THE DELAGOA BAY WORLD

16/03/2018

OS ATERROS DA MAXAQUENE QUE MUDARAM LOURENÇO MARQUES, 1915-2018

Das fotografias mostradas em baixo, destaco três, cruciais para se contar esta história, da fabulosa colecção do grande botanista norte-americano Homer Leroy Shantz, que, fortuitamente, passou de relâmpago por Lourenço Marques no final de Outubro de 1919.

Lourenço Marques em 1877. No início era assim,uma ilhota nojenta e insalubre, encaixada entre a Baía e a Encosta do Maé e separada por um pântano – e mosquitos cheios de malária. Nos vinte anos que se seguiram, a ilhota será primeiro estendida para Sul e Oeste para ali se construir o complexo portuário e ferroviário e depois aterrada para Norte e Leste, ligando-a às Encostas adjacentes. O aterro a Leste foi o chamado Aterro da Maxaquene.

 

Capa do plano de aterro da enseada em frente à Barreira da Maxaquene em Lourenço Marques, que se pode ver mais abaixo.

As três grandes obras de aterro que foram estruturais para o crescimento e saneamento da originalmente pequena ilhota fortificada que era Lourenço Marques foram:

primeiro, o aterro do espaço de terreno, praia e mar, situados entre a antiga Rua Araújo e o espaço onde se construiram, no fim do Século XIX, os primeiros cais marítimos, os terrenos dos armazéns do cais,da primeira estação ferroviária e do enorme estaleiro ferroviário a Oeste;

segundo, a drenagem e aterro do pântano que se estendia ao longo da antiga Avenida da República, entre a antiga Fábrica Reunidas e onde hoje está o Hotel Tivoli, ligando a anterior ilhota com os terrenos circundantes, nomeadamente a encosta do Maé e que acabaram no início do Séc. XX (mal feito, pois inunda sempre que chove);

– e finalmente, o enorme aterro da enseada pantanosa a nascente da Cidade, que se situava entre esta e a Ponta Vermelha e que foi executada a partir das terras na Encosta da Maxaquene, até a um enorme paredão de cimento construído em linha recta entre a ponta do novo cais de embarcações ligeiras (em frente à Praça 7 de Março) e os terrenos a Oeste da Ponta Vermelha. Estas obras decorreram no final da segunda década e o início da terceira década do Século XX.

Aqui vai-se tentar ilustrar este terceiro projecto, de que resultou, já depois da Independência de Moçambique e após a Guerra Civil, no metro quadrado mais caro e mais cobiçado em todo o país, trazendo fortunas enormes aos seus detentores, a partir de DUATs que à partida foram concedidos quase gratuitamente. Mais uma ironia do destino.

Prepare-se o Exmo. Leitor para a barragem de fotografias que se segue. Este é um trabalho que levou algum tempo a ser completado.

As imagens estão divididas em três grupos: antes, durante e depois de feito o aterro da enseada em frente à Maxaquene.

  1. COMO ERA ANTES

 

01 – no início era assim: as colinas extendiam-se em crescendo até caírem sobre a praia, que formava uma enseada entre a Ponta Vermelha e a pequena saliência onde se edificou a Fortaleza de Nossa Senhora da Conceição, o início do núcleo urbano da futura Cidade. A enseada tinha uma cota baixa e na maré baixa via-se um extenso areal, pantanoso.

 

02 – Mais um aspecto da enseada, com a maré baixa.

 

03 – A enseada, com a maré alta.

 

04 – Já na primeira década do Séc. XX. Aqui já se fizeram alguns aterros, criando a faixa que se vê entre a praia e as colinas. Ao fundo em primeiro plano, o edifício da nova Câmara Municipal de Lourenço Marques, que ainda existe e que fica situado em frente à entrada do Grupo Desportivo. Vêem-se ainda os armazéns em frente ao Cais Gorjão e a barra do futuro porto, em frente à antiga Fortaleza, a partir da qual se iniciou a linha da muralha em linha recta até à base da Ponta Vermelha.

 

05 – imagem semelhante à imagem 4.

 

06 – outra imagem semelhante à imagem 4.

 

07 – outra imagem semelhante a 4, com a maré alta.

 

08 – A enseada, agora vista do lado da Cidade, na direcção da Ponta Vermelha, imagem de Joseph Lazarus dos primeiros anos do Séc. XX. A Barreira ainda está avançada mas já houve alguns aterros, onde se fez uma estrada de acesso aos pavilhões que se vêem ao fundo, nos quais se encontra ainda a estação de captação de água para a (então) Vila da Ponta Vermelha, que já tem um núcleo habitacional e uma estrada de acesso.

 

09 – Mais uma vista no sentido de Nascente e Sul.

 

10 – Mais uma perspectiva na direcção da Ponta Vermelha.

 

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2. O PLANO DO ATERRO E A OBRA

 

12 – O plano do aterro consistia da construção de um muro de cimento, que ainda existe, com docas em ambas as pontas. À esquerda pode-se ver a Fortleza, que dantes tocava directamente a água mas que agora passou a ficar a quase cem metros da Baía. À direita, foi ainda criado espaço para a futura Estrada Marginal.

 

13- Imagem do início do projecto, com a vantagem de ilustrar os principais envolvidos, nomes lendários da Lourenço Marques colonial tais como Pietro Buffa Buccellatto, Paulino dos Santos Gil, A Tonnetti, etc etc. Grato ao grande Paulo Azevedo, que pesquisou e me mandou esta imagem. Para ver melhor esta e as outras imagens, clique para ampliar.

 

14- Foto de Homer Shantz. Vista das Barreiras em frente ao então ainda futuro Liceu Salazar (na altura estava lá implantada a operação da Eastern Telegraph Company), foto tirada no dia 25 de Outubro de 1919. A muralha de cimento já está concluída e o aterro procede com areias arrancadas à pazada junto da Barreira da Maxaquene, que será moldada e recuará mais que cem metros em relação ao que era antes. Ao fundo, a Catembe.

 

14A – Detalhe da imagem 14, onde se pode ver a muralha de cimento em maior detalhe e, em primeiro plano os carris de bitola pequena usados por pequenos comboios e carruagens que carregavam a areia da Colina para a zona a ser aterrada. 40 anos depois, no espaço que se vê aqui, serão instalados a FACIM e o Restaurante O Zambi.

 

15 – Outro aspecto dos trabalhos de aterro, foto ainda do dia 25 de Outubro de 1919. A “nuvem” ao meio é um defeito no negativo. Foto de Homer Shantz.

 

15A- Detalhe ampliado da Imagem 15, mostrando um comboio de bitola curta com carruagens, a carregar areia. O comboio está mais ou menos no local onde hoje está implantado o edifício do Ministério dos Negócios Estrangeiros de Moçambique. À medida que a areia atingia a cota da muralha, moviam-se os carris.

 

16- A foto talvez mais interessante e mais reveladora das três imagens das obras que foram tiradas, esta tirada do velho Hotel Cardoso na direcção da Velha Cidade, ao fundo, que, no sentido nascente, acabava subitamente mais ou menos onde está hoje o Teatro Avenida. Foto de Homer Shantz.

 

16A – Detalhe ampliado da foto 16. Mesmo em frente, vê-se um conjunto de homens, que são trabalhadores do projecto. Mais acima, encostados à linha da Barreira da Maxaquene, podem.se ver dois comboios de bitola curta a recolher areia para levar para o aterro. À medida que iam retirando areias da colina, mudavam-se também os carris. Igualmente interessante: onde estão as pessoas a espalhar areia, era a orla da antiga praia. E para a direita de onde está a pequena casa em cima, era a antiga linha da Barreira, indicando a quantidade de terra que já fora movida nesta fase dos aterros. Finalmente, uma curiosidade: onde está o pequeno comboio a deitar fumo, virá a ser o complexo do Sporting de Lourenço Marques (hoje o Maxaquene). Onde está o resto da colina, em frente ao edifício da Câmara Municipal de Lourenço Marques ao fundo, já era o Grupo Desportivo, pois o Clube foi fundado a 31 de Maio de 1919 e esta foto foi tirada precisamente no dia 25 de Outubro de 1919, cinco meses mais tarde.

 

3. A CIDADE APÓS O ATERRO

01 – O aterro nos anos 60. Na maior parte do espaço aterrado foi plantado um eucaliptal. A Baixa cresceu no sentido Nascente, À direita do Estádio Paulino dos Santos Gil, do Desportivo, inaugurado em meados de 1949.

 

02 – na parte do Aterro da Maxaquene junto à Ponta Vermelha, a Avenida da República estende-se até à Avenida Marginal, criou-se uma estrada junto à muralha de cimento (as duas foram usadas até 1962 como circuito de automobilismo), aqui já existe a FACIM, criada em 1964, e à esquerda vêem-se os edifícios do Clube de Pesca, criado no início dos anos 60 junto do pequeno cais criado naquele local.

 

03 – O Aterro da Maxaquene em 1991. Aqui, vê-se que a maior parte do Aterro ainda está coberto de eucaliptos. A Barreira da Maxaquene está pelada, tendo ficado assim na sequência das obras de recuperação levadas a cabo após a enorme derrocada provocada pelo Ciclone Claude na zona entre o Liceu Salazar e o Hotel Cardoso no início de Janeiro de 1966. Ao fundo do lado direito a FACIM. À esquerda o estádio coberto do Sporting de Lourenço Marques, que em 1991 já mudara o nome para Maxaquene.

 

04 – A ponta da muralha de cimento junto à Ponta Vermelha, vendo-se a entrada para a doca de recreio, também criada na obra de 1918-1920. Ao fundo, o viaduto para a Ponta Vermelha, construído em 1972-74. Na década de 1920, será ainda feita a muralha em redor da Ponta Vermelha até à zona do Clube Naval (que já existia desde 1913), permitindo a construção da Estrada Marginal. Que por sua vez implicou mais aterros nas respectivas encostas da Ponta Vermelha e da Polana.

 

05 – A muralha, vista quase de frente da antiga Fazenda (actual gabinete do primeiro-ministro).

 

06- A avenida ao longo da muralha, que foi recentemente reabilitada. À esquerda a actual sede do antigo Banco Standard Totta de Moçambique (O Banco Totta de Portugal há uns anos vendeu a sua quota ao Banco Standard).

 

07 – O Aterro da Maxaquene visto mais ou menos por cima do Jardim Vasco da Gama (agora Tunduru).

 

08 – O Aterro começa mais ou menos onde hoje está a sede do Desportivo.

 

09 – O Aterro visto de Nascente. O terreno à esquerda era onde ficava a FACIM. Depois de uns malabrismos, alguém ficou com ele e o vendeu a seguir por milhões a alguém, que quer fazer ali prédios de luxo. À direita, o Hotel Cardoso e a seguir o antigo Liceu Salazar. Foto com vénia a ASA.

 

10 – Na base do Aterro, contra as Barreiras e logo a seguir ao antigo campo de futebol do Desportivo, fizeram-se estes prédios, que durarão até ao próximo terramoto ou ciclone (quando em Janeiro de 1966 veio o Ciclone Claude, a barreira exactamente onde está o prédio à direita, entrou em derrocada e veio tudo parar cá abaixo). Foto com vénia a Drone Sensation.

 

11- A Cidade e o Aterro da Maxaquene em primeiro plano. Foto com vénia a Hugo Costa.

20 comentários »

  1. Parabéns ao António pela magnífica reportagem sobre a evolução que sofreu toda aquela região então pantanosa. Para além dos “perigos” da exagerada construção por m2 nesta e noutras zonas – por exemplo a zona do antigo Dragão, do Miramar e das barreiras em frente – está-se a alterar toda uma filosofia urbanística que existia, de largos espaços e avenidas que tantos elogios mereceu a quem lá viveu e nos visitava. Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades … é pena, em minha opinião !

    Comentar por franciscoduquemartinho — 17/03/2018 @ 00:54

    • Agradeço a simpatia. Um abraço fraterno, ABM

      Comentar por ABM — 18/03/2018 @ 15:10

  2. Uma notável obra de engenharia portuguesa em África, agora oportunamente recordada neste excelente artigo!

    Comentar por José Lima — 17/03/2018 @ 11:33

    • Interessante exposição historica e bem documentado nas informações descritas e fotograficamente.
      Boa e rica informação.
      Cordialmente.

      Comentar por DoCarlos do CARMO ANDRADE — 18/03/2018 @ 13:41

    • Olá, obrigado! ABM

      Comentar por ABM — 18/03/2018 @ 15:11

  3. Parabéns ao historiador que com uma classe extraordinária.elucida e leva o leitor a ficar preso à magnífica descrição que faz. Como que se abre um enorme écran onde tudo que vemos é claro, não deixa dúvidas e nos ensina tudo que precisamos saber para compreender a enorme mudança que está a ocorrer Em Moçambique. Muito bom. Esperança Marques.

    Comentar por Esperança Marques — 17/03/2018 @ 20:50

    • Olá Esperança, obrigado, cumprimentos, ABM

      Comentar por ABM — 18/03/2018 @ 15:22

  4. Excelente resumo histórico, decerto muitos (habitantes de LM/Maputo) não sabem como era o chão que agora pisam, parabéns!!!

    Comentar por jjfarianunes2012 — 22/03/2018 @ 09:34

    • Olá JJ, agradeço a nota simpática e o interesse num assunto tão exótico. Muito mais há a dizer sobre aquele bocado de terra mas fica para outra altura. Atenciosamente, ABM

      Comentar por ABM — 22/03/2018 @ 11:56

  5. 10 – Na base do Aterro, contra as Barreiras e logo a seguir ao antigo campo de futebol do Desportivo, fizeram-se estes prédios, que durarão até ao próximo terramoto ou ciclone (quando em Janeiro de 1966 veio o Ciclone Claude, a barreira exactamente onde está o prédio à direita, entrou em derrocada e veio tudo parar cá abaixo). Eu: Espero que não.

    Comentar por mataveshom — 27/03/2018 @ 09:29

    • Caro Matvele, eu também espero que não. Abraço ABM

      Comentar por ABM — 27/03/2018 @ 21:00

  6. Não me seduzem estas mudanças, para mim será sempre o meu LOURENÇO MARQUES,
    Moçambique está endividado até aos cabelos, se tal pagarem o que devem em vez destes malabarismos, enriquecem os espertos e a pobreza continua

    Comentar por ISETTE lEMOS — 28/03/2018 @ 10:54

    • Sério? As pessoas que construiram estes prédios é que estão a dever? Ali tem BIM que é de capitais portugueses, tem a Vodacom que é de capitais sul-africanos, e mais outras empresas PRIVADAS! Será que era isso que a ilustre queria dizer mesmo? E mais, Lourenço Marques já era, agora é Maputo. Pode ver no Google.

      Comentar por mataveshom — 28/03/2018 @ 11:03

    • Meu caro Américo, não sei ao que referes. As empresas privadas estrangeiras a que referes compraram os terrenos a alguém – certo?. E se não gostas do tratamento editorial do meu blog, que chama Lourenço Marques Lourenço Marques até Lourenço Marques ter deixado de ser Lourenço Marques em Fevereiro de 1976, não visites e dormirás melhor. Se conseguires conviver com isto, és sempre bem-vindo. Cumprimentos, ABM

      Comentar por ABM — 02/04/2018 @ 12:13

  7. Agradeço aos autores destas fotos e documentário, pois apesar de ser natural daqui não tinha conhecimento desta rica história da mnha cidade!

    Abraços
    Maria Helena

    Comentar por Maria Helena França — 06/04/2018 @ 10:35

    • Olá Maria Helena, pela parte do “documentário” agradeço a preciação. Cumprimentos, ABM

      Comentar por ABM — 07/04/2018 @ 13:32

  8. Excelente retrospectiva histórica e soberbo acervo fotográfico. Pelo volume e longevidade do blog, não ficaria nada mal se isto fosse reunido em material impresso. Disponho de albuns narrativos sobre Luanda, Timor e muito mais, que não batem nem em qualidade e nem pormenor, o que ABM nos tem postado aqui. Atrevo-me mesmo a dizer que ABM é uma espécie de “griot” da Delagoa Bay, para que os vindouros (e aqui refiro-me particularmente, à geração do pós 1990) interiorizem donde vêm, por onde andam e onde irão provavelmente estar em algumas décadas. Aproveito a deixa para vos revelar que, foi graças ao Delagoa Bay, que um desses construtores da moda, não ergueu um edifício na baixa de Maputo, cujo sistema de esgotos encheria à mínima precipitação. Ele negava redundamente que o local tivesse sido aterrado há menos de um século. Acreditem!

    Bem Haja,

    Ricardo Santos

    Comentar por Ricardo Santos — 02/07/2018 @ 09:37

    • Olá Ricardo,
      Agradeço a preferência e simpatia. Não tenho feito nada em formato de livro pois este formato é mais acessível, mais barato e mais maleável que um livro. Por isso vá aproveitando…. quanto a eu ser um cocuana que se vai lembrando disto e daquilo, penso que estes conteúdos poderão ser mais interessantes daqui a cem anos, servindo de momento para recordações de alguns e curiosidades para outros. Stay tuned! um abraço, ABM

      Comentar por ABM — 05/07/2018 @ 22:47

  9. “Sério? As pessoas que construiram estes prédios é que estão a dever? Ali tem BIM que é de capitais portugueses, tem a Vodacom que é de capitais sul-africanos, e mais outras empresas PRIVADAS! Será que era isso que a ilustre queria dizer mesmo? E mais, Lourenço Marques já era, agora é Maputo. Pode ver no Google.

    Comentar por mataveshom — 28/03/2018 @ 11:03”

    Provavelmente o autor deste comentario é um nascido depois de 1975 e sofreu uma lavagem cerebral e tras politiquices. Depois da independencia em 1975, fez-se de tudo para apagar a historia desta cidade, como se ela tivesse nascido em 1975 como Maputo. Quase ninguem conhece os antecedentes de Maputo. Concordo com ABM, quando aconselha o tal sujeito a nao entrar no blog, se quiser introduzir polemicas.

    Comentar por chyttollo boy — 06/11/2019 @ 13:15

    • Boa tarde Chytollo Boy,
      Agradeço o “voto” e a apreciação desta sucinta apresentação, sendo que ainda há muita gente que pensa como o exmo. Leitor que cita, apesar do que está escarrapachado no texto e que pouco condiz com aquilo que evocam. Cumprimentos, ABM

      Comentar por ABM — 06/11/2019 @ 15:02


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