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19/01/2018

DEPORTADOS POLÍTICOS PORTUGUESES EM LOURENÇO MARQUES, MARÇO DE 1930

Filed under: Deportados Portugueses em Moçambique 1930 — ABM @ 18:30

Deportados e forças policiais posam para uma fotografia em Lourenço Marques, Março de 1930. Obviamente, estes eram os Indesejáveis de Salazar e dos seus apoiantes, que na altura estavam a impor uma ditadura de partido único que duraria relativamente intacta até finais de Abril de 1974. A foto original está guardada nos arquivos da Universidade de Évora e foi retocada por mim.

 

Um dos segredos mais mal guardados da migração de portugueses para Moçambique é que, de forma significativa, não houve realmente uma migração, no sentido em que houve pessoas e famílias que foram voluntariamente tentar a sua sorte para aquela que era uma das menos desenvolvidas das colónias que os portugueses detinham em África. Sim, foram alguns e até algumas famílias. Mas o grosso da ainda assim pindérica migração (um total que estimo ter sido menos que 50 mil pessoas até meados da década de 1950) era composta por militares em missão de serviço, por funcionários públicos administrativos em missão de serviço, e suas famílias, a maioria dos quais com bilhete de ida e vinda de Portugal – e de uma panóplia a que se pode chamar de “indesejáveis do regime”, que para ali eram enviados, mais ou menos forçosamente, neutralizando, dessa forma, a sua participação na sociedade portuguesa metropolitana. Aconteceu durante a Monarquia, aconteceu durante a I República e, claro, durante a II República (ou Estado Novo). Muitas famílias de brancos de Moçambique descendem destes (maioritariamente) homens. Moçambique tinha a vantagem tripla de oferecer, na meia dúzia de cidadezinhas ali existentes a partir do Século XX, um mínimo dos confortos modernos, de alguma forma de ocupação útil para estas pessoas, mas principalmente a de se situar bem distante da Metrópole, rodeado por colónias britânicas e o mar, um local remoto onde eles não causariam perturbações.

Assim, até ao final da Monarquia deportaram-se republicanos, anarquistas, comunistas, socialistas, membros da maçonaria, etc. Durante a I República deportaram-se monárquicos e opositores das sucessivas facções republicanas que se iam degladiando pelo poder. E, já sob a tutela de Salazar, foi a vez de todos os que se opunham à ditadura ou que, de alguma forma, Salazar considerava oportuno afastar de Lisboa.

Curiosamente, num ambiente quase idílico de clima ameno e cidadezinhas pacatas que mais transpareciam ser (citando um hilariante comentário que um dia li, feito por um americano que folheava os álbuns fotográficos de Santos Rufino, de 1928) “campos de lazer para brancos”, tendo como pano de fundo a imensa e deslumbrante ruralidade africana, gerou-se, entre a comunidade citadina, uma cultura que, tendo simultaneamente um sabor ao mesmo tempo português e anglo-saxónico, politicamente e até culturalmente era marcadamente tolerante, culto, moderno, ciente e rebelde.

Em parte devido à distância e às circunstâncias, ao contrário do que sucedia na Metrópole, ali a repressão sobre estas pessoas era mínima, havendo uma espécie de coexistência pré-estabelecida entre as partes. Repare-se na foto em cima que supostamente, deportados e polícias posam pacificamente juntos.

A maioria destas pessoas, assim, não foram para lá. Muitos apenas estavam lá. África e os africanos locais eram para eles mero pano de fundo. Alguns eventualmente enraizaram.

A fotografia aqui reproduzida faz parte de um espólio que é referido aqui.

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