THE DELAGOA BAY WORLD

21/04/2019

A JOVEM ESTER MARIA PORTUGAL NA BEIRA, 1925

Filed under: Ester Maria Portugal Devezas — ABM @ 22:12

Imagem retocada, gentilmente cedida por Luis A Portugal Deveza GM, filho de Ester Maria Portugal, que viria a ser a primeira aviadora de Moçambique.

 

A então jovem Ester (futuramente, a primeira aviadora de Moçambique) num transporte pessoal sobre carris que era o que se usava na Beira de então, dado ser uma cidade construída literalmente sobre terreno plano composto de areia da praia e pântanos, cerca de 2-3 metros acima do nível médio do mar e onde não havia na altura estradas alcatroadas. Atrás dela, três homens, presumo que para empurrar o veículo ou simplesmente a posar.

26/09/2017

UMA CAÇADA EM CHEMBA E O CAÇADOR CARLOS SOBRAL, 1924

A primeira fotografia, que retoquei, foi muito gentilmente cedida por Luis Deveza, cuja Família viveu décadas em Moçambique. O texto (editado) e as imagens seguintes, da autoria de Cictor Carocha, foram copiadas com agradecimentos e profunda vénia do sítio serbenfiquista.com, dada a relevância e para melhor entendimento da primeira fotografia.

Hoje é pouco imaginável, mas um dos grandes perigos de se viver no interior do que é hoje Moçambique eram os ataques de animais, em particular dos leões, que eram muito numerosos e muito perigosos, em particular à noite. Eram o verdadeiro terror para as populações nativas que viviam no interior, a maior parte das quais não tinham quaisquer meios de se defenderem. Neste contexto, matar um leão, ou uma leoa, especialmente se esses animais já tinham atacado humanos antes, era considerado quase uma benção e motivo de festa. Outros tempos.

Chemba, onde a fotografia foi tirada, fica situada no extremo Norte da actual Província de Sofala, quase encaixada junto onde começa Tete. Na altura – 1924 – integrava o território sob administração da Companhia de Moçambique, uma das companhias majestáticas que operavam na então colónia portuguesa e cuja sede administrativa era na Beira.

 

Pose de grupo com o que parece ser uma leoa, após a sua caçada em Chemba, 1924. Para além dos residentes locais, vêem-se ao centro a então jovem Ester Maria Portugal Deveza (Mãe do Luis Deveza), junto da sua Mãe Gerthy Tomás da Costa Portugal (Avó do Luis) e à sua direita Ermelinda Tomás da Costa Sobral, prima de Gerthy e mulher do famoso caçador Carlos Sobral, que foi quem tirou a fotografia. A jovem Ester viria a ser a primeira Mulher aviadora em Moçambique. Sobre Carlos Sobral, ver mais abaixo.

 

O Distrito de Chemba, onde a fotografia foi tirada em 1924.

 

Imprevisivelmente, a existência desta imagem suscitou a “descoberta” de informação sobre o homem que caçou esta leoa, Carlos Sobral.  Conforme acima referido, Victor Carocha, (RedVC) um distinto contribuinte do sítio servenfiquista.com, escreveu o seguinte (com algum editing meu):

CARLOS SOBRAL

Carlos Burnay da Cruz Sobral foi um campeão, um desportista ecléctico, notável nadador e talentoso futebolista. Um homem destemido que como veremos teve uma vida intensa até ao fim.

Nascido em 1891, Carlos Sobral é uma figura interessante dos primórdios do futebol e da natação Portuguesas e merece ser recordado. Praticou também boxe, esgrima e parecia talhado para ser campeão nos desportos que praticou. Falar dele é falar de um excelente desportista que talvez se tenha notabilizado mais na natação do que propriamente no futebol. Mas como veremos foi igualmente competente nas duas modalidades.

Carlos Sobral, nadador.

No futebol, Carlos Sobral foi geralmente um avançado, posição para a qual beneficiou da sua boa compleição física. No entanto o facto mais saliente da sua carreira futebolística foi o de ter jogado no CIF, no Sporting, no Benfica, e no Belenenses. É ainda possível que antes do CIF, clube grande dessa época, Sobral tenha também jogado noutros clubes de menor destaque. Foi por isso um dos primeiros globetrotters Portugueses. À frente dele, que me lembre, só mesmo Artur José Pereira (F. Cruz Negra, Ajudense F.C. (provável), S.U. Belenense, S.L. Benfica, Sporting C.P., e C.F. “os Belenenses”).

Assim, no seu percurso de doze épocas futebolísticas, Carlos Sobral começou a “futebolar” com listas pretas e brancas e acabou de azul e negro com a Cruz de Cristo ao peito:

Clubes onde Sobral praticou futebol.

 

A saída do CIF deverá terá acontecido devido ao progressivo esvaziamento da competência futebolística deste clube. Este definhamento aconteceu não apenas por via da debandada dos Ingleses, mobilizados pela sua Pátria para a Grande Guerra mas também pelo perda de jogadores seduzidos pelo canto da sereia de viscondes verdes endinheirados. A passagem de Sobral pelo SCP foi no entanto fugaz, talvez porque não se tenha adaptado ao sistema elitista do clube verde. Regressaria ao CIF por mais três épocas antes de ingressar no Gloriosíssimo.

Entre 1909-1910, Sobral terá tido um hiato futebolístico. Curiosamente foi nessa época que o CIF ganhou o seu único título de Campeão Regional de Lisboa. Sobral ainda viria a ganhar 3 títulos de Campeão Regional de Lisboa mas já no Benfica… Interessa aqui dizer que nessa época os melhores jogadores estavam em Lisboa e por isso esses títulos regionais de Lisboa podem ser encarados como correspondendo à melhor equipa nacional dessa época.

Sobral no SCP em 1911-1912. Está aqui com uma guarda de honra de respeito e com ligações ao Benfica, formada por dois Catataus (António à sua direita e Cândido à sua esquerda).

Em 1918-19, Sobral foi um dos jogadores que entrou em litígio com a Direção do Benfica por via da polémica em torno de Alberto Rio. E é nesse contexto, que surge o desafio de Artur José Pereira para fundarem um novo clube em Belém. Assim, Sobral, Francisco Pereira, Aníbal dos Santos, Henrique Costa, Manuel Veloso, Alberto Rio, Joaquim Rio entre outros, saem do Benfica para fundar o CFB. Não sei ao certo quantos anos Sobral ficou no CFB. Já encontrei referências de que terá lá estado durante quatro anos mas que foi depois foi desmentida por outra a meu ver mais credível, indicando que em 1920 já por lá não andaria. Ainda assim sabemos que Sobral no tempo em que esteve no CFB assumiu o cargo de capitão-geral, um papel de grande relevo para a época. Sobral foi também um dos autores de uma das propostas para definir o equipamento do CFB. Sobral propôs calção negro e camisola branca mas acabou por ganhar a proposta de Henrique Costa (outra grande figura Benfiquista): calção negro e camisola azul. Curioso ou talvez não, digo eu, o SLB é o único que se manteve fiel às suas cores de origem. Passados 111 anos mantemos a nossa querida camisola vermelha, calção branco e meia vermelha. Simples e belo.

Mas voltando a Sobral, o seu mérito futebolístico foi plenamente reconhecido pelos seus pares. Isso é demonstrado pelo facto de ter sido seleccionado múltiplas vezes para jogar na seleção da AFL (Associação de Futebol de Lisboa). Como atrás dissemos, nesse tempo a AFL agrupava os melhores jogadores nacionais, podendo ser considerada uma verdadeira selecção nacional Portuguesa daqueles tempos. Sobral lá esteve quer em jogos realizados em Portugal quer na equipa que competiu durante a digressão de 1913 ao Brasil. E foi aliás um dos jogadores mais utilizados pelo Capitão Geral dessa digressão, Cosme Damião, pois claro.

Pólo aquático: avancados Francisco Lima, Rosendo da Silva, Carlos Sobral e Aníbal de Almeida 
Defesas e guarda-redes Vinhas, Gilberto Monteiro e Idelino Lima.

Mas como atrás se disse Carlos Sobral foi participante em provas de natação e pólo aquático.

Naquele tempo não existiam piscinas e por isso as provas desenrolavam-se em estilos e condições muito diferentes dos dias de hoje. Enquanto nadador, Sobral representou quer o Clube Naval quer o CIF. Desconheço se também o fez na sua breve passagem pelo futebol do SCP. No Benfica e segundo Alberto Miguéns, Carlos Sobral acumulou o futebol com a prática do polo aquático, pelo menos no ano de 1916. E como não podia deixar de ser era avançado centro.

Carlos Sobral em competições de natação.

Do que atrás se disse fica claro que falamos de um desportista multifacetado, talentoso e vitorioso. A este perfil deveria certamente corresponder uma personalidade forte e dinâmica. Findo o tempo do desporto de competição, Carlos Sobral foi em busca do seu destino.

Em 1920, Sobral foi para Moçambique para trabalhar como director na Mozambique Industrial & Commercial Co. Ltd. E por lá mostrou a sua fibra.

Mas pouco depois viria a tragédia.

O assunto é pouco abordado e compreensivelmente dado tratar-se de uma situação dramática. Sabe-se que Sobral, de carácter destemido, se dedicou apaixonadamente à caça grossa. Numa dessas caçadas, no dia 26 de Novembro de 1926, Sobral travou uma luta corpo a corpo com o décimo terceiro leão que tentou abater. Vítima de graves ferimentos, foi evacuado para o Hospital de Caia, na Zambézia, onde acabaria por morrer aos 35 anos de idade.

O escritor Joaquim Paço d’Arcos, que o conheceu em África, fez dele a personagem central do seu primeiro romance, Herói Derradeiro. E a ele se referiu como: Carlos Burnay da Cruz Sobral, “grande caçador do mato”, “herói lendário” e “símbolo alto do destemor, da força viril, da lealdade”.

Carlos Sobral posa junto de um leão que abatera em Moçambique, anos 1920.

e acrescentou Paço d’Arcos:

“É preciso conhecer certos territórios de África e a eterna dependência em que o português ali vive do Estado ou das grandes companhias, alheado por completo das qualidades de iniciativa que fazem dele no Brasil um elemento tão útil, é preciso conhecer aqueles meios de parasitagem e de covardia, para admirar em todo o seu valor a serena confiança com que Carlos Sobral, por ser português de “antes quebrar que torcer”, trocava uma cómoda e rendosa situação pela tão mais humilde e ingrata profissão de pequeno agricultor”, afirmava, na introdução, este jovem escritor que iria ser sempre assim, aristocrata pelo espírito e inconformado com o espectáculo da decadência do País e de certos valores.

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