THE DELAGOA BAY WORLD

07/05/2023

LOIÇA DA MAN KAY & CO. EM LOURENÇO MARQUES, ANOS 70 E UMA HISTÓRIA FAMILIAR

Imagens retocadas.

A Man Kay & Co. já existia há alguns anos no Nº45 da Av. Paiva Manso em Lourenço Marques quando se tornou mais conhecida em Moçambique no início da década de 1970 por o seu dono e filhos (que adivinho serem de Macau originalmente) ter investido no primeiro centro comercial moderno na Cidade, que até então só tinha lojas e mercearias (excepção feita ao Montegiro, que abriu o primeiro supermercado moderno da Cidade na Avenida António Ennes, perto do Piri-Piri, onde hoje está….um balcão dos Bancos Amalgamados da África do Sul). Não só o Centro tinha uma loja MK que servia de âncora, como tinha outras lojas, bem como um parque de estacionamento por cima do edifício.

Após a independência, em que se viram rapidamente expropriados pela Frelimo, os membros da Família foram viver para Portugal. A sua interessante história, infelizmente escrita num estilo académico digamos que hiper-chato, pode ser lida em baixo.

Se o Exmo. Leitor conhecer alguém da família de Man Kay, por favor envie a informação, adorava ter umas fotos deles aqui.

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O2 de 2.

O documento chamado “As Comunidades Empresariais Chinesas em Portugal”, publicado em 2005, continha o seguinte nas páginas 119 e 120:

(início)

Estabelecida inicialmente como loja de acessórios de moda em Lourenço Marques (Moçambique) na década
de cinquenta, a Man Kay (nome do fundador) viria a conhecer um processo rápido de crescimento na
década subsequente, marcada pela progressiva diversificação das suas áreas de negócio, tendo atingido o
seu apogeu no início dos anos setenta, já com os filhos do fundador no comando dos destinos da empresa.

Apostando fortemente no desenvolvimento das relações comerciais com a China, numa altura em que este
país se encontrava praticamente fechado ao mundo ocidental, a empresa foi‐se impondo rapidamente como
um dos principais importadores de artigos de arte e decoração chinesas (principalmente porcelana e móveis)
desta antiga colónia portuguesa.


O sucesso nesta área de negócio criou bases suficientes para que o grupo começasse a diversificar os seus
interesses para outras áreas, quer no sector do comércio, quer no sector da indústria.


O grupo viria no entanto a atingir a proeminência no meio empresarial moçambicano no negócio retalhista,
com a criação do maior centro comercial (department store) da então província ultramarina portuguesa em
1971, destacando‐se como o maior e o mais próspero grupo empresarial da comunidade chinesa da altura.

Porém, em 1975, na sequência do processo de nacionalização iniciado logo após a independência de
Moçambique, em que o grupo se viu expropriado da totalidade dos seus bens e activos, os sócios tomaram a
decisão de abandonar o país juntamente com as sua famílias, rumando em direcção a Portugal. Uma opção
que se afigurava natural dada a identificação plena desta segunda geração de emigrantes chineses com a
língua portuguesa.


Tratava‐se de um recomeço a partir do zero, num ambiente completamente desconhecido.
Apesar das adversidades, a prioridade nunca foi posta em causa: Havia que reconstruir uma estrutura
empresarial que garantisse o emprego a todos os membros da família no mais curto espaço de tempo
possível.


Porém, a limitação ao nível dos recursos financeiros e o desconhecimento do mercado ditaram a necessidade
de procurarem parcerias junto de outros membros da comunidade de chineses recém emigrados de
Moçambique para Portugal.


O recurso à sua rede de guanxi surgiu então como a opção mais natural, tendo‐se conseguido juntar para o
efeito um grupo de dez famílias, entre familiares (no sentido alargado) e amigos próximos.
Escolhida a área de negócio – a dos supermercados, a estratégia deste grupo privilegiou desde o primeiro
dia o estabelecimento de uma rede de lojas com dimensão suficiente para garantir o sustento a todos
quantos lhe estavam ligados.


Com efeito, num espaço de poucos anos, já o grupo tinha conseguido criar uma rede de supermercados
composta por cinco unidades espalhadas pela cidade de Lisboa, cumprindo com relativo sucesso, por assim
dizer, a sua função social, independentemente dos resultados do próprio negócio.


Alcançada a estabilidade mínima nas condições de vida dos membros desta pequena comunidade e numa
altura em que as preocupações se começaram a virar para a rentabilidade deste projecto empresarial,
surgiram as primeiras divergências relativamente à forma de conduzir os negócios.

Divergências essas que se foram acentuando com o tempo, agravadas pelo grande número de sócios
directamente envolvidos no negócio e pelas diferenças significativas ao nível da experiência e do background
empresarial de cada um.


Perante a impossibilidade de conciliar as posições de todas as partes, foi negociada uma solução amigável
no sentido da divisão o activo acumulado de uma forma tanto quanto possível equitativa e justa entre as
várias famílias.


Feita a divisão, na qual lhe coube dois supermercados, a Man Kay procurou a partir de meados da década
de oitenta enveredar pelo mesmo caminho que outrora tinha trilhado – o da diversificação, tendo
inclusivamente reatado as suas relações comerciais com a China, com o intuito de tirar partido das
vantagens competitivas que retirava dessas ligações, numa época em que eram poucos os empresários
portugueses que se aventuravam em fazer negócios com este país.


Neste sentido, o grupo voltou a apostar no que sempre soube fazer melhor: Importar produtos da China
para colocar no mercado local através da revenda e da venda a retalho, ramo de negócio onde possui
actualmente uma rede de seis lojas repartidas entre as cidades de Lisboa e do Porto.


Com um leque já relativamente diversificado de negócios e empregando mais de trinta trabalhadores no seu
conjunto, a Man Kay preserva ainda hoje uma estrutura de sócios predominantemente familiar e mantém
um modelo de gestão claramente inspirado nos valores tradicionais chineses e no pragmatismo consolidado
através da experiência adquirida ao longo dos anos.


O advento da globalização e a abertura do mercado chinês ao mundo fez com que o grupo perdesse nos
últimos anos grande parte das suas vantagens face à sua concorrência mais directa, nomeadamente as suas
relações até então privilegiadas com a China. De facto, o acesso ao mercado chinês tornou‐se cada vez mais
facilitado para qualquer importador nacional.


Paralelamente, à rápida afirmação da China como potência industrial à escala mundial, respondeu as
comunidades de overseas Chinese espalhadas pelo globo com a massificação de todo o tipo de produtos de
consumo «made in China», à qual Portugal não escapou, sendo a face mais visível o recente fenómeno da
proliferação das lojas de retalho em praticamente todas as cidades do país, em alternativa ao negócio de
restaurantes, até há bem pouco tempo a actividade por excelência dos imigrantes chineses.


Em resultado destas alterações, a Man Kay passou a sofrer um súbito aumento da sua concorrência directa
nas duas frentes mais importantes do seu negócio – a importação e revenda e a venda a retalho ‐ o que
obrigou a uma redefinição da sua estratégia comercial, no sentido da procura de novas vantagens
competitivas e de um novo posicionamento no mercado, apostando não tanto na especialização da
mercadoria comercializada, onde a margem de manobra é cada vez mais pequena, mas no design, na
imagem e nas técnicas modernas de comercialização.


Internamente, o grupo passa também por uma fase de grandes transformações ao nível dos seus quadros,
numa altura em que a geração dos filhos dos sócios se prepara para assumir o controle dos seus negócios,
com uma visão necessariamente distinta da dos seus pais e por vezes difíceis de compatibilizar.


Da capacidade de adaptação a todas essas mudanças dependerá a própria sobrevivência futura deste grupo
empresarial. Sendo contudo quase certo que a procura de soluções para vencer estes novos desafios o levará
a um afastamento progressivo e irreversível dos padrões que o caracterizam ainda como uma empresa
familiar chinesa.

(fim)

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