THE DELAGOA BAY WORLD

25/10/2023

ANTÓNIO CALVÁRIO CELEBRA 85º ANIVERSÁRIO

Filed under: António Calvário cantor — ABM @ 16:38

Imagem retocada e colorida.

Apesar de arredado das lides, António Calvário da Paz é uma das lendas da música popular portuguesa nas décadas de 50 e 60. Nasceu em Lourenço Marques, a 17 de Outubro de 1938.

António Calvário

ANÚNCIO DO RESTAURANTE DA COSTA DO SOL EM LOURENÇO MARQUES, ANOS 60

Imagem retocada e colorida. Em homenagem à Família Petrakakis.

Anúncio do Restaurante da Costa do Sol

14/10/2023

STANLEY RYGOR, UM JUDEU EM LOURENÇO MARQUES

Até eu ter ido viver para os Estados Unidos após sair de Moçambique em 1975 (e não poder voltar) e rapidamente me ter convencido que Portugal, para onde tinha ido estudar, com a sua miséria perene e agora as fantasias do socialismo, nunca ofereceria as condições para reunir a família (tinha razão. 50 anos depois do 1974, Portugal permanece na cauda da Europa em termos de nível de vida), o único judeu que conheci era o Senhor Stanley Rygor, sobre quem só sabia que tinha uma lojinha na velha Baixa de Lourenço Marques.

Ele ia às piscinas ver as provas de natação e quem o conhecia era a minha irmã Cló, na altura reconhecida como campeã nacional de natação (era comum, quando me apresentava a alguém, dizer que ou era irmão da Cló ou filho do Sr. Comandante Botelho de Melo).

Foi a Cló que o conheceu primeiro, quando um dia foi à loja do Sr. Rygor na Rua Consiglieri Pedroso para emoldurar um poster do lendário nadador norte-americano (e judeu) Mark Spitz, que faria história nos jogos olímpicos de Munique no verão 1972 – interrompidos por (mais) um inenarrável ataque terrorista de palestinianos na vila olímpica e o subsequente massacre de vários atletas e dirigentes da delegação israelita.

Cló no seu quarto, 1973. Aquilo atrás é uma bandeira de Israel (?)

Algum tempo mais tarde ela apresentou-me o Sr. Rygor, sem eu saber nada sobre a sua religião. Só muito mais tarde é que soube, mais como curiosidade. Eu na altura nada sabia sobre o judaísmo, o Holocausto perpetrado pelos Nazis durante a II Guerra Mundial, os séculos e séculos de perseguição, principalmente na Europa. Apenas tinha a noção, transmitida muito en passant nas aulas de catequese na Rebelo da Silva e na Igreja de Santo António da Polana (pois….) que Jesus Cristo fora judeu e depois aquela confusão toda com os romanos há dois mil anos. Os padres vagamente rosnavam que não eram de confiança e as mensagens subliminares dos filmes de Hollywood (como o Barrabás, que vi no Varietá) escapavam-me.

Ele, era simpático, alto, culto, com um bigodinho fino e tinha um sotaque esquisito, dando um ar de estrangeiro.

Stanley Rygor.

Lourenço Marques, e penso que uma boa parte de Moçambique, era – parecia então -um rico mosaico de diversidade cultural, étnica e religiosa e, apesar de eu não ser religioso, eu tinha noção de ali conviverem pessoas das mais diversas origens e persuasões. De cabeça, lembro-me de, para além dos católicos, de existirem várias denominações cristãs protestantes, muçulmanos (agora sei que sunnis), os ismaelitas, os hindús, ortodoxos gregos e as Testemunhas de Jeová.

E depois havia o Stanley Rygor.

Por um dos álbuns do Santos Rufino, que tinha comprado em 1972 por 10 escudos na loja do Monhé Branco junto à Praça Mac-Mahon, descobri por uma fotografia que em 1927 havia uma pequena sinagoga em Lourenço Marques mas só em 1998, quando, circunstancialente “regressei a casa” e fui trabalhar por uns anos em Maputo, é que descobri que o edifício ainda existia (mais ou menos abandonado então) que ficava recatado num terreno entre a Pastelaria Cristal e o antigo Liceu Salazar, na antiga Rua General Botha.

Entretanto em Setembro de 1974 veio a Frelimo com a sua limpeza étnica encapotada e credo revolucionário comunista, ainda por cima raivosa por aquilo do 7 de Setembro e quase todos os habitantes de Lourenço Marques simplesmente fizeram as malas e saíram de Moçambique, prenunciando os 50 anos que entretanto passaram e que basicamente têm sido uma longa, infindável, e quase impenitente desgraça. Anos mais tarde, alguém disse a alguém que disse a alguém (na altura não havia internet nem redes sociais, as pessoas simplesmente desapareciam da Cidade e levava anos a perceber o que lhes tinha acontecido) que me disse que o Stanley Rygor fechara a loja e tinha ido com uma irmã para a antiga Rodésia. Imagino que já tenha falecido mas não sei nada sobre o que lhe aconteceu.

Mas hoje temos a internet, com todos os seus defeitos e oportunidades.

E o que fui descobrindo é interessante.

Stanley era filho de Louis e Marie Rygor e tinha um irmão – Harry – e duas irmãs – Esther (ou Gertie) e Rosie. Todos os irmãos nasceram em Lourenço Marques.

Os pais, Louis e Marie Rygor, vieram da cidade de Odessa, ao Sul do que hoje é a Ucrânia, que conheço melhor desde que Putin anda entretido a desmantelar e a matar gente ali, mas que no tempo em que lá viveram ainda fazia parte do império russo, e onde havia uma expressiva comunidade judaica. Um texto refere que eles haviam “fugido” de Odessa no ano de 1905.

Curiosamente, na altura o cônsul do Império da Rússia em Lourenço Marques (e da Áustria-Hungria, e da China imperial) era um alemão genial, Fritz Wirth – o Wirth da Breyner & Wirth, que tinha vários negócios, alguns com Francisco de Mello Breyner.

Por alguma razão, em 1913, um ano antes do início da I Guerra Mundial, o casal Rygor, que entretanto passara alguns anos no Reino Unido, acabou por se radicar na pindérica Lourenço Marques, onde havia de facto uma pequena mas muito influente comunidade empresarial judaica. E abriram na Rua Consiglieri Pedroso uma lojinha de emoldurar quadros e vender vidros, etc. Louis dizia nos seus anúncios que era o único em toda a província. Esta era uma das três principais ruas de comércio da pequena cidade, sendo as outras a fundacional Rua Araújo e a então relativamente recente Avenida da República (hoje 25 de Setembro). Claro que havia ainda a Rua da Gávea, o bairro “indiano”, diz-se que povoado com gente de Diu, muçulmanos, com a sua Mesquita na esquina, onde iam rezar cinco vezes ao dia.

Anúncio da loja de Louis Rygor, no Anuário de Moçambique, a edição de 1917 mas que por causa da Guerra só saíu em meados de 1918 (se calhar não arranjavam papel). A fachada da loja manteve o mesmo aspecto até 1975.
Trecho da Rua Consiglieri Pedroso em 1968. A loja Rygor ficava do lado esquerdo nesta imagem de Fernando Sousa. A mesquita ficava uns metros à frente, à direita, na então (1913) Rua Francisco Ferrer, nome de um radical obviamente dos afectos dos radicais da I República e que os radicais do Estado Novo viriam a chamar…Rua Salazar.

O casal Rygor viveria em Lourenço Marques o resto da sua vida. Marie Rygor faleceria em 22 de Julho de 1935 com 64 anos de idade e Louis em 17 de Dezembro de 1948 com 74 anos de idade.

Ambos foram sepultados no talhão judaico junto do Cemitério de São Francisco Xavier, a caminho do Alto-Maé, onde ainda hoje se podem ver as suas lápides.

Dando sequência a uma aspiração da pequena comunidade judaica da cidade, em 23 de Agosto de 1926 foi inaugurada a sua (até hoje) única sinagoga. Na comissão constituída para o efeito, que incluia Ernest Salm (da Jacques Salm & co.) como presidente, Jules H. Muller, J. Barnett, C. Mosiff, Glazer e Joseph Levy, Louis Rygor era o Tesoureiro (nota: a lista apresentada aqui difere).

A sede da Jacques Salm na esquina da Praça Mac-Mahon (actual Praça dos Trabalhadores) e a Rua Consiglieri Pedroso, em Lourenço Marques, anos 60. No final dessa década, o edifício seria demolido e ali seria construído um prédio, também da Salm.

Segundo vários relatos, entre os quais este, a comunidade judaica de Lourenço Marques organizou-se mais ou menos por acaso, quando, no início da II Guerra Anglo Boer (11 de Outubro de 1899), o Presidente do Transvaal, Paul Kruger, subitamente expulsou do seu território o Rabbi Joseph Herman Hertz, que acusava de ser pró-britânico e que saiu do Transvaal pela linha ferroviária entre Pretória e Lourenço Marques, onde ele passou uns dias antes de apanhar um barco para Durban, sob controlo britânico. Nessa curta estadia, Hertz, que era obviamente firme, voluntarioso e uma força da natureza, pediu a Leon Cohen, um empresário e figura de topo na pequena urbe, que organizasse uma reunião na segunda-feira, dia 18 de Dezembro de 1899, com os fiéis locais, onde estabeleceu três prioridades: 1) criar-se um cemitério judaico na Cidade; 2) formalizar uma comunidade organizada; e 3) criar um sub-comité para coordenar actividades com o Comité de Vigilância Judaica de Johannesburgo e a Sociedade Judaica para a Protecção de Mulheres e Raparigas de Londres.

Cerca de vinte anos mais tarde, em 1921, os judeus locais formaram uma organização chamada Associação de Benevolência Israelita Honen Dalim (que quer dizer “ajudar os pobres”), que organizou o esforço para comprar um terreno (na Rua General Botha, adquirido à Delagoa Bay Lands Syndicate, uma das Delagoa Bays que eram quase donas daquilo tudo) e ali construir uma sinagoga, que seria consagrada pelo Rabbi Chefe Prof. Doutor J. L. Landau, que veio expressamente de Johannesburgo. Formalmente, a sinagoga de (hoje) Maputo chama-se Sinagoga Honen Dalim.

A Sinagoga Honen Dalim, foto recente.

Segundo um artigo interessantíssimo de Hyman Jocum, que reproduzo na íntegra mais abaixo, em que ele entrevistou ambos Stanley Rygor e a sua irmã Gertie no início de 1976, quando ainda estavam em Moçambique, já independente, a altura em que estiveram mais judeus em Lourenço Marques foi em 1942, no pico da II Guerra Mundial, Hitler em pleno e a matar judeus a uma escala industrial, sendo a maioria refugiados em “trânsito” (ou seja tecnicamente nem podiam ficar porque Salazar não deixava, nem podiam ir para lado nenhum porque praticamente ninguém os aceitava). Após o fim da guerra, segundo a entrevista, a maior parte destes rumou o Brasil e a Alemanha Ocidental. Imagino que alguns acabaram também em Israel e…ficaram em Moçambique.

Penso que após a morte do pai em 1948, Stanley passou a tomar conta da loja de vidros e molduras na Rua Consiglieri Pedroso.

Numa crónica, o já falecido João de Sousa recorda quando Stanley foi seccionista do Clube Ferroviário de Lourenço Marques, pelo hóquei em patins, numa altura em que o hóquei em patins da Cidade se revelou ser o melhor do…mundo, a partir dessa altura. No seu magnífico blog, o inigualável e também já falecido Francisco Velasco, uma peça-chave do milagre do mundial “moçambicano” no hóquei em patins, fez uma “lista de pessoas VIP” que ajudaram no processo de criar uma equipa campeã do Mundo. Stanley Rygor é mencionado, como seccionista. (ele também menciona o meu Pai, o que é simpático mas não percebo).

Com a chegada da Frelimo a Lourenço Marques no final de 1974, pelos vistos quase todos os judeus de Lourenço Marques se juntaram à Debandada Geral, pois percebia-se claramente que iriam destruir a economia e passar Moçambique duma ditadura colonial de partido único para uma ditadura comunista belicista e de partido único. Na peça em baixo, escrita no início de 1976, já só se fazia referência a Stanley (que agia como chefe oficioso da comunidade judaica local) e à sua irmã Gertie e a mais um ou dois residindo na agora nova capital do nascente país.

Entrevista de Hyman Jocum a Stanley Rygor e Gertie Rygor, 1976

Neste artigo que é essencialmente uma entrevista, para além da descrição de Lourenço Marques em 1942, e de outras informações, é deveras interessante a referência à proveniência e o percurso dum Sidur (um livro de rezas) durante a II Guerra Mundial, que fora parar a Lourenço Marques. O documento, que era duma menina com 10 anos de idade, foi contrabandeado pelo pai da menina, de Varsóvia, na Polónia, onde viviam, para a cidade russa de Vladivostock, no Extremo Oriente, via o comboio transiberiano, de onde seguiu para Shangai, onde se lhe juntou a mulher, que foi de seguida com ele para Macau. A menina ficou atrás. Em Macau, apanharam um barco que rumou a Lourenço Marques – em “trânsito”. Entretanto, poucos dias antes de a Alemanha nazi invadir a União Soviética, em 22 de Junho de 1941(um domingo), a Cruz Vermelha Internacional conseguiu resgatar de Varsóvia a filha do casal, que conseguiu fazer chegar a Lourenço Marques. As autoridades da África do Sul permitiram que ela frequentasse uma escola local até ao fim da guerra. Os pais ficaram em Lourenço Marques. Aparentemente, depois foram por uns anos para Shangai e, em 1949, quando os exércitos comunistas de Mao tomaram aquela metrópole chinesa, mudaram-se para a então nova nação de Israel, que havia declarado a sua independência em 14 de Maio de 1948.

Capa da revista Tribuna Israelita, Julho-Agosto de 1976.
Artigo, 1 de 4. Penso que os “motins” em Lourenço Marques a que Hyman faz referência no início do seu texto foram uma rebelião de elementos da Frelimo na Cidade no fim de 1975/início de 1976. Soube destes distúrbios pela minha Mãe, que ainda se encontrava na Cidade e que passou dias de terror, mas nunca encontrei nada escrito sobre esse episódio. A Frelimo abafou tudo, até hoje.
Artigo, 2 de 4.
Artigo, 3 de 4.
Artigo, 4 de 4.

08/10/2023

O FORTE DE SÃO CAETANO DE SOFALA

Imagens retocadas e coloridas.

A primeira presença física dos portugueses no que é a actual costa de Moçambique não foi na Ilha de Moçambique. Foi em Sofala, para onde, na altura, o ouro do interior chegava à costa e onde construiram a fortaleza de São Caetano de Sofala. A fortaleza durou uns quatrocentos anos mas não resistiu à sua localização num areal junto à costa, onde não foi protegida do mar e preservada. Hoje praticamente já não existe, o que é uma pena pois acho que tinha valor histórico.

A fortaleza em 1902
A fachada em 1905.
O que resta da fortaleza, actualmente. Foto de Amimartins.

Segundo um texto da Wikipédia. ligeiramente editado por mim:

A primitiva povoação de Sofala constituía-se num entreposto comercial Muçulmano, que juntamente com Angoche, Moçambique e Quíloa, possuíam o monopólio do ouro, oriundo de Manica e da Rodésia do Sul (Reino Monomopata), mas cujo resgate se fazia principalmente em Sofala.

Vasco da Gama, em 1502, fez um reconhecimento do local onde os portugueses viriam a estabelecer-se poucos anos depois.

De facto, decidida a impor no Oceano Índico o monopólio do comércio de especiarias, a Coroa Portuguesa enviou de Lisboa, no início de 1505, uma poderosa Armada sob o comando de D. Francisco de Almeida. Tendo a nau capitaneada por Pêro de Anaia naufragado ainda nas águas do rio Tejo, o soberano deu ordem a D. Francisco de Almeida, para partir com 14 naus e 6 caravelas, que levantaram ferro a 25 de Março de 1505. Substituída a nau de Anaia, o restante do grupo, seis embarcações, partiu a 18 de Maio, com instruções para se juntar ao primeiro grupo na altura de Moçambique (o local está ilegível no “Regimento” de D. Francisco de Almeida). Este segundo grupo tinha a missão de erguer uma fortificação em Sofala, de que Anaia levava a traça, artífices e cantarias lavradas (para o Portão de Armas, portas e janelas), e da qual ficaria Capitão-mor.

Anaia navegou para o Sul, seguindo a rota definida para contornar o cabo da Boa Esperança. Acredita-se que possa ter descido demasiadamente a Sul, talvez mesmo alcançando os 45° de latitude Sul, uma vez que sofreu com o frio do Inverno austral, tendo chegado a Sofala apenas com os navios comandados pelo seu filho, Francisco de Anaia, e pelo de Manuel Fernandes. Mais tarde reuniram-se-lhe os navios de Pero Barreto de Magalhães, João Queirós e João Vaz de Almada (este último no lugar de João Leite, que perecera em um acidente durante a viagem no Oceano Atlântico).

O Forte de São Caetano de Sofala foi estabelecido inicialmente de forma pacífica, mediante um acordo com um chefe local. Os trabalhos de sua construção iniciaram-se a 25 de Setembro de 1505, quando foi erguida uma paliçada de madeira, de planta quadrada, tendo Pero de Anaia determinado abrir um fosso ao redor para, em segurança, poder começar a erguer os muros do forte. Cada lanço do fosso tinha 120 passos de comprido, por 12 palmos de largo, e outros tantos de profundidade. Externamente ao fosso, com a terra dele retirada, o capitão determinou ainda erguer um muro entre as paliçadas que serviam de taipais, com uma altura de cerca de vinte palmos. Todo o terreno circundante foi desmatado, a fim de se abrir o campo de tiro. Essa tranqueira ficou pronta ainda em 1505, período em que foi defendida pela armada. Assim que ficou em condições de defesa, Anaia ocupou-a com uma pequena guarnição, apoiada por alguma artilharia e uma embarcação construída no local. O seu filho ficou como Capitão-do-mar da costa de Sofala, que passou a patrulhar com dois navios, visando controlar o comércio de ouro que a partir dali se fazia, principalmente com Cambaia (um centro mercantil em Gujerate, na Índia). Os demais navios seguiram viagem para a Índia, onde deveriam carregar especiarias.

Em face de ataques dos nativos, que em pouco tempo destruíram parte da tranqueira, constatou-se a insuficiência do primitivo reduto, cogitando-se a possibilidade da construção de uma fortificação mais sólida, em alvenaria de pedra. Com a morte de Pero de Anaia em 1506, foi eleito capitão o feitor Manuel Fernandes, que no ano seguinte iniciou a construção com alvenaria de pedra e cal trazidas de Quíloa, tendo sido por ele erguida a chamada Torre de Menagem.

De 1509 a 1512, sob o comando do capitão António de Saldanha, construiu-se uma barbacã em redor da fortificação e novas casas para a guarnição que, até então, se alojava no local onde se situava a cisterna. Em 1516 a 1518, vemos João Vaz de Almada como seu capitão e alcaide-mor.

Frei João dos Santos, o cronista da “Etiópia Oriental”, no último quartel do século XVI, assim descreveu a Fortaleza de São Caetano de Sofala:

“É a fortaleza de Sofala quadrada e cercada de muro de vinte e cinco palmos de altura. Tem quatro baluartes redondos nos quatro cantos, guarnecidos de artilharia grossa e miúda. Em uma quadra da banda do mar, tem uma larga e formosa torre de dois sobrados, e ao pé dela uma sala formosíssima, as quais casas são aposentos do capitão da fortaleza. Nos baixos desta sala tem o capitão suas despensas, e no vão da torre do chão até o primeiro sobrado, uma mui formosa e boa cisterna de água da chuva, de que bebe ordinariamente a mais gente de Sofala, por ser muito melhor que a dos poços, e não bebem do rio, porque ali é toda sua água muito salgada. Dentro desta fortaleza está a igreja matriz, que é a freguesia de toda a gente da terra.”
Embora a importância comercial de Sofala tenha decaído ao longo dos séculos, de tal modo que em 1650 o Vice-rei D. Filipe de Mascarenhas recomendava a sua demolição por falta de condições para resistir a um eventual ataque dos Neerlandeses, activos no litoral de Moçambique desde o início do século XVII. A Coroa, entretanto, seguiu renovando as recomendações pela conservação e apetrechamento do forte, devido não apenas ao prestígio de que este desfrutava junto do rei do Quiteve, em cujas terras se situava, mas também pelo temor que infundia aos africanos.

Em 1758, entretanto, a erosão marítima solapava-lhe os muros e a igreja em seu interior apresentava sinais de desgaste.

No século seguinte, em 1826 já não havia vestígios da igreja, e um dos baluartes circulares ruíra por completo, após o mar ter-lhe solapado os alicerces. Ainda assim, resistiu com sucesso, em Outubro de 1836, ao assalto dos Mathaus, vindos do sul da Zululândia. No último quartel do século XIX, o Governador-geral de Moçambique, Augusto de Castilho (1885-1889), num Relatório de Junho de 1885, deixou-nos uma clara descrição de seu estado de conservação:

“(…) A fortaleza de Sofala, que é a mais antiga de todas as da província, é só inferior em importância à de S. Sebastião de Moçambique e está ainda em muito regular estado de conservação, apesar das injúrias do tempo e das maiores injúrias dos homens. Carece, todavia, de algumas reparações indispensáveis e algumas urgentes, tais como: remoção dos madeiramentos de quase todas as coberturas do terraço das casas que o cercam por dentro e sobre as quais assentam as baterias; reconstrução de dois baluartes que olham a Noroeste e Sudoeste e que parecem ter sido demolidos de propósito, pois que os alicerces mostram estar magníficos; reconstrução de uma sala contínua à secretaria e que serve hoje de terraço descoberto; apropriação de um quarto do pavimento inferior para capela, onde se arrecada condignamente uma venerável e antiquíssima imagem de S. Caetano, orago da fortaleza; reparação no carretame e palamenta da artilharia e substituição de algumas peças, quase de todo inúteis, por outras boas. Há ainda outros arranjos que o bom gosto recomenda e que o respeito pelos monumentos históricos exige. São desse número: a limpeza de todas as cantarias lavradas que estão hoje quase totalmente invisíveis sob uma espessa e estúpida camada de cal, como sucede às armas portuguesas sobre a porta de entrada; a desobstrução de outras cantarias que estão mesmo escondidas debaixo de paredes de alvenaria como se vê ainda em uma formosa arcaria manuelina junto à casa da guarda da porta; a construção de ameias no alto da torre de menagem no género das que existem no terraço das baterias baixas da torre de S. Vicente de Belém, etc. (…).”
No início do século XX as ruínas do forte ainda podiam ser apreciadas.

Actualmente, na prea-mar, o que dela restou fica quase totalmente submerso.

(fim)

CARTA PARA PURSOTAM AMARCHAND & CO EM LOURENÇO MARQUES, 1912

Filed under: Pursotam Amarchand & Co - LM — ABM @ 09:09

Carta enviada em 6 de Outubro da (presumo) Índia para uma empresa em Lourenço Marques, onde chegou a 31 de Outubro de 1912. Note-se que foi na altura em que em Moçambique as cartas que não mencionassem “Lourenço Marques” (em vez de só Delagoa Bay) não eram entregues.

1 de 2.
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LORD ALFRED MILNER VISITA LOURENÇO MARQUES, AGOSTO DE 1902

Imagens retocadas e coloridas.

Alfred Milner (23 de Março de 1854- 15 de Maio de 1925) foi uma das personalidades mais consequentes na história da África do Sul. Recomendo a leitura do excelente e longo texto sobre ele na Wikipédia – em inglês, pois a versão em língua portuguesa é patética.

Durante a recepção e garden-party em honra de Lord Alfred Milner nos jardins da Residência do Governador-Geral de Moçambique na Ponta Vermelha, em Lourenço Marques, terça-feira, 12 de Agosto de 1902. Foto tirada pelos fotógrafos Irmãos Joseph e Maurice Lazarus. Milner era então já Governador da África do Sul. Milner já tinha estado em Lourenço Marques em Abril, para discussões sobre o recrutamento de mão de obra para as minas. Em 31 de Maio de 1902, com o apoio das tropas lideradas por Lord Herbert Kitchener de Kartum, ele forçara os boers à rendição com o Tratado de Vereeniging, terminando a indescritivelmente violenta Segunda Guerra Anglo Boer. Em 21 de Junho apresentou a legislação (Letters of Patent) estabelecendo o Transvaal e o Estado Livre do Orange como colónias britânicas, prenunciando o que chamamos hoje a África do Sul. Em 15 de Julho foi criado Visconde Milner de Saint James e do Cabo pelo Rei Eduardo VII (nota: outra fonte refere ter acontecido em 24 de Maio de 1901 durante uma visita a Londres) e ocupava-se com a reconstrução da África do Sul, quase completamente arrasada pela guerra que ele próprio provocou praticamente desde que chegou ao Cabo em 1897 (quando foi nomeado Alto Comissário para a África Austral e Governador da Colónia do Cabo, sucedendo Hercules Robinson, Primeiro Barão Rosmead) criando para o efeito uma equipa de especialistas para assistir no processo a que a imprensa designava de “a créche de Milner”. Após oito anos, deixou definitivamente uma África do Sul ainda a recuperar do desastre da guerra, em 4 de Abril de 1905 (viajando de Pretória para Lourenço Marques, de onde seguiu para o Egipto e depois para o Reino Unido) . Milner visitaria também Lourenço Marques na primeira semana de Agosto de 1903, para onde viajou de comboio para apanhar um navio com destino ao Reino Unido, via o Canal de Suez.

Entre outros, Milner esteve no centro de um entendimento (modus vivendi) com o governo português de então em que, em troca do fornecimento de mão de obra moçambicana para as minas do Rand, os bens transportados via o então novo porto de Lourenço Marques e da linha férrea até Pretória e Johannesburgo, pagariam tarifas preferenciais.

Alfred Milner, fotografado por H. Walter Barnett em Sunnyside, Johannesburgo, 1902.

Bibliografia adicional:

https://en.everybodywiki.com/Timeline_of_Alfred_Milner

07/10/2023

CARTAZ DE PEÇA “EH! UENE” DO RÁDIO CLUBE DE MOÇAMBIQUE, DÉCADA DE 194O

Imagem retocada.

O cartaz anuncia uma “marcha sobre um motivo indígena” com música de Artur Fonseca e criação de Manuel Soares.

Uns anos mais tarde o cantor João Maria Tudella criou uma canção com o mesmo nome (que pode ser ouvida na lista do grande Paulo Oliveira, AQUI) mas que parece não ter nada a ver com a marcha.

06/10/2023

FACHADA DO SCALA EM LOURENÇO MARQUES, ANOS 70

Imagem retocada.

MAPA TURÍSTICO DE LOURENÇO MARQUES, ANOS 60

Filed under: LM Mapa, LM Mapa anos 60 — ABM @ 13:55

Imagem retocada.

Mapa de Lourenço Marques, desenhado por Pombeiro, anos 60

ANÚNCIOS DA SAFRIQUE E AGÊNCIA DE TURISMO ARMANDA, ANOS 60

Imagem parcialmente retocada e colorida.

Antes de 1975 e a destruição dos anos que se seguiram, Moçambique tinha entre os melhores parques de animais selvagens, coutadas e reservas de caça do Mundo, que atraíam visitantes e caçadores de todo o mundo, especialmente americanos do….Texas! Para a caça, havia empresas que organizavam safaris, de que eu só me lembro da Safarilândia e da Safrique. Eu visitei a Gorongosa em Julho de 1972 e depois em Julho de 1973 e nunca cacei nada na vida.

04/10/2023

A BAIXA DE LOURENÇO MARQUES, ANOS 30

Imagem retocada e colorida.

O cruzamento entre a Avenida da República (hoje 25 de Setembro) com a então Avenida Aguiar (hoje Samora Machel), anos 30. As estradas ainda eram de macadame. Ao fundo o Scala, os Correios e a então Fazenda (hoje Biblioteca Nacional). À direita, a rua que ligava esta zona com a Praça 7 de Março (hoje 25 de Junho) e que ainda não tinha sido alargada para ser como um prolongamento da Avenida Aguiar até à Praça que foi onde a Cidade começou.

CASAL NA VILA DO CHINDE, INÍCIO DO SÉC. XX

Filed under: Casal no Chinde 1900s — ABM @ 11:17

Imagem retocada e colorida.

Um casal posa no Chinde.

02/10/2023

LATAS DE CERVEJA E PORTA-GUARDANAPOS DA 2M (MAC-MAHON)

Imagens retocadas.

Um simpático coleccionador de latas de cerveja do Brasil enviu-me esta imagem, indicando que estava à procura de uma lata de cerveja 2M dos tempos de Lourenço Marques (a da esquerda) pois são muito raras e valem uma fortuna. 2M refere-se a Mac-Mahon, o presidente da França em 1875, que, numa disputa entre Portugal e o Reino Unido, decidiu em favor de Portugal que o território a Sul da Baía de Lourenço Marques (até à Ponta do Ouro) lhe pertencia. Alguém na Cidade eventualmente decidiu que a data dessa sentença – 24 de Julho- seria a data de celebração do Dia da Cidade (que, estranhamente, agora é correctamente assinalado no dia da sua elevação a cidade, 10 de Novembro de 1887) e assinalada na avenida mais longa da Cidade – que ainda hoje se chama 24 de Julho, mas numa curiosa decisão de Samora nos primórdios, agora referindo-se ao dia em 1976 em que a Frelimo, no seu intrépido caminho para o comunismo, decidiu nacionalizar quase tudo e mais alguma coisa.
Um porta-guardanapos da 2M, comum nos restaurantes de Lourenço Marques.

ANÚNCIO DA CERVEJA LAURENTINA, ANOS 70

Imagem retocada.

Anúncio da Cerveja Laurentina, retratando o que parecem uns bifes e umas bifas, então um grande mercado turístico para Moçambique. Supostamente, era uma das grandes cervejas do mundo e ainda existe. A sua designação refere-se aos habitantes de Lourenço Marques, pelo que não sei como escapou ao ímpeto da Frelimo de mudar os “nomes coloniais”. Mas há razões a que a razão não assiste.

BALTAZAR E MARIA DAS NEVES REBELO DE SOUSA EM LOURENÇO MARQUES, DEZEMBRO DE 1973

Imagem retocada.

Capa da revista Tempo em Lourenço Marques, 23 de Dezembro de 1973, quando a revista ainda fazia os fretes do regime (a seguir passou a ser um pasquim da Frelimo). Baltazar fora Governador-Geral entre meados de 1968 e início de 1970, quando foi convidado para ministro pelo amigo Marcelo Caetano em Lisboa. A imagem retrata o casal durante uma visita a Moçambique, onde eram populares principalmente porque sorriam para as fotografias e se misturavam com a populaça mesmo quando não haviam aqueles comícios de regime, o que nenhum Governador-Geral fez. Exactamente quatro meses depois da publicação da revista, um punhado de militares punha termo ao regime. Baltazar, que estava a viver em Lisboa, passaria por um exílio no Brasil e eventualmente voltaria para Portugal.

01/10/2023

O AVENIDA BUILDING EM LOURENÇO MARQUES, FINAL DOS ANOS 50

Imagem retocada e colorida, a partir de um postal da Casa Lu Shih Tung.

Em primeiro plano ao centro, o histórico Avenida Building, mandado construir por Wilhelm Pott na esquina da então Avenida D. Carlos I (hoje Avenida 25 de Setembro) e Avenida Aguiar (hoje Marechal Samora Machel), quiçá o maior e dos primeiros a serem construídos na “nova” Baixa da Cidade no início do Séc. XX e com uma traça arquitectónica peculiar. À esquerda a Simal e acima o então novo prédio da African Life, mais tarde Lusitana. O Avenida Building ardeu parcialmente em 1990 e, em vez de promover o seu restauro, Eneas Comiche, o presidente da edilidade, recentemente, mandou demolir quase toda a ruína, excepto uma fachada graças ao protesto de um corajoso empresário. Não sei a quem pertence o terreno hoje, mas suspeito que as pressões para ali se construir um mamarracho devem ser mais do que muitas. O que não deixa de ser curioso, pois dado um erro na original terraplanagem do pântano ali existente, é o sítio que mais inunda na Cidade sempre que chove – e com tendência a piorar. Eneas, que está de saída após um segundo mandato intercalado, já tentou resolver esse problema mas não conseguiu.

HISTÓRIAS DO RÁDIO CLUBE DE MOÇAMBIQUE

Imagem retocada.

Capa da revista do Rádio Clube, Outubro de 1971. Suponho que a senhora seja a Ana Paula, uma locutora da estação mas não tenho a certeza.

Se o exmo. Leitor quiser saber mais sobre o Rádio Clube de Moçambique, há duas publicações recentes que poderão ser interessantes:

  • Um artigo, este mais abrangente, da autoria de Marco Roque de Freitas intitulado “Rádio Clube de Moçabique: história económica e cultural de uma empresa radiofónica num contexto colonial (1932-1974)“, publicado na Revista de História da Sociedade e da Cultura e que pode ser lido premindo AQUI. O seu resumo diz o seguinte:

O Rádio Clube de Moçambique (RCM) foi uma empresa de radiodifusão privada sedeada em Lourenço Marques (atual Maputo) que granjeou uma forte expansão após a II Guerra Mundial, tornando-se numa das mais importantes instituições de radiodifusão comercial em África. Partindo da análise de publicações periódicas, relatórios de contas, entrevistas e outra documentação-áudio consultada nos arquivos da instituição, com este artigo pretende-se construir uma história do RCM desde a data da sua fundação, em 1932, até ao golpe de Estado em abril de 1974 na metrópole. Terei como ponto de partida os conceitos «rádio-colonização» e «capitalismo sonoro», com vista a explorar a instru-mentalização dos sistemas de radiodifusão para propósitos políticos e propagandísticos. Este artigo incidirá, entre outros fatores, nas dimensões económicas, materiais e culturais desta instituição, sem descurar a análise da programação radiofónica.

  • Um artigo da autoria de Nélson Ribeiro, intitulado “Broadcasting to the Portuguese Empire in Africa: Salazar’s singular broadcasting policy“, publicado no sítio Academia. edu e que pode ser visto premindo AQUI. Este artigo está em inglês e o seu resumo diz o segunte:

This article discusses Portugal’s broadcasting policy to its colonies from the 1930s to the 1960s
when the country was ruled by a dictatorship led by Oliveira Salazar. It demonstrates that,
despite the centrality assumed by the concept of ‘Empire’ in the discourse of the dictatorship,
investments in shortwave broadcasting remained very low throughout the years. Not only was
the Portuguese state broadcaster not given the resources to achieve good coverage of the
African territories, but there was also no national policy concerning the creation of stations in
the colonies. This, as the article demonstrates, led to the development of several private radio
projects, mainly in Angola and Mozambique, operated as radio clubs. It would take until the
mid-1950s, when the independence of African countries entered the international agenda, for
the Portuguese dictatorship to start investing both in the state broadcaster’s transmissions to
Africa and in the creation of oficial stations in Angola, Guinea Bissau and Cape Verde. These
late investments would ultimately not pay off because, starting in 1961, Portugal would be
involved in the colonial war that started in Angola but quickly spread to other Portuguese
territories.

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