THE DELAGOA BAY WORLD

12/05/2021

EUGÉNIO LISBOA EM CASA, 2021

Filed under: Eugénio Lisboa — ABM @ 22:48

Imagem reproduzida do Expresso, semanário Lisboeta, que publicou uma inesquecível entrevista dada pelo Eugénio, que provou ser um Coca-Cola encartado. Isto e aquele livro sobre a sua juventude em Lourenço Marques. E que por isso, e por outras razões, merece ser mencionado aqui, no ano do seu 91º aniversário, a assinalar no dia 25 de Maio.

Eugénio na casa de São João do Estoril, atulhada de livros e papéis.

01/03/2021

LOURENÇO MARQUES E UMA MEMÓRIA AFRICANA, POR MARCELO CORREIA RIBEIRO

Imagens retocadas, da minha responsabilidade.

Cruzei-me com o notável texto que se segue, da autoria de Marcelo Correia Ribeiro, que assina como d’Oliveira, que o escreveu ontem, domingo, 28 de Fevereiro de 2021 e o publicou aqui, num blogue chamado Incursões.  É uma memória curiosa, de um miúdo que esteve em Lourenço Marques entre 1954 e 1957, com entre 13 e 15 anos de idade – e se cruzou com o Eugénio Lisboa e o Joaquim Chissano. Voltaria a Moçambique em férias da universidade em 1962, 1964 e 1965.

Corrigi algumas gralhas menores.

Alunos no Liceu Salazar em Lourenço Marques, 1961.

(início)

Os dias da peste 189

Uma Outra Memória Africana

MCR, 28 de Fevereiro de 2021

Ai meus amigos e meus sofridos leitores! Ele há dias em que a memória vem a galope dos confins do tempo e, no caso em apreço, dos confins do mundo.

O Expresso desta semana finda traz uma série de artigos de interesse de que apenas vou destacar os da “revista”. E desses começarei por uma longa entrevista de Eugénio Lisboa, um escritor e ensaísta que conheço sei lá desde quando. Quase certamente da minha juventude em Moçambique.

Eu explico: aos treze anos, andava eu no liceu de Coimbra no terceiro ano (o da Figueira só tinha o primeiro ciclo) quando os meus pais decidiram ir para Moçambique. Ser médico entre Buarcos e a Figueira era muito pouco rentável para quem tinha dois filhos quem no ano seguinte estariam ambos fora de casa.

Por essa altura surgiu uma oportunidade de ouro ou quase. O meu pai foi convidado a ir reorganizar os serviços de saúde militares em Lourenço Marques. De facto, desde a sua incorporação como médico miliciano no Batalhão de Metralhadoras 2, estacionado na Figueira, o pater famílias sempre esteve ligado à tropa. Foi mobilizado para os Açores e à volta continuou a prestar serviço na mesma unidade. Por isso, entendeu fazer o curso de capitão miliciano o que, algum tempo depois, lhe permitiu satisfazer as exigências do lugar que iria ocupar em Moçambique.

Devo confessar que a súbita ideia de partida para tão longe não me agradou em absoluto. Iria deixar todos os amigos da terra e do Verão que naquele tempo era longo, deliciosamente longo.

Mas obviamente fomos que as lágrimas de um adolescente não comovem ninguém e necessidade de melhorar de vida era absoluta.

Em abono da verdade, devo dizer que Lourenço Marques me agradou, me enfeitiçou desde o primeiro dia. Por tudo, desde a praia até à cidade moderníssima e cheia de coisas de influência inglesa. E a Coca-Cola, proibidíssima em Portugal (vá lá saber-se porquê) não era a menor das descobertas. O liceu era outra coisa que logo me impressionou pois era misto. De facto aulas mistas eram só nos 6º e 7º anos mas a zona das raparigas era mesmo à nossa frente, separada da dos rapazes pela álea central ajardinada e pelas instalações da Secretaria, da Reitoria e do ginásio. E, à saída, claro que nos juntávamos imediatamente que isto de ser adolescente mexe, e de que maneira, no sangue de qualquer criatura, macho ou fêmea.

Depois, havia todo um outro modo de nos tratarmos uns aos outros. Na “metrópole” (uma palavra nova!) era tudo você para cá, você para lá. Ali o tu imperava e com essa subtil diferença tudo o resto começava a ser sedutoramente diverso e mais, muito mais, agradável.

A vida no Bairro Militar onde ficavam os quartéis e as casas dos oficiais e sargentos tinha como ponto central (no caso da oficialidade) o Clube Militar, onde, aliás comíamos e onde os meus pais “batiam a cartolina”. A minha mãe era uma emérita jogadora de canasta, coisa que já vinha de antes e que durou até há cerca de dez/quinze anos. A velhice e os olhos, sobretudo os olhos, arredaram-na do pano verde, muito a contragosto. O meu pai era um jogador de bridge desde o dia em que se apresentara no quartel como jovem aspirante ou alferes médico. Na altura, o comandante entregara-lhe o “Bridge Contrato” de Ely Culbertson afirmando que aquele era o “regulamento” do BM2 e intimando o jovem oficial a aprendê-lo de cor e salteado que faltavam parceiros.

A miudagem andava por ali, nos pátios e nos terrenos do clube, entretida em variadas coisas e aprendendo a andar de bicicleta e a namorar. No Verão, uma camioneta militar levava toda aquela rapaziada para a praia sob a vigilância bem humorada de um cabo branco que, ao fim e ao cabo, fechava os olhos aos “jogos de mão jogos de vilão” que os mais velhos começavam a ensaiar . ah, os primeiros beijos! E na boca, santo Deus! E aprender a abri-la…

Alunos no Liceu Salazar, 1961.

Tudo isto me foi subitamente recordado pela longa entrevista de Eugénio Lisboa que explica como o facto de Moçambique estar bem mais longe, permitiu de certo modo, uma vida cultural mais intensa, mais distante e mais livre do que em Angola.

EL lembra como o facto de haver em Moçambique muitos deportados pelo salazarismo que por lá davam aulas no liceu e faziam uma vida bastante livre, longe da censura e do olhar atento da polícia, propiciou um outro olhar sobre o mundo. Até a imprensa ajudava. Eu lembro-me perfeitamente de ler poemas do Craveirinha, do Rui Knopfli ou da Noémia de Sousa (para não citar muitos outros, Reinaldo Ferreira por exemplo) nos jornais. O Cine-clube projectava filmes russos e havia um par de instituições culturais que produziam obra de vulto. Destaco apenas, mas isso foi uma descoberta recente (anos 90), a Sociedade de Estudos de Moçambique cuja revista alcançou uma significativa longevidade e os diferentes “círculos culturais” que, desde o teatro à música erudita, conseguiam existir, sobreviver e até trazer muitos artistas que passavam pelas colónias inglesas fronteiriças. Também, é outra descoberta recente, publicavam-se revistas de carácter etnográfico, antropológico e científico dignas de menção. Por todas, refiro o “Documentário Trimestral” uma quase luxuosa publicação patrocinada pelo “Governo Geral”.

Liceu Salazar, 1961.

Quer o Documentário Trimestral, quer o boletim da Sociedade de Estudos de Moçambique, tiveram uma longa vida, cerca de cem volumes o primeiro e quase o dobro o segundo.

Resta dizer que, esta descrição é a descrição de um rapazinho branco numa cidade e numa sociedade feitas para brancos.

Por junto, tive um colega negro, o Joaquim Chissano que viria, como se sabe, a ser Presidente da República de Moçambique (acrescento, mesmo tendo sido amigo dele, que foi o melhor presidente que Moçambique teve até à data, o mais lúcido, o mais culto e o mais democrata. Tivesse sido presidente, desde o início e outro galo cantaria na baía dita “Delagoa Bay”). Ouso mesmo pensar que Lourenço Marques não seria agora Maputo (nome de um dos rios que desaguam na baía, sem qualquer significado, sequer simbólico para este recente e compósito país). Não sei se continuaria com o mesmo nome, se seria Xilunguine ou Ka Mfumo, nome de um regulado que se situava precisamente no local onde se ergueu o primitivo presídio. Contra Xilunguine militaria o facto de poder significar “cidade branca” ou “cidade do branco”- Maputo, porém, não tem sentido nem coerência histórica mesmo que tal remetesse para a soberana da “Maputoland” muito a sul, na fronteira que, todavia, preferiu a suserania portuguesa à dos ingleses.

Quanto a Lourenço Marques, seria um comerciante que todos os anos navegava de Sofala para o sul para fazer a troca de barras de cobre por dentes de elefante e outros artigos que pudessem ser encontrados na região. Não era um descobridor, sequer um militar mas um simples comerciante português ou descendente de portugueses e de africanos.

Tudo isto, esta excursão por dispersas memórias de uma cidade de onde saí para não mais voltar, aos quinze anos, só se justifica pela leitura da longa entrevista a Eugénio Lisboa que, como tantos outros democratas portugueses que ousaram sê-lo na colónia e que combateram o poder colonial, teve de se exilar e separar da terra onde crescera e sempre trabalhara. Não foi o único, obviamente. Contam-se pelos dedos os que continuaram teimosamente a viver em Moçambique, afastados, como antes!, do governo da cidade e sempre olhados com suspeição.

Claro que o êxodo dos colonos foi geral e repentino. Bastou uma dúzia, nem tanto, de discursos inflamados de Machel (há um atribuindo a culpa da falta de papel higiénico aos portugueses em fuga que é uma peça de antologia) para tudo o que era técnico, profissional liberal, comerciante ou pequeno industrial para os aviões e barcos se encherem. Para a África do Sul e para a Rodésia partiram outros tantos milhares. De um momento para o outro Moçambique viu-se numa situação desesperada que a guerra agudizou e a “solidariedade” do bloco de Leste nunca conseguiu sequer minorar. Não irei ao ponto de afirmar que é um Estado falhado mas convenhamos que, por enquanto, pouco mais é do que isso. A longa guerra civil, as guerras larvares no centro e no norte mostram à sociedade que a receita do partido único não produz qualquer efeito nem melhora a vida das populações.

Eugénio Lisboa, 90 anos lúcidos e atentos, é uma das últimas testemunhas de uma geração que se pensava portuguesa e africana e que acreditava na independência de Moçambique. Deixa uma obra notável, na qual sobressai um conjunto de seis livros de memórias (“Acta est fabula” 5 volumes e “Epílogo”) que muito boa (ou má…) gente deveria ler antes de dizer fosse o que fosse sobre África.

E hoje, domingo triste e solarengo, com as pessoas encafuadas em casa, o rapaz que fui nas terras banhadas pelo Índico, viu-se subitamente a sair à socapa do liceu com mais outros do mesmo jaez e descer as “barreiras” até à praia da Polana e entrar mar adentro fugido às aulas e rumo à aventura.

Isto dava um “msaho” lá isso dava. Falta-me é talento e marimbas das de Zavala, terra musical entre todas.

Vai esta para muitos que não sei se vivos ou mortos e que as voltas da vida me fez perdê-los de vista. E um abraço ao Joaquim Chissano. Olha pá, eu era o gajo que veio da metrópole para o 3º C e ficava logo depois de ti. Um kokuana, portanto…

Para ler: além do Lisboa, evidentemente, um livro de Alexandre Lobato, um excelente historiador de Moçambique, citado por E L : “Lourenço Marques, Xilunguine (biografia da cidade) ” um belíssimo livro editado pela Agência Geral do Ultramar em 1970. De Lobato, recomenda-se tudo que é bastante e sempre exemplar.

a vinheta : Lourenço Marques anos sessenta

PS: Da “revista” destaque ainda para dois artigos. A crítica ao 2º volume da Obra Poética de António Ramos Rosa e um texto de Guta Moura Guedes “ir ao encontro” sobre o Padrão dos Descobrimentos. Dois textos contra a desmemória e a burrice.

(fim)

06/11/2019

MARCELO CONDECORA EUGÉNIO LISBOA, SETEMBRO DE 2019

Filed under: Eugénio Lisboa, Marcelo Rebelo de Sousa — ABM @ 21:06

 

Noticiou a Universidade de Aveiro no seu portal em 5 de Setembro de 2019 (com uns acrescentos meus):

O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, distinguiu o ensaísta e crítico literário Eugénio Lisboa, antigo professor e membro do Centro de Línguas, Literaturas e Culturas da Universidade de Aveiro (UA). A 30 de agosto, Eugénio Lisboa, Doutor Honoris Causa pela Universidade de Aveiro que já tinha sido agraciado com o grau Oficial da Ordem do Infante D. Henrique, recebeu as insígnias de Comendador da Ordem Militar de Sant’lago de Espada.

Eugénio Lisboa [que nasceu em Lourenço Marques em 25 de Maio de 1930  e ali cresceu] desenvolveu actividade profissional inicial e no sector petrolífero, durante vinte anos (1958-78), acumulando depois com a docência universitária de Literatura Portuguesa nas universidades de Lourenço Marques, Pretória e Estocolmo. A partir de 1978, [quando se pirou de Moçambique de vez] exerceu funções diplomáticas, como conselheiro cultural da Embaixada de Portugal em Londres, durante dezassete anos consecutivos. Mais tarde, presidiu à Comissão Nacional da UNESCO e foi professor catedrático convidado da Universidade de Aveiro (1995-2000). Na sua actividade como ensaísta e crítico literário, destaca-se o trabalho sobre José Régio. É membro da Academia das Ciências de Lisboa, na Classe de Letras, e Doutor Honoris Causa pela Universidade de Nottingham, do Reino Unido (1988) e pela Universidade de Aveiro (2002). O primeiro de seis volumes das suas memórias, “Acta Est Fabula”, de 2012, foi distinguido com o Grande Prémio de Literatura Biográfica da Associação Portuguesa de Escritores. [Vive em São João do Estoril].

Eugénio Lisboa foi novamente agraciado pelo Chefe de Estado (foto: portal da Presidência da República)

MRS com o agora Comendador EL, no dia em que recebeu a condecoração, 5 de Setembro de 2019, em Belém. Imagem do portal da presidênncia da república portuguesa.

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