THE DELAGOA BAY WORLD

21/09/2022

O BAPTISMO DA LOCOMOTIVA “PRINCE LUIZ PHILIPPE” EM LOURENÇO MARQUES, 1887

Imagem retocada.

O Coronel Edward Macmurdo, o algo polémico investidor norte-americano (ainda por cima de Kentucky) que ganhou a concessão para a construção e exploração da linha férrea entre Lourenço Marques e Ressano Garcia, é um mistério, quer pelo que se sabe dele, quer pelo que não se sabe. Não é o meu objectivo aqui falar nisso, apenas aludir.

Por exemplo, como ele ganhou a concessão, que fez de um delapidado presídio numa baía cobiçada num buraco infecto no meio de lado nenhum a capital de Moçambique. Do pouco que li, apenas é dito que ele foi a Lisboa em 1883 e…zás, concessão atribuída. Assim, sem mais nem menos, para a que era considerada a linha férrea mais cobiçada do Planeta Terra.

Depois fez uma sequência de canganhiças seguidas mais ou menos bem documentadas para sacar dinheiro dos seus investidores em Londres e tirar a concessão do controlo português (desprezível e irrelevante mas uma condição prévia). Só mesmo quando já estava com as costas contra a parede é que lá contratou um inglês que fez a linha, aparentemente à pressa e mal pois logo nas primeiras chuvadas a linha ficou intransitável.

Mais grave, “enganou-se” – ou foi enganado, o debate perpetuou-se – e quando completou o trabalho foi informado que “afenal” ali no KM 81.97 não era a fronteira com o Transvaal, a fronteira era em Ressano Garcia, a oito quilómetros de distância, no KM 89.97 . O contrato dizia que a linha tinha que acabar na fronteira, ele tinha um prazo a cumprir e estava-se em plena estação das chuvas, Mucmurdo não tinha material localmente para estender a linha nem para as pontes etc, que tinha que vir de fora. Os portugueses, que tinham adiado a conclusão do projecto “n” vezes, desta vez não extenderam o prazo e, não estando o contrato de concessão cumprido na data-limite (para aí em 30 de Junho de 1889) confiscaram tudo. Mucmurdo entretanto tem um ataque de coração e morre. Os ingleses mandam-se ao ar com o confisco e rosnam. Eu estou convicto de que o “Ultimato” de 1890 foi em parte resultante deste episódio que os britânicos devem ter achado um puro atrevimento por parte dos políticos portugueses, motivando uma breve interrupção na tal aliança com 600 anos.

Mas voltando ao Macmurdo (ainda não se conhece uma foto da criatura e não é por falta de se procurar), havia algo ainda mais curioso que ele fez, mostrando uma dose de iniciativa e lata verdadeiramente impressionantes. Deve ser porque em tempos Macmurdo esteve envolvido com jornais em Londres e até esteve metido num escândalo que foi mais ou menos abafado na altura. Mas pouco depois de ganhar a Concessão ferroviária de Lourenço Marques, ele, de que não se conhecem grandes antecedentes omo escritor, historiador e muito menos académico…. escreveu e publicou (1888) um espesso livro sobre a História de Portugal que mais tarde se tornou “na” referência no mundo anglófono sobre Portugal. Quem na altura só falasse inglês e basicamente queria conhecer a história de Portugal tinha que ler o livro dele. Na altura em que me apercebi disto tive que ir confirmar pois eu não conseguia reconciliar a pessoa que andou nos esquemas da Concessão com a iniciativa de publicar um livro de história. Mas era mesmo ele. Ainda hoje existem inúmeras cópias do livro dele nas bibliotecas em todo o mundo.

Presumo que o livro fizesse parte da campanha de charme dele relacionada com as maroscas que ele fazia com os assuntos da Concessão.

Outra acção de charme foi a que se vê em baixo.

Em 1887, Portugal era uma monarquia constitucional e o rei era Sua Majestade D. Luiz I. Casado com a italiana Maria Pia e cujo herdeiro era D: Carlos, o Príncipe Real que pouco antes casou com a lindíssima e brasonadíssima Amélie de Orléàns, uma francesa. Luiz vivia no meio inacabado palácio na Ajuda e Carlos vivia com a sua Amélie num palacetezinho perto das ruinas então recentemente reconstruídos do Mosteiro dos Jerónimos, em Belém. Que hoje é o palácio presidencial onde Marcelo Rebelo de Sousa reside oficial e temporariamente.

Foi nesse mesmo pequeno palacete que, às 9 horas da noite de 21 de março de 1887 nasceu o seu primogénito, a quem imediatamente foi dado o título de Príncipe da Beira. Os seus padrinhos foram o seu avô paterno, o Rei D. Luís I e a sua avó materna, a Condessa de Paris. O seu baptizado foi a 14 de abril de 1887 na Capela do Palácio de Belém pelo Cardeal Patriarca de Lisboa, D. José Sebastião Neto. E foi entregue à responsabilidade da ama Carlota de Campos e da Dama D.Isabel Saldanha de Gama da Casa da Ponte.

O seu nome completo era Luís Filipe Maria Carlos Amélio Fernando Victor Manuel António Lourenço Miguel Rafael Gabriel Gonzaga Xavier Francisco de Assis Bento.

A dez mil quilómentros de distância em Lourenço Marques, os homens de Macmurdo prosseguiam com a tourada de fazer a linha de caminho de ferro para o Transvaal. Mas, em mais uma dose de charme, um dia pararam tudo, pegaram numa locomotiva a que, numa cerimónia solene, deram o nome do futuro herdeiro da coroa (viria a sê-lo dois anos mais tarde, no dia 19 de Outubro de 1889, quando o seu Avô o Rei D Luiz faleceu na Cidadela de Cascais e o seu Pai tornou-se rei).

Que foi publicada, em mais uma acção de charme, num lindo album de fotografias que mandou imprimir.

A cerimónia de benção da locomotiva “Prince Luiz Philippe” em Lourenço Marques, 1887. Note-se a demografia: os dignitários são quase todos brancos, a audiência é maioritariamente negra e asiática.

Fontes:

https://doi.org/10.1080/10113439609511086

https://onlinebooks.library.upenn.edu/webbin/book/lookupname?key=McMurdo%2C%20Edward

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