, 1835-1838

Imagem retocada. Texto adaptado do texto publicado aqui, vastamente editado.

O mapa do êxodo do grupo de Louis Tregardt da Colónia do Cabo para o Norte é indicado em roxo e acaba na actual Cidade de Maputo, assinalada no mapa como Delagoa Bay.

Introdução

A migração de alguns grupos de farmeiros boer a partir da Colónia britânica do Cabo entre 1830-1854, acabando por forjar a identidade afrikaner e fundar três repúblicas boer entre aquela colónia e o que é hoje o Sul de Moçambique, foi um dos eventos seminais que dominariam a história da região nos quase 150 anos que se seguiram, com a particularidade de não ter sido uma colonização patrocinada por uma potência europeia. De facto precedeu-a em cerca de 50 anos. Pelo contrário, a migração dos boers do Cabo para Norte, foi uma reacção anti-colonial em relação à Grã-Bretanha e eventualmente levou a várias guerras entre boers e ingleses e, já no Século XX, a um recrudescimento e exaltação da identidade, da religião e do nacionalismo boer, mesmo dentro de um contexto colonial britânico, que eventualmente desembocou na eleição de uma coligação pró-boer em 1948 (que praticamente coincidiu com a inauguração, no ano seguinte, do Monumento Voortekker, nos arredores de Pretória, que exaltava ) na emanação da legislação conhecida como apartheid durante a governação do Dr. Verwoerd (assassinado por um activista nascido em Lourenço Marques em 1966) e na constituição da República da África do Sul em 1961 sob o controlo da minoria boer.

O Monumento em memória dos Voortrekkers, nos arredores de Pretória. Inaugurado em 1949, celebra a identidade boer e a sua história. Vale a pena visitar pois ajuda a entender um pouco melhor a história da África do Sul.

Até 1994, a maioria negra sul-africana era discriminada e estava legalmente impedida de participar na governação do país. Os boers só negociaram a mudança para a maioria negra após a queda do comunismo sovético, a partir de 1989 e após um longo período de resistência.

Hoje é demasiadamente fácil, e até considerado politicamente correcto, descontar o fenómeno boer e inscrevê-lo na categoria geral da dominação colonial europeia no continente africano. Na África do Sul, decorre uma verdadeira batalha para rever e apagar partes dessa história, nalguns casos justificadamente, noutros não. Este é um problema que só pode ser resolvido pelos sul-africanos.

Em baixo, refiro a viagem, relativamente mal sucedida, de uma dessas migrações, a do grupo de Louis Tregardt, por quatro razões.

A primeira, é que a expedição Tregardt acabou em Lourenço Marques em 1838, com a morte de Tregardt, da sua mulher e dos últimos sobreviventes.

A segunda é que, por um conjunto de razões, pela mão do historiador Alfredo Pereira de Lima, em 1968 foi inaugurado em Lourenço Marques um monumento evocativo de Tregardt e da sua expedição, junto ao local onde se situava o primeiro cemitério da então pequena localidade, onde foram sepultados os restos mortais do “pioneiro” boer. Esse monumento permanece intacto na Baixa de Maputo, e pode ser visitado.

A terceira razão é que, improvavelmente, Tregardt terá sido o único líder de uma migração boer que manteve um diário no qual que registou o dia-a-dia dessa migração. Retrata um mundo que, quase duzentos anos mais tarde, é quase incompreesnsível para as gerações actuais.

Finalmente, destaca o impacto significativo que os eventos da África do Sul, que permanece o “vizinho gigante” de Moçambique, tiveram na evolução do que se tornou numa colónia portuguesa e depois na República de Moçambique em 1975 e ainda nos anos seguintes.

A Migração Tregardt

Pensava eu, e alguns registos referem, que Louis Johannes Tregardt (10 de agosto de 1783 – 25 de outubro de 1838), também escrito Trichardt, era um agricultor de ascendência holandesa-huguenote (que foram os primeiros colonos brancos no Cabo, a partir da década de 1650) oriundo da fronteira oriental da Colónia do Cabo, e que mais tarde se tornou um dos primeiros líderes da série de migrações Boer (chamados, no original afrikaans, “voortrekkers” ou “trekkers”), ocorrida a partir de meados da década de 1830, em resultado da rejeição, por estes, da Pax Britânica.

Mas o Exmo. Leitor o Senhor Niklas Lehmann (ver em baixo no comentário de 6 de Setembro de 2022) refere que Tregardt não era de ascendência holandesa e huguenote: ” a afirmação que o “Louis Johannes Tregardt, também escrito Trichardt, foi (…) de ascendência holandesa-huguenote” é completamente errada. O apelido original era Trädgårdh e o avô era um emigrante da Suécia”.

Procurando evitar a que consideravam a odiada autoridade na Colónia britânica do Cabo, tomada pelo Reino Unido no decurso das guerras napoleónicas, Tregardt emigrou do Cabo em 1834 para ir viver entre os Xhosa, antes de cruzar o rio Orange, entrando assim, em território considerado “neutro”, isto é, fora da alçada da Colónia do Cabo e do império britânico.

A sua jornada para o norte, junto com um companheiro boer chamado Johannes van Rensburg, começou no início de 1836. Trechardt liderou um pequeno grupo de emigrantes, composto por oito fazendeiros bôeres, as suas esposas, um total de 34 filhos, alguns escravos bosquímanos (africanos originários da zona do Cabo), vários servos bantus (que à primeira oportunidade pisgaram-se), e o seu gado, dirigindo-se em nove carroças puxadas por bois para o interior numa direcção para Nordeste do Cabo, para uma região até então inexplorada (pelos europeus) e que hoje compõe mais ou menos a parte da África do Sul junto à fronteira a Nordeste, encostada a Moçambique e ao Zimbabué.

Durante um ano, o grupo ficou mais ou menos acampado numa base nessa zona a que chamaram Zoutpansberg.
Neste ponto mais ao norte do que acabaria por a ser a sua longa jornada, as condições insalubres e um clima de guerra tribal, começaram a afectar homens e animais. Aparentemente abandonado por uma caminhada posterior, e distante de locais onde podia obter suprimentos e encontrar compradores para o seu marfim (que era de onde vinha o dinheiro) Tregardt abandonou o acampamento e conduziu o seu grupo para sudeste, até eventualmente chegar ao pequeno Presídio de Lourenço Marques, na altura uma espécie de posto avançado português, constituído uns cinquenta anos antes numa língua de terra na parte Norte da Baía do Espírito Santo, a que os britânicos chamavam Delagoa Bay.

A passagem de Tregardt por estas regiões coincidiu com uma altura de enorme efervescência social e violência política africana, com guerras terríveis, secas persistentes e migrações tribais.

A rota seguida para chegarem até ao oceano provou ser muito mais árdua de percorrer e incluiu o desafio de atravessar uma seçcão ao Norte da cadeia montanhosa dos Drakensberg. Apesar de eventualmente ter chegado ao Presídio de Lourenço Marques, vários de seus companheiros contraíram malária e morreram pelo caminho. A esposa de Tregardt morreu junto do Presídio de Lourenço Marques em Maio de 1838, seguida pelo próprio Tregardt seis meses mais tarde.

Tregardt coordenou os seus movimentos com os do seu amigo e também Voortrekker, Hendrik Potgieter, que era suposto seguir o seu percurso. Tregardt começou a jornada para o norte e foi acompanhado pelo grupo de Johannes (Hans) van Rensburg. Tregardt e Van Rensburg foram os primeiros Voortrekkers a passar perto de Thaba Nchu, onde a tribo Barolong do chefe Moroka II residia.

Ao chegar a Strydpoortberg, na actual província sul-africana de Limpopo, Tregardt e Van Rensburg separaram-se, depois de Tregardt ter argumentado que Van Rensburg estava a desperdiçar as suas munições na caça aos elefantes para obter marfim (presumivelmente, em vez de para proteger o seu grupo). Van Rensburg e o seu grupo de quarenta e nove pessoas seriam chacinados em Junho de 1836, por uma milícia de Soshangane (ou Manicuse, o lendário líder do império de Gaza, então no seu zénite), junto de um braço do rio Limpopo, após um ataque nocturno.

Tregardt permaneceu no promontório ocidental de Zoutpansberg entre Maio e Agosto de 1836, onde foi visitado pelo grupo de Potgieter, que lhe garantiu que logo o alcançariam e se juntariam ao seu grupo. Potgieter partiu então para o Norte à procura de Van Rensburg, que não encontrou. Em Julho, Tregardt iniciou a busca na direção leste e alcançou o curral de Sakana no Limpopo, perto de onde o grupo de Van Rensburg foi provavelmente dizimado. Aqui, considerando estar em perigo e prestes a cair numa cilada das populações locais, Tregardt decidiu voltar para trás, quase certo do destino trágico de Van Rensburg.

Em Novembro de 1836, Tregardt mudou o seu acampamento para Leste, onde encontrara um clima mais agradável, nas proximidades da, mais tarde, cidade de Schoemansdal e Louis Trichardt, outrora conhecida pelas tribos locais como Dzanani. O seu grupo permaneceria ali até Junho de 1837. Ali construíram casas rudimentares, uma oficina e uma escola para vinte e uma crianças.

Foi aqui que Tregardt teria intervindo na luta pela sucessão entre os filhos dum falecido chefe local, Mpofu. Tregardt teria ajudado seu filho Rasethau (ou seja, Ramabulana) a chegar à chefia da sua tribo, derrotando o seu irmão mais novo, Ramavhoya. Por razões desconhecidas, as páginas do relato de Tregardt sobre este incidente específico foram, no entanto, arrancadas do diário que mantinha. Em resultado deste apoio, e para proteger Tregardt contra grupos de assalto dos Matabele, Rasethau deu a Tregardt liberdade para ocupar algumas terras e garantiu-lhe o acesso a áreas de caça. Na altura, o grupo de Potgieter, atrasado por conflitos mais ao sul, estava distante.

Entre Junho e Agosto de 1837, o grupo de Tregardt acampou a leste do rio Doorn (actual fazenda do rio Doorn), e em seguida partiu de Zoutpansberg para tentar encontrar uma nova base e uma rota comercial para chegar ao mar. As suas comunicações esporádicas com os portugueses em Lourenço Marques indicavam que seria bem-vindo e ainda que a costa leste era escassamente povoada.

Tregardt decidiu rumar ao sul da Baía do Espírito Santo, evitando a região do Limpopo, onde o grupo de Van Rensburg fora assassinado e onde as moscas tsé-tsé eram endémicas nas zonas mais baixas. Tregardt chegou ao rio Olifants via Chuniespoort em 2 de outubro de 1837 e consultou o chefe Sekwati do povo Pedi quanto a que caminho deveria seguir. O chefe Sekwati visitou o grupo de forma cordial e amigável e avisou que a rota para o leste estava obstruída por montanhas intransitáveis, e sugeriu que eles deixassem as suas carroças para trás e prosseguissem a pé. Tregardt, agora com 54 anos, no entanto, estava decidido a cruzar as montanhas com as suas carroças, mesmo que elas tivessem que ser desmontadas e transportadas individualmente em peças.

O grupo de Tregardt procedeu a fazer o seu próprio reconhecimento das encostas cada vez mais acidentadas que circundam o Olifants e encontrou uma encosta transitável que conduzia ao cume, depois de se ter que cruzar o Olifants várias vezes. Os vagões, às vezes parcialmente desmontados e arrastados sobre galhos, foram levados até à crista dos Drakensberg , uma empreitada que levou dois meses e meio a completar.

Uma vez acampado na zona mais baixa do outro lado dos Drakensberg, (“Lowveld”) eles encontraram os habitantes locais, os Sekororo. Durante o dia, eles eram presenteados com potes de cerveja marula pela tribo Sekororo, mas à noite os membros da mesma tribo roubavam repetidamente o seu gado. Sem encontrar outra maneira de recuperar das suas perdas e de forma a evitar ter mais delitos com os Sekororo, Tregardt recorreu a aprisionar alguns membros da tribo e usá-los como reféns.

A etapa final de trezentos quilómetros da jornada para a Lourenço Marques começou em 5 de fevereiro de 1838, e o rio Olifants foi atravessado pela 14ª e última vez. Aqui, os súbditos Sekororo, sob a égide de Ngotshipana, vieram-se desculpar e conseguiram garantir a libertação dos quatro reféns, presenteando Tregardt com duas grandes presas de elefante. As tribos para além do rio Blyde garantiram a Tregardt as suas boas intenções, e a velha chefe Mosali pediu a Tregardt para arbitrar uma disputa com seu o rival, Magupe. Uma tribo local também auxiliou o grupo a atravessar uma parte do percurso. Os rios Klaserie e Sand foram atravessados em sucessão, e a região que integra actualmente a parte central do Parque Nacional Kruger foi atravessada sem incidentes. A leste da cordilheira dos Montes Lebombo, encontraram várias aldeias do povo Gwamba. Todos os seus habitantes eram amigáveis; eles e seu chefe, Makodelana, ofereceram a Tregardt vários presentes.

O grupo alcançou o rio Incomáti cerca de dois meses depois do início da jornada no (mais tarde chamado) Lowveld. Foi difícil cruzar o rio e vários dos animais foram perdidos ou roubados durante a travessia. Mais tarde passaram por um posto avançado português e continuaram ao longo de pântanos, lagoas e aldeias de tribos costeiras, até chegarem ao pequeno e miserável Presídio de Lourenço Marques, no dia 13 de Abril de 1838.

Cinco anos antes, o Presídio fora atacado e completamente destruído por tribos locais.

Louis Tregardt faleceria em Lourenço Marques a 25 de Outubro de 1838.

O Monumento Memorial Louis Tregardt na Baixa de Maputo, a dois quarteirões da Praça da Independência, junto ao local do primeiro cemitério de Lourenço Marques (que na verdade ficava sob o prédio que está à esquerda. Enfim) onde Tregardt, a sua mulher e alguns companheiros foram sepultados.

Como referi, Tregardt teve a particulardiade de ter sido o único líder Voortrekker a manter um registo escrito diário da sua jornada, um precioso documento em termos de linguística e etnologia, para além das suas muitas observações sobre os padrões climáticos, a geografia, a vida selvagem do interior e o mundo que encontrou. O documento, que, de alguma forma, sobreviveu a longa e penosa saga do grupo e a própria morte de Tregardt, detalha as suas reflexões pessoais sobre as interações sociais e experiências do dia a dia da sua pequena comunidade, escrito numa forma de holandês corrupto que evoluiria para a actual língua dos boers, o afrikaans.

A cidade sul-africana de Trichardtsdorp foi assim nomeada em sua homenagem em 1899, assinalando sua estada de um ano na base do Zoutpansberg. Em Mpumalanga, uma cidade chamada Trichardt está situada ao longo da sua rota para o Norte. Como um pouco por toda a África do Sul, mas nestes casos ainda mais, decorre há alguns anos uma verdadeira “batalha toponímica” para se alterarem os nomes das localidades para designações não boer, o que dava para escrever um artigo separado.

Boa sorte aos envolvidos. A verdade é que mudar nomes não muda a história do que aconteceu. Mas se alguns dormirem melhor à noite por causa disso, tanto melhor.

02/08/2019

OS CEMITÉRIOS DE LOURENÇO MARQUES NOS SÉCULOS XIX E XX

Imagens retocadas.

Ao princípio não sei bem como era. Imagino que na região onde hoje se situa a capital de Moçambique, as populações nativas, quase todas oriundas, em tempos quase imemoriais, do Norte, algures na África Central e Ocidental, sepultavam os seus mortos perto dos locais onde viviam, no mato. Eventualmente seguiriam alguma forma de rito.

Mais ao Norte do que é hoje Moçambique, onde havia uma presença muçulmana desde o Século IX, os muçulmanos seguiam o rito prescrito nas suas escrituras.

A partir do Século XVI, começaram a passar por ali alguns europeus, a maioria cristãos, que tinham ritos mais ou menos bem estabelecidos quanto à disposição dos seus mortos. Os poucos portugueses que se estabeleceram principalmente em nichos na na costa oriental africana, para além de praças fortes para conduzirem o seu comércio e, no caso de Moçambique (a Ilha) constituírem uma base logística para suportar as rotas marítimas para outros pontos mais a Norte e a Leste (de que se destaca, claro, Goa, a partir de onde, de facto, eram governados os pontos na costa oriental africana, até meados do Século XVIII) construíram igrejas e conventos – e, presume-se, cemitérios.

Mas quase não conheço nenhum cemitério português em Moçambique que date dos Séculos XVI e XVII. E todos sabemos que os portugueses morriam – e morreram – que nem tordos, em África. Havia a malária, as pestes, as picadas e os ataques dos animais, as feridas resultantes de acidentes e combates que eram quase parte normal do quotidiano. Um ferimento, uma doença, naqueles tempos, era praticamente uma sentença de morte. Donde presumo que eram sepultados em valas comuns nos terrenos, que se perderam com o tempo.

Alguns indivíduos mais importantes, à semelhança do que aconteceu durante algum tempo na Europa, foram sepultados nos átrios das poucas igrejas existentes. Penso que isso aconteceu na Ilha de Moçambique.

Outros, como Vasco da Gama, que morreu em Cochim, então uma praça portuguesa na Índia, foram sepultados temporariamente e depois os seus restos mortais foram levados para Portugal e ali depositados (Vasco da Gama está no Mosteiro dos Jerónimos em Lisboa e é uma atracção turística).

Enquanto urbe permanente ocupada por, maioritariamente, europeus, Lourenço Marques surge tardiamente, praticamente nas primeiras décadas do Século XIX.

Segundo Alfredo Pereira de Lima, citado pela sua filha Cristina, originalmente os que ali morriam eram sepultados mesmo ao lado do Presídio (a actual “fortaleza”), na então recinto da Praça (da Picota, a actual Praça 25 de Junho, anteriormente Praça 7 de Março), naquilo que era, praticamente, uma ilha.

Em 1838, depois de uma expedição Boer que correu mal, um conjunto dos chamados “pioneiros”, liderados por Louis Trechardt (também escrito Trichardt), foram, doentes, presumivelmente com malária, até ao Presídio, onde mais tarde, faleceram. Foram então sepultados num terreno situado bem fora da Povoação, que se veio a tornar no primeiro cemitério de Lourenço Marques: o Cemitério de São Timóteo.

São Timóteo

O local do primeiro cemitério da Cidade ficava situado mais ou menos onde fica o actual Monumento em memória de Louis Trechardt, na Baixa de Maputo, a cerca de um quilómetro a Oeste do Jardim Vasco da Gama (ou Tunduru).

Lourenço Marques mais ou menos em 1890.  Legendas: 1 – Praça da Picota, actualmente a Praça 25 de Junho (anteriormente Praça 7 de Março) onde se sepultavam os primeiros europeus; 2- Cemitério de São Timóteo; A – o Presídio; B- A verde, o pântano que separava a Cidade de terra firme; C- terrenos onde se construiu o futuro Jardim Botânico, hoje o Tunduru; D – A Estrada da Ponta Vermelha; E- à esquerda, o Hospital Civil e Militar que fica onde são hoje as escadas da Sé Catedral, e à direita a Igreja Paroquial, iniciada em 1878 que ficava onde hoje é a sede da Rádio Moçambique; E- A Estrada de Lidemburgo, através da qual se ia para a actual África do Sul.

Cristina Pereira de Lima escreveu o seguinte, tendo por fonte notas e artigos escritos pelo seu Pai, Alfredo Pereira de Lima, e que fazem parte do seu espólio:

“O local onde foram sepultados o pioneiro sul-africano Louis Trichardt e os seus companheiros de jornada de 1838 passou a servir de cemitério – o primeiro da cidade de Lourenço Marques – com o nome de Cemitério de S Timóteo. No Cemitério de S. Timóteo foram sepultados pioneiros dos mais destacados de Lourenço Marques, supondo-se que também o Governador Onofre de Andrade, bem como numerosos ingleses que prestavam serviço na velha Estação do cabo submarino. Foi só a partir de 1882 que se começaram a fazer registos dos enterramentos nesse cemitério e foram entáo colocadas cruzes pintadas de preto identificando os covais. Este local serviu de cemitério até 10 de Novembro de 1886, data em que abriu o segundo cemitério da cidade, o Cemitério S Francisco Xavier, mais acima, na direcção do Alto-Maé. Em 25 de Novembro do ano de 1933, as ossadas dos pioneiros sepultados no Cemitério de São Timóteo foram exumadas e transferidas para um sarcófago próprio no cemitério de S José de Lhanguene.”

A única fotografia que conheço do Cemitério de São Timóteo, datada de 1897. Na década de 1930, este cemitério seria extinto e as ossadas transferidas para um local no Cemitério de São José de Lhanguene. Em 1968, num terreno livre no mesmo local, entre prédios, foi construído o monumeno em memória de Louis Trechardt,

São Francisco Xavier

“O Cemitério de São Francisco Xavier foi o segundo cemitério que teve a Cidade, tendo sido inaugurado oficialmente a 20 de Novembro de 1886. Para além de gerações dos primeiros habitantes europeus da Cidade, muitos pioneiros, colonos e boa parte dos heróis das campanhas de África estão aqui enterrados, como o 1º tenente Filipe dos Santos Nunes, Caldas Xavier e Roque de Aguiar (das campanhas de 1895); o enfermeiro Fernando Poças (expedição a Macequece) ; D. Egas Moniz Coelho, Dr. Bernardino Pina Cabral, Comandante José Cardoso, Comandante. Augusto Cardoso (explorador do Niassa), D. Pedro de Sousa Chichorro etc. O Cemitério foi ampliado pela primeira vez em 1891, tendo sido prolongado no sentido Noedeste e foi encerrado em 20 de Novembro de 1951.”

“O Cemitério de São Francisco Xavier  tem anexados os Cemitérios Parse, Maometano e Judaico, abrange dois quarteirões quase inteiros, delimitados pelas Avenidas Manuel de Arriaga, Paiva Manso, Pinheiro Chagas, Latino Coelho e Dr Joel Serrão e ocupa a área de 60.769 metros quadrados. Muitos pioneiros encontram-se sepultados no Talhão dos Combatentes da Grande Guerra (1914-1918) e há ainda pioneiros sepultados em jazigos de familia.
No cemitério muçulmano estão sepultados muitos pioneiros maometanos, entre os primeiros habitantes da Cidade.”

São José de Lhanguene

“Pouco depois do final da Grande Guerra de 1914-1918 , para acorrer aos enterramentos em massa das muitas centenas de indígenas vitimados pela epidemia pneumónica, foi aberto o Cemitério de São José de Lhanguene. Desde a data da sua instituição até ao dia 20 de Novembro de 1951 este cemitério esteve reservado a nativos indigentes que tinham de ser sepultados em vala comum. A partir desta data a Câmara Municipal viu-se compelida a dotar a cidade com um novo cemitério e foi então alargado o covário de São José de Lhanguene e aberto ao público [tradução: aos brancos] nessa data. A cerimónia de abertura em 1951 revestiu-se de solenidade. Depois do ritual católico de benzimento do campo santo seguiu-se o primeiro enterramento oficial [dum branco]: o da ossada do velho colono Vitor José Milho da Rosa. Este velho colono que residia na Missão de S José de Lhanguene manifestara o desejo de ali ser enterrado, apesar de na altura o cemitério só conter valas comuns, e o seu desejo foi respeitado. A Secção dos Cemitérios da Câmara Municipal exumou os seus ossos [da Missão de São José de Lhanguene] colocou-os numa pequena urna e foi esse o primeiro enterramento oficial no novo Cemitério, dando á sua campa o Número 1.”

O histórico texto de Cristina Pereira de Lima coloca algumas questões:

  1. Obviamente os dois primeiros cemitérios da Cidade eram para brancos (o colonialismo …enfim). Fico sem perceber, onde, até à abertura de S. José de Lhanguene em 1918, a população negra era sepultada;
  2. Destaco a importância da informação em cima sobre a abertura de S. José de Lhanguene: abriu porque, durante 1918 (e até meados de 1919) grassava na zona de Lourenço Marques a pandemia mundial de pneumónica que se estima vitimou 3 a 5% da polução do planeta, entre 50 e 100 milhões de pessoas em todo o mundo, durante quase um ano (também conhecida como gripe espanhola). Até hoje, apesar de procurar e pesquisar há anos, tirando esta informação, nunca encontrei um só texto a falar sobre o que aconteceu em Moçambique durante essa mortífera pandemia. Li uma vez um texto que referia terem morrido na altura centenas de milhares de pessoas na África do Sul. Isto foi uma enorme tragédia e não encontro nada sobre o que aconteceu em Moçambique. Não há um académico caridoso que agarre neste assunto?
  3. O Cemitério de São Francisco Xavier tem importância histórica para a Cidade de Maputo (e para Moçambique) e deve ser preservado de alguma forma. Eu nunca lá entrei mas gostava de visitar um dia.

Fontes

“Obras de Alfredo Pereira de Lima” (FB) texto de Cristina Pereira de Lima dtd 1 de Novembro de 2016.

01/06/2016

ALFREDO PEREIRA DE LIMA E O JARDIM MEMORIAL DE LOUIS TRICHARDT EM MAPUTO

Louis Trichadt, o legendário pioneiro boer, imagem dos arquivos do Parque Nacional Kruger. Está sepultado na Baixa de Maputo desde 1838.

Na sequência nas guerras na Europa no início do Século XIX, opondo principalmente a França e a Grã-Bretanha, esta última tomou a Colónia do Cabo, holandesa desde o início do Século XVII e ponto de paragem estratégico na rota para a Índia, que ocupava a área em redor da actual Cidade do Cabo.

Uns anos mais tarde surgiram atritos graves entre os colonos holandeses-huguenotes (doravante chamados boers) com os novos senhores do Cabo. A partir de 1835, um número elevado de boers iniciou o que eles chamam o “grande trek”, ou grande caminhada, cujo objectivo principal era dirigirem-se para fora da Colónia do Cabo, e estebelecerem-se como comunidades autónomas, independentes da coroa britânica.

Dessas migrações, descritas na cultura boer com muito folclore e épica, quase todas feitas para Norte-Nordeste, directamente apontadas na direcção de Maputo, resultou a eventual fundação de duas repúblicas, o Estado Livre de Orange, com capital em Bloemfontein, e a República Sul-Africana Meridional, ou Transvaal, com capital em Pretória.

As migrações, ou treks, foram várias. O processo foi complicado e durou cerca de vinte anos.

No entanto, um dos primeiros e talvez o “trek” mais importante de todos, foi o liderado pelo quiçá mais carismático dos líderes boers de então, um senhor de origem dinamarquesa chamado Louis Trichardt (os boers escrevem “Trechardt”), que é por muitos considerado o fundador do Transvaal, mais tarde a principal das duas nações boers que foram fundadas cerca de meados do Século XIX. Com ele co-liderava o pioneiro boer Hans van Rensburg.

A longa viagem a pé e de carroças puxadas por bois desde o Cabo até ao que hoje é o Parque Nacional Kruger durou quase dois anos. Aí a expedição separou-se e van Rensburg com um grupo seguiram para a grande baía no Sul de Moçambique enquanto Trichardt e parte da sua comitiva permaneceram numa zona mais alta e interior. Os registos indicam que van Rensburg e a sua comitiva foram mortos num assalto. Uns meses depois, Trichardt seguiu a mesma rota na direcção do mar.

É de salientar que desde os primórdios do projecto nacional boer, o acesso ao mar independente do controlo britânico foi uma autêntica obsessão, a que correspondeu igual determinação, por parte da diplomacia da Grâ-Bretanha, de limitar e controlar esse acesso. Este confronto de propósitos foi determinante para Moçambique e manteve as diplomacias da monarquia portuguesa e do império britânico ocupados durante o meio século que se seguiria.

No total, a viagem de Trichardt até aos arredores da acutal Maputo durou cerca de três anos (sete meses só para o percurso entre o Highveld e a Baía, com inúmeras mortes entre os que o acompanharam).

Mas mesmo assim a aventura acaba mal, por duas razões.

A primeira é que Louis Trichardt e os seus seguidores não só meteram-se pelo mato abaixo na direcção entre Nelspruit (Mbombela agora) e Maputo, zona essa que era quase certamente mortífera pois nem os homens nem os animais resistiam a coisas como a malária que ali era endémica e invariavelmente afectava que por ali passasse. Assim, a maior parte da comitiva morreu de malária e o próprio Trichardt e a mulher estavam doentes quando chegam ao então absolutamente miserando presídio de Lourenço Marques (onde hoje está a chamada Fortaleza de Maputo, que na realidade é um núcleo museológico construído nos anos 1940, mas que na altura era uma espelunca imunda feita com uns paus e matope no que facto era uma pequena ilha, separada do terreno adjacente do que é hoje Maputo por uma depressão onde hoje está mais ou menos situada a Av. 25 de Setembro.

A segunda razão porque a expedição de Trichardt correu mal é que, assim que ali chegou, no dia 13 de Abril de 1838, o chefe português do presídio, que dava pelo título de “governador”, disse-lhe que aqueles territórios pertenciam à Coroa de Portugal e que eles não podiam ficar com aquela região nem podiam ir viver para ali. Como resultado, o “trek” de Louis Trichardt termina com a sua recomendação de que os boers fundem a sua república para lá da zona infestada de malária, que terminava mais ou menos a dez quilómetros a Oeste de onde eventualmente foram definidas as actuais fronteiras entre Moçambique e o Transvaal, já nos finais de 1888, então já a propósito da não menos célebre disputa em redor do contrato com o norte-americano Macmurdo para a construção da linha de caminho de ferro que haveria de, sete anos mais tarde, passar a ligar Lourenço Marques à capital do Transvaal, Pretória.

Doentes com malária, esta parte da história acaba com a morte de Louis Trichardt e da sua mulher, no terceiro trimestre de 1838, em Lourenço Marques.

O que acontece a seguir é que é possivelmente a parte mais interessante deste longo episódio.

Com o tempo, a história do que veio a ser a actual África do Sul evolveu para uma enorme e implacável confrontação entre os boers e o império britânico, que culmina com a Guerra Anglo-Boer de 1899-1902, e mais tarde com um crescente domínio boer da União Sul-Africana, criada em 1910, domínio esse que recrudesce nos anos 20 e 30 do Século XX, com as grandes lideranças de Herzog e de Jan Smuts.

O monumento aos Voortrekkers, os pioneiros boers, em Proclamation Hill, perto de Pretória.

Durante esses anos, os boers olharam de novo para a sua história, na qual Louis Trichardt e a sua expedição adquiriram uma importância mítica e fundacional fulcral, semelhante, para eles, ao simbolismo com que se pretende associar os que combateram com armas pela independência de Moçambique.

No longo baixo-relevo no interior do Monumento aos Voortrekkers, Louis Trichardt em Lourenço Marques, presumo que com o governador do pequeno presídio.

Em 1938, o poder boer em plena ascenção numa aliança pouco fácil os residentes de origem inglesa, com enorme pompa, foi inaugurado nuns campos nos arredores de Pretória, o assombroso Monumento aos Voortrekkers, onde toda essa história e misticismo estão reflectidos – incluindo o episódio seminal do mais celebrado de todos os Voortrekkers – o trek de Louis Trichardt.

De certa forma, Trichardt foi uma espécie de Eduardo Mondlane para os boers, uma peça fundamental da lógica inescapável da justiça da causa da sua independência, especialmente face ao poder britânico.

Poucos anos após a inauguração do gigantesco monumento boer em Pretória, em Lourenço Marques, Alfredo Pereira de Lima, ali nascido e criado e então um jovem arquivista da Câmara Municipal da cidade Lourenço Marques, que detinha um grande fascínio por história, tendo ao longo da sua vida feito um trabalho inestimável, estudou o que havia em redor da história de Trichardt.

E foi Lima quem em 1944, já no final da II Guerra Mundial, descobriu onde, na capital moçambicana, Louis Trichardt havia sido sepultado com a sua mulher quando morreram ali em finais de 1838.

Mais tarde, com o sul-africano Dr. Colin Coetzee, descobriu também o local exacto onde, na Baía, os holandeses haviam edificado em 1720 uma fortaleza, pretendendo dessa forma tomar o comércio e disputar a sua posse com a coroa portuguesa.

Em 1964, Alfredo Pereira de Lima publicou a obra A História de Louis Trichardt (editado pela Minerva Central, com 137 páginas, esgotadérrimo).

O Jardim Memorial de Louis Trichardt, onde se encontram os restos mortais do pioneiro boer e de sua mulher.

A fachada principal do monumento.

A estátua à esquerda da entrada de do Dr. William Punt, que em 1964 era o presidente da Sociedade Louis Trichardt, sedeada em Pretória.

É nesta década que se decidiu edificar no local da sepultura de Trichardt um monumento memorial, que foi inaugurado às 14 horas do dia 12 de Outobro de 1968, pelo, do lado sul-africano, o então ministro da Educação Nacional da República da África do Sul, Jan de Klerk.

Estojo para os medalhões comemorativos da inauguração do monumento, 1968.

Um dos medalhões comemorativos.

Outro dos medalhões comemorativos.

Pelos seus esforços, Alfredo Pereira de Lima foi tornado membro da Sociedade Louis Trichardt, uma pequena organização sedeada em Pretória.

Ou seja, Louis Trichardt, uma das figuras mais “sagradas” da história e cultura boer, hoje um dos componentes do “arco-íris” sul-africano, está sepultado em plena baixa de Maputo.

De salientar que do esforço generalizado de retirada de monumentos por todo o país na altura da Independência de Moçambique, em Maputo só dois nunca foram tocados: o Monumento aos que morreram na 1ª Guerra Mundial em frente à estação dos Caminhos de Ferro, e o Jardim Memorial de Louis Trichardt.

Que por puro acaso visitei em Dezembro de 1984, altura em que o país estava já em plena guerra civil, Maputo deserta e vivendo em quieto e receoso desespero os dois últimos anos sob a tutela de Samora Machel. Para minha surpresa, lá encontrei o guarda-recepcionista, um senhor com alguma idade, impecavelmente vestido numa já algo velha farda, sorridente, explicando-me os detalhes do que lá está e oferecendo-me ao fim a assinar o livro de visitantes, o que fiz. Acho que pela tão calorosa recepção ofereci-lhe cinco dólares americanos, o que transformou a minha visita em dia de festa para ele, pois naquela altura cinco dólares em Maputo era uma pequena fortuna. Ainda bem, pensei.

Mas na altura não me apercebera de que aquele local repousavam os restos mortais do mítico líder boer. De facto, nunca soube desta história na sua totalidade até há menos de dois anos, por uma troca de mensagens com a filha de Alfredo Pereira de Lima, que me concedeu o privilégio de me providenciar dados e fotografias sobre o seu pai, que eu nunca conseguira encontrar, e que podem ser vistos premindo AQUI.

Esta história é não só interessante e curiosa: ela faz parte também da história de Maputo, de Moçambique e da África do Sul.

Tanto, entretanto, aconteceu desde esse dia em 1838 quando Trichardt faleceu junto à Baía. Depois de mais que 130 anos, Moçambique tornou-se numa nação independente. Na África do Sul terminou o apartheid e instituiu-se um regime democrático.

Uma visita ao Jardim em Memória de Louis Trichardt ajuda a lembrar como foi e como tudo mudou.

E deveria fazer parte obrigatória de qualquer roteiro histórico e cultural da Cidade de Maputo.

02/09/2012

O MONUMENTO E SEPULTURA DE LOUIS TRICHARDT E SUA MULHER NA BAIXA DE LOURENÇO MARQUES, ANOS 1960

A entrada do monumento e sepultura de Louis Trichardt e da sua mulher na baixa de Lourenço Marques, anos 1960. Trichardt faleceu no então presídio português em meados de 1838, depois da migração dos seus, para o norte do Cabo, para escapar ao domínio britânico da então colónia do Cabo, conhecida como o Great Trek.

 

O interior do monumento. Louis Trichardt e a sua expedição (1836-1838) constituem um momento seminal na história da África do Sul, especialmente do povo Boer, com um impacto enorme em tudo o que se seguiu na África Austral. A descoberta da sepultura do casal Trichardt deve-se em grande parte a Alfredo Pereira de Lima, um historiador já celebrado aqui no Delagoa Bay World.

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