Imagem retocada e colorida, da publicação Branco e Negro, 1897.
30/07/2021
15/06/2021
OS CEMITÉRIOS DE S.FRANCISCO XAVIER, JUDAICO, MAOMETANO E FARSI DE LOURENÇO MARQUES, 1932
Imagem retocada. As informações contidas em baixo foram muito gentilmente facultadas por Cristina Pereira de Lima, filha do historiador Alfredo Pereira de Lima, autor de, entre outras, a obra monumental sobre os Caminhos de Ferro de Moçambique, de que detém os direitos de autor, juntamente com o seu arquivo pessoal.
O arquivo de Alfredo Pereira de Lima contém os seguintes dados sobre o Cemitério S Francisco Xavier e os Cemitérios Maometano, Parse e Judaico:
“…. o seu terreno foi concedido pelo Estado em Maio de 1886, o muro e as obras foram construídas por empreitada de Pablo Perez e concluídas em 30 de Agosto de 1886; o cemitério foi inaugurado em 20 de Novembro de 1886.
Foi ampliado pela primeira vez em 1891, tendo sido prolongado no sentido NE. Foi encerrado em 20 de Novembro de 1951.”
Continua: “este cemitério tem anexos os cemitérios parse, maometano e judaico, abrange dois quarteirões quase inteiros, delimitados pelas Avenidas Manuel de Arriaga, Paiva Manso, Pinheiro Chagas, Latino Coelho e Dr. J Serrão, ocupando uma área de 60.769 metros quadrados. Muitos pioneiros encontram-se sepultados no Talhão dos Combatentes da Grande Guerra e há ainda pioneiros sepultados em jazigos de familia. No cemitério muçulmano estão sepultados muitos pioneiros maometanos…”
E ainda:
“O Cemitério Maometano foi autorizado pela Câmara em Maio de 1885.
O Cemitério Parse foi autorizado pela Câmara Municipal em 1898, a requeremiento de Homorgy Idolgy, que foi vereador e era ao tempo o chefe da comunidade parse de Lourenço Marques.
O Cemitério Israelita foi autorizado em sessao da Câmara Municipal de 24 de Janeiro de 1900 por proposta de Leão Cohen. Existe desde essa data.
Muitas religiões, creio que a maometana também, não admitem a prática de exumações, pois consideram sagrada a última jazida do fiel e perpétua a sua sepultura…”
08/06/2021
02/08/2019
OS CEMITÉRIOS DE LOURENÇO MARQUES NOS SÉCULOS XIX E XX
Imagens retocadas.
Ao princípio não sei bem como era. Imagino que na região onde hoje se situa a capital de Moçambique, as populações nativas, quase todas oriundas, em tempos quase imemoriais, do Norte, algures na África Central e Ocidental, sepultavam os seus mortos perto dos locais onde viviam, no mato. Eventualmente seguiriam alguma forma de rito.
Mais ao Norte do que é hoje Moçambique, onde havia uma presença muçulmana desde o Século IX, os muçulmanos seguiam o rito prescrito nas suas escrituras.
A partir do Século XVI, começaram a passar por ali alguns europeus, a maioria cristãos, que tinham ritos mais ou menos bem estabelecidos quanto à disposição dos seus mortos. Os poucos portugueses que se estabeleceram principalmente em nichos na na costa oriental africana, para além de praças fortes para conduzirem o seu comércio e, no caso de Moçambique (a Ilha) constituírem uma base logística para suportar as rotas marítimas para outros pontos mais a Norte e a Leste (de que se destaca, claro, Goa, a partir de onde, de facto, eram governados os pontos na costa oriental africana, até meados do Século XVIII) construíram igrejas e conventos – e, presume-se, cemitérios.
Mas quase não conheço nenhum cemitério português em Moçambique que date dos Séculos XVI e XVII. E todos sabemos que os portugueses morriam – e morreram – que nem tordos, em África. Havia a malária, as pestes, as picadas e os ataques dos animais, as feridas resultantes de acidentes e combates que eram quase parte normal do quotidiano. Um ferimento, uma doença, naqueles tempos, era praticamente uma sentença de morte. Donde presumo que eram sepultados em valas comuns nos terrenos, que se perderam com o tempo.
Alguns indivíduos mais importantes, à semelhança do que aconteceu durante algum tempo na Europa, foram sepultados nos átrios das poucas igrejas existentes. Penso que isso aconteceu na Ilha de Moçambique.
Outros, como Vasco da Gama, que morreu em Cochim, então uma praça portuguesa na Índia, foram sepultados temporariamente e depois os seus restos mortais foram levados para Portugal e ali depositados (Vasco da Gama está no Mosteiro dos Jerónimos em Lisboa e é uma atracção turística).
Enquanto urbe permanente ocupada por, maioritariamente, europeus, Lourenço Marques surge tardiamente, praticamente nas primeiras décadas do Século XIX.
Segundo Alfredo Pereira de Lima, citado pela sua filha Cristina, originalmente os que ali morriam eram sepultados mesmo ao lado do Presídio (a actual “fortaleza”), na então recinto da Praça (da Picota, a actual Praça 25 de Junho, anteriormente Praça 7 de Março), naquilo que era, praticamente, uma ilha.
Em 1838, depois de uma expedição Boer que correu mal, um conjunto dos chamados “pioneiros”, liderados por Louis Trechardt (também escrito Trichardt), foram, doentes, presumivelmente com malária, até ao Presídio, onde mais tarde, faleceram. Foram então sepultados num terreno situado bem fora da Povoação, que se veio a tornar no primeiro cemitério de Lourenço Marques: o Cemitério de São Timóteo.
São Timóteo
O local do primeiro cemitério da Cidade ficava situado mais ou menos onde fica o actual Monumento em memória de Louis Trechardt, na Baixa de Maputo, a cerca de um quilómetro a Oeste do Jardim Vasco da Gama (ou Tunduru).
Cristina Pereira de Lima escreveu o seguinte, tendo por fonte notas e artigos escritos pelo seu Pai, Alfredo Pereira de Lima, e que fazem parte do seu espólio:
“O local onde foram sepultados o pioneiro sul-africano Louis Trichardt e os seus companheiros de jornada de 1838 passou a servir de cemitério – o primeiro da cidade de Lourenço Marques – com o nome de Cemitério de S Timóteo. No Cemitério de S. Timóteo foram sepultados pioneiros dos mais destacados de Lourenço Marques, supondo-se que também o Governador Onofre de Andrade, bem como numerosos ingleses que prestavam serviço na velha Estação do cabo submarino. Foi só a partir de 1882 que se começaram a fazer registos dos enterramentos nesse cemitério e foram entáo colocadas cruzes pintadas de preto identificando os covais. Este local serviu de cemitério até 10 de Novembro de 1886, data em que abriu o segundo cemitério da cidade, o Cemitério S Francisco Xavier, mais acima, na direcção do Alto-Maé. Em 25 de Novembro do ano de 1933, as ossadas dos pioneiros sepultados no Cemitério de São Timóteo foram exumadas e transferidas para um sarcófago próprio no cemitério de S José de Lhanguene.”
São Francisco Xavier
“O Cemitério de São Francisco Xavier foi o segundo cemitério que teve a Cidade, tendo sido inaugurado oficialmente a 20 de Novembro de 1886. Para além de gerações dos primeiros habitantes europeus da Cidade, muitos pioneiros, colonos e boa parte dos heróis das campanhas de África estão aqui enterrados, como o 1º tenente Filipe dos Santos Nunes, Caldas Xavier e Roque de Aguiar (das campanhas de 1895); o enfermeiro Fernando Poças (expedição a Macequece) ; D. Egas Moniz Coelho, Dr. Bernardino Pina Cabral, Comandante José Cardoso, Comandante. Augusto Cardoso (explorador do Niassa), D. Pedro de Sousa Chichorro etc. O Cemitério foi ampliado pela primeira vez em 1891, tendo sido prolongado no sentido Noedeste e foi encerrado em 20 de Novembro de 1951.”
“O Cemitério de São Francisco Xavier tem anexados os Cemitérios Parse, Maometano e Judaico, abrange dois quarteirões quase inteiros, delimitados pelas Avenidas Manuel de Arriaga, Paiva Manso, Pinheiro Chagas, Latino Coelho e Dr Joel Serrão e ocupa a área de 60.769 metros quadrados. Muitos pioneiros encontram-se sepultados no Talhão dos Combatentes da Grande Guerra (1914-1918) e há ainda pioneiros sepultados em jazigos de familia.
No cemitério muçulmano estão sepultados muitos pioneiros maometanos, entre os primeiros habitantes da Cidade.”
São José de Lhanguene
“Pouco depois do final da Grande Guerra de 1914-1918 , para acorrer aos enterramentos em massa das muitas centenas de indígenas vitimados pela epidemia pneumónica, foi aberto o Cemitério de São José de Lhanguene. Desde a data da sua instituição até ao dia 20 de Novembro de 1951 este cemitério esteve reservado a nativos indigentes que tinham de ser sepultados em vala comum. A partir desta data a Câmara Municipal viu-se compelida a dotar a cidade com um novo cemitério e foi então alargado o covário de São José de Lhanguene e aberto ao público [tradução: aos brancos] nessa data. A cerimónia de abertura em 1951 revestiu-se de solenidade. Depois do ritual católico de benzimento do campo santo seguiu-se o primeiro enterramento oficial [dum branco]: o da ossada do velho colono Vitor José Milho da Rosa. Este velho colono que residia na Missão de S José de Lhanguene manifestara o desejo de ali ser enterrado, apesar de na altura o cemitério só conter valas comuns, e o seu desejo foi respeitado. A Secção dos Cemitérios da Câmara Municipal exumou os seus ossos [da Missão de São José de Lhanguene] colocou-os numa pequena urna e foi esse o primeiro enterramento oficial no novo Cemitério, dando á sua campa o Número 1.”
O histórico texto de Cristina Pereira de Lima coloca algumas questões:
- Obviamente os dois primeiros cemitérios da Cidade eram para brancos (o colonialismo …enfim). Fico sem perceber, onde, até à abertura de S. José de Lhanguene em 1918, a população negra era sepultada;
- Destaco a importância da informação em cima sobre a abertura de S. José de Lhanguene: abriu porque, durante 1918 (e até meados de 1919) grassava na zona de Lourenço Marques a pandemia mundial de pneumónica que se estima vitimou 3 a 5% da polução do planeta, entre 50 e 100 milhões de pessoas em todo o mundo, durante quase um ano (também conhecida como gripe espanhola). Até hoje, apesar de procurar e pesquisar há anos, tirando esta informação, nunca encontrei um só texto a falar sobre o que aconteceu em Moçambique durante essa mortífera pandemia. Li uma vez um texto que referia terem morrido na altura centenas de milhares de pessoas na África do Sul. Isto foi uma enorme tragédia e não encontro nada sobre o que aconteceu em Moçambique. Não há um académico caridoso que agarre neste assunto?
- O Cemitério de São Francisco Xavier tem importância histórica para a Cidade de Maputo (e para Moçambique) e deve ser preservado de alguma forma. Eu nunca lá entrei mas gostava de visitar um dia.
Fontes
“Obras de Alfredo Pereira de Lima” (FB) texto de Cristina Pereira de Lima dtd 1 de Novembro de 2016.