THE DELAGOA BAY WORLD

29/07/2022

A BRIGADA DO CAFÉ SCALA EM LOURENÇO MARQUES, ANOS 60

Imagem retocada e colorida.

Sentados numa mesa do Café Scala na Baixa de Lourenço Marques, anos 60. Da esquerda: Ricardo Rangel, Malangatana Valente Ngweya, Teodomiro Leite de Vasconcelos e Rui Nogar. Eram curiosamente populares na Cidade e, ao mesmo tempo, uma espécie de “brigada de resistência” contra o regime vigente. Ver mais um pouco em baixo.

Ricardo Achilles Rangel

Fotógrafo. Mulato filho de um grego e de uma senhora mista, o que justifica a credencial, exaustivamente repetida, de ter sido o primeiro fotógrafo não branco a ser contratado pelos racistas inveterados do Notícias – perdão, do BNU. Nasceu em LM em 15 de Fevereiro de 1924 e cresceu no eixo Alto Maé-Malhangalene-Mafalala. Trabalhou nos jornais da Cidade e na Beira e no final dos anos 60 co-fundou a revista Tempo, publicação mais ou menos rebelde mas que, após a independência, se tornou. com o Notícias (agora do Banco de Moçambique), uma publicação oficiosa do regime, com verdadeiras aulas de marxismo-leninismo e cantando as miríades virtudes do comunismo. Com o Kok Nam, eram os decanos da fotografia pós-1975, se bem que eu continuo convicto de que, sem desfazer neles que eram bons rapazes, o Carlos Alberto Vieira era de longe o melhor de todos. Mas o Carlos Alberto era branco, estava conotado com a Outra Senhora e isso pelos vistos é sempre uma chatice. Fundou uma escola de fotografia e assistiu ao horror da morte da fotografia química e a mudança para a fotografia digital. Morreu em Maputo em 11 de Junho de 2009. Com a Béatrice, foi meu vizinho em Maputo durante quase seis anos. Era amigo do meu Pai, o que valia o que valia.

Malangatana

De longe o pintor mais conhecido de Moçambique, antes e depois de 1975. Um senhor. Nascido na mais do que obscura Matalana em 6 de Junho de 1936, cedo foi padrinhado por elementos da clique intelectual-artística de LM, passou uns tempos no Núcleo de Arte na Rua dos Aviadores antes do tempo do Jorge e da Zéca Mealha (onde o conhecia) e desenvolveu aquele estilo inconfundível das pinturas com os miúdinhos esfomeados miseráveis chorosos que eu pensava que com a independência iria mudar mas não mudou. Nacionalista, deu o apoio que pôde ao novo regime freliminiano e ia-se lixando. Felizmente mais tarde deixaram-no em paz e ficou rico a vender os seus quadros em todo o mundo. Morreu em Matosinhos, ao pé do Porto, em 5 de Janeiro de 2011. Os portugueses deram-lhe honras de Estado colocando o seu corpo em câmara ardente no Mosteiro dos Jerónimos em Lisboa, onde, excepcionalmente, eu estava e fui. Depois foi de avião para Moçambique.

Leite de Vasconcelos

O Teodomiro nasceu na muito portuguesa Arcos de Valdevez em 4 de Agosto de 1944 mas com um ano de idade foi levado para Moçambique, que não só sempre considerou a sua terra como fez o formalismo da nacionalidade após 1975. Foi um jornalista e um escritor. Cresceu na Beira, onde trabalhou na Rádio do Aeroclube da Beira e estudou ciências sociais em LM. Mais tarde, chegou a director do Rádio Clube, mas em 1972 foi para a (então) Metrópole, trabalhar na Rádio Renascença. Na madrugada do dia 25 de abril de 1974, Leite de Vasconcelos era o locutor da emissão do programa Limite, quando a canção Grândola, Vila Morena do Zeca Afonso foi transmitida às 00:20 horas, sinal que marcou o início da Operação Militar Especial em Portugal, coordenada pelo “compatriota” Otelo Saraiva de Carvalho e que concluiria poucas horas depois com o derrube da ditadura. Vivia em Maputo e morreu em Joanesburgo em 29 de Janeiro de 1997. Em vida, publicou um livrinho de poemas.

Rui Nogar

Nom de Guerre de Francisco Rui Moniz Barreto, o Rui era Coca-Cola vintage, nascido em LM em 2 de Fevereiro de 1932 (metade dos textos na internet, que emprenham pelos ouvidos, asseguram que foi em 1935) de pais imigrados de Goa, e onde cresceu, tendo trabalhado em firmas de contabilidade e de publicidade locais. Era um intelectual e membro encartado da brigada da resistência que conspirava no Scala. Tornou-se militante da Frelimo em 1964 e consequentemente foi logo preso pela PIDE e arreliado, que era mais ou menos o que a SNASP portuguesa fazia naquela altura aos simpatizantes dos Libertadores e que aliás lhe deu credenciais impecáveis para mais tarde. Tanto assim que após 1975 foi deputado da Assembleia Popular, Diretor do Museu da Revolução (no antigo 1º de Maio, que agora é propriedade privada da Frelimo), Diretor Nacional da Cultura e Secretário-Geral da Associação dos Escritores Moçambicanos. Publicou obra variada. e sobre isso ver nas fontes o elogio rasgado que o Nelson Saúte lhe fez. Morreu em Lisboa em 11 de Março de 1993 (metade da internet diz que foi em 1994).

Fontes

https://www.whoispopulartoday.com/Teodomiro-Leite-de-Vasconcelos/tt

https://pt.wikipedia.org/wiki/Teodomiro_Leite_de_Vasconcelos

https://pt.wikipedia.org/wiki/Malangatana

https://www.infopedia.pt/apoio/artigos/$rui-nogar

https://opais.co.mz/viva-rui-nogar/

https://pt.wikipedia.org/wiki/Ricardo_Rangel

10/06/2013

OS POETAS DE MOÇAMBIQUE EM DISCO, AGOSTO DE 1960

Muito grato ao João José Osório Reis. O seu pai, que era dono da Poliarte, foi quem editou o disco, que contém uma nota do Rui Knopfli no verso (ver em baixo) e no qual são lidos pela grande Manuela Arraiano poemas de Reinaldo Ferreira, Rui Nogar, José Craveirinha e do Rui Knopfli. Já meti uma cunha para se fazer uma gravação para meter aqui, vamos lá a ver.

Capa do disco "Poetas de Moçambique", da Poliarte em Lourenço Marques.

Capa do disco “Poetas de Moçambique”, da Poliarte em Lourenço Marques.

Verso da capa.

Verso da capa.

Imagem do disco.

Imagem do disco.

04/02/2012

O DR. EDUARDO CHIVAMBO MONDLANE, EM FOTOGRAFIAS

Há um certo hábito, que pessoalmente considero algo mórbido, de celebrar a vida das pessoas, assinalando não o dia em que nasceram, mas o dia em que morreram.

Em Portugal, já no século XX, em plena ditadura salazarista, e a partir dum mais ou menos obscuro feriado republicano celebrado em Lisboa após o derrube da monarquia, inventou-se um feriado nacional digamos que “isento de pecado” para o qual, provavelmente por uma questão de economia, se arrolaram mais temas, se achou dever passar a ser o “Dia de Portugal”.

Temática que, consoante de onde os ventos sopravam, e sendo sempre o Dia de Camões, era, por acrescento, o Dia da Raça, o Dia das Forças Armadas (durante a Guerra Colonial), e, mais recentemente, o Dia das Comunidades Portuguesas (aka os emigrantes).

Para que conste, o dia 10 de Junho do Ano de Deus de 1580, foi, segundo os registos, o dia, numa terça-feira, em que o poeta português do séc. XVI, Luis de Camões, que compôs, entre outros, a épica Os Lusíadas, em que hiperventila majestosamente em poema, os portugueses daquela altura, morreu na cidade de Lisboa. Tinha 56 anos de idade. Na realidade, não se sabe em que data ele nasceu.

Mas no caso de Moçambique, e do Dr. Eduardo Mondlane, sabe-se perfeitamente que ele nasceu na localidade de Manjacaze (Gaza) num domingo, dia 20 de Junho de 1920. Seria simpático, a meu ver, celebrar essa data, se se quiser celebrar a sua vida, e não o dia em que uma carta-bomba entregue não se sabe bem como e não se sabe bem por quem, em casa de Betty King na capital da Tanzania, Dar-es-Salaam, ceifou a vida do então Presidente da Frente de Libertação de Moçambique.

Como exemplo do que falo, temos o caso do Dr. Martin Luther King, Jr., americano, que faleceu (também assassinado) no dia 4 de Abril de 1968, mas cujo feriado nacional, improvavelmente instituído pela administração de Ronald Reagan nos anos 80 do Século XX, foi fixado para o dia em que ele nasceu – 15 de Janeiro (ele nasceu em 1929).

Mas quem sou eu para discutir feriados, aliás um tema muito na moda em Portugal estes dias, em que os hiperdinâmicos rapazes de Pedro Passos Coelho estão num verdadeiro frenesim para arranjar formas de extrair mais trabalho e impostos da populaça, incluindo -claro- a eliminação de nada menos que quatro feriados nacionais, pontes, férias e coisas afim.

Em Moçambique, o dia 3 de Fevereiro, que este ano decorreu ontem, é o Dia dos Heróis de Moçambique. O critério de base para se ser herói em Moçambique até esta data (e que ser feito por decreto governamental) tem necessariamente que incluir ter-se andado aos tiros na guerra pela Independência – excepto o caso do Sr. José Craveirinha, que usava a caneta.

Efeméride que, afinal, se calhar era mais adequadamente celebrada no dia 25 de Junho, a data em 1975 acordada (ver item 2 do Acordo) entre a Frelimo e os representantes do então governo provisório de Portugal em Lusaka (por proposta da Frente, claro) para a formalização da independência do então território português.

Ainda que, na realidade, e nos termos dos pontos 3 e 7 do mesmo Acordo, que foi anunciado na noite do dia 7 de Setembro de 1974, a Frelimo efectivamente passou a governar Moçambique no dia 21 de Setembro – apenas 14 dias após a assinatura do Acordo em Lusaka – com uma equipa cujo elenco incluia individualidades conhecidas como Armando Emílio Guebuza, o Dr. Mário Fernandes da Graça Machungo e Joaquim Chissano – o primeiro e o terceiro por inerência futuros “heróis”.

3 de Fevereiro é o dia em que o Dr. Eduardo Mondlane foi assassinado.

Mas aqui em baixo, assinalando a data, e questões “feriadais” aparte, venho recordar a vida de Eduardo Mondlane, com umas fotos que algo laboriosamente restaurei.

 

O Dr. Mondlane nos tempos de estudante no Oberlin College, nos Estados Unidos da América.

Foto tirada em Dar es Salaam, 1965. Da esquerda, o Dr. Pascoal Mocumbi, Dr. Mondlane, a Sra. Cora Wiess, uma legendária activista de esquerda norte-americana, e o não menos carismático Amílcar Cabral. Não sei quem é o senhor à frente. (Foto da colecção particular da Sra. Weiss)

A 14 de Fevereiro de 1965, o Dr. Mondlane recebe, na sede fa Frelimo em Dar, o conhecido líder cubano (bem, argentino) Ernesto Che Guevara. A coisa correu mal, eles não se deram bem e a visita de Guevara a África não deu em nada. Mondlane não era comunista nem anti-americano, nem era a Frelimo naquela altura. Mas ficou esta fotografia.

O Rev. Uria Simango, então creio que nº2 da Frelimo (e pai de David Simango, actual líder municipal da Beira) com o Dr. Mondlane.

Eduardo Mondlane.

O funeral do Dr. Mondlane em Dar, após o assassinato, Fevereiro de 1969. Na imagem podem-se ver Julius Nyerere, então líder da Tanzânia, creio que quem está a falar é o Rev. Uria Simango, ao fundo em primeiro plano a família Mondlane, as duas filhas, Janet e Eduardo Jr.

Já depois da reviravolta em que Uria Simango foi excluído e Samora Machel assumiu a liderança da Frente, uma visita à campa do Dr. Mondlane. Aqui, Rui Nogar coloca umas flores na campa, enquanto (da esquerda) Matias Mboa, Josefarte Machel, Jorge Rebelo e Samora observam. Após a Independência, os restos mortais do Dr. Mondlane foram trasladados para Maputo.

Janet Mondlane, numa fotografia recente. Janet é oriunda dos Estados Unidos, onde conheceu e se casou com Eduardo Mondlane.

Eduardo Mondlane, Jr., o único filho do Dr. Mondlane, numa fotografia recente. Empresário, nunca se envolveu na política em Moçambique.

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